Pesquisa identificou que informação isolada e campanhas genéricas não mudam comportamento; escuta ativa, conversas motivacionais e ações co-criadas em escolas se mostraram mais eficazes para reduzir a hesitação vacinal.
Campanhas baseadas apenas em informação não mudam comportamento — o que funciona é o diálogo. Essa é uma das principais conclusões de um estudo francês apresentado pela médica epidemiologista Judith Müller, do Institut Pasteur, durante o painel Epidemiology and Public Health in Tropical Ecosystems, realizado em 21 de outubro no fórum internacional Global Health in Tropical Regions – Perspectives from Latin America and West Africa in a Changing World, promovido pelo Institut Pasteur de São Paulo (IPSP). O painel reuniu também outros profissionais que atuam na área de epidemiologia, como Juan Carlos Ocampo e Léonard Heijerdahl, que discutiram, respectivamente, o comportamento preventivo diante de doenças transmitidas por mosquitos e a hesitação vacinal entre profissionais de saúde.
Slogans não convencem – O estudo coordenado por Müller revelou que a cobertura vacinal contra o papilomavírus humano (HPV) na França permanece muito abaixo do esperado — apenas 21% entre meninas de 15 anos, contra índices superiores a 80% no Reino Unido e em Portugal (dados de 2017). Segundo a pesquisadora, as causas dessa baixa adesão vão além do acesso aos serviços de saúde e estão ligadas a falhas de comunicação e desigualdades sociais.
Sua equipe, que integra o consórcio Pref HPV, combinou duas metodologias: os experimentos de escolha discreta (DCE), que simulam situações reais de decisão para entender o que mais pesa na escolha de vacinar, e os questionários 7C-KAP, que avaliam fatores psicológicos e sociais — como confiança, percepção de risco e atitudes em relação à vacinação. O levantamento mostrou que o que não funciona são campanhas genéricas centradas em slogans, dados estatísticos ou apelos ao medo, que tendem a reforçar resistências e desconfianças. Também não se mostraram eficazes as abordagens exclusivamente clínicas, que sobrecarregam os médicos com a tarefa de convencer famílias sem oferecer ferramentas de comunicação adequadas.
Comunicação que transforma – Por outro lado, o que funciona são estratégias que aproximam a ciência das comunidades e transformam a informação em diálogo. O estudo demonstrou que campanhas escolares co-criadas com professores, pais e profissionais de saúde conseguem aumentar a intenção de vacinar, especialmente em regiões socialmente mais vulneráveis. Essas ações permitem que adolescentes e famílias discutam o tema em ambientes de confiança, reduzindo o peso dos estigmas associados ao HPV e ampliando a percepção de risco real. Müller destacou ainda que conversas motivacionais conduzidas por profissionais capacitados têm impacto mais duradouro do que campanhas massivas. “A informação isolada não muda comportamento. O que transforma é o diálogo — ouvir as dúvidas, compreender as resistências e adaptar a comunicação às realidades locais”, afirmou.
Comportamento moldado pela experiência – As conclusões do psicólogo Juan Carlos Ocampo
também reforçaram a importância de compreender o comportamento humano para
fortalecer políticas de prevenção. Ele apresentou resultados dos projetos
ELIM-IP (2023–2024) e MOUSTIKAP-P (2025–2027), que investigam como a população
francesa reage ao risco de doenças transmitidas por mosquitos, como dengue
e chikungunya. A principal conclusão de Ocampo é que as pessoas adotam
medidas preventivas apenas após vivenciarem o risco — e não antes. O estudo
mostrou que a experiência direta de ser picado por mosquitos é o principal
gatilho para ações de proteção, enquanto o medo ou o conhecimento prévio da
doença têm peso secundário.
Entre
as medidas mais aceitas estão telas em janelas, eliminação de água parada e
vacinas com poucos efeitos colaterais, enquanto o uso de larvicidas e
fumigações — associados a impactos ambientais — gera forte rejeição.
Ocampo observou ainda que o público tende a atribuir a responsabilidade de
prevenção ao governo, e não a si próprio, o que reforça a necessidade de
políticas públicas participativas e de comunicação contínua. Seu novo projeto,
MOUSTIKAP-P, amplia essa abordagem com entrevistas qualitativas e oficinas de
co-criação de mensagens preventivas, envolvendo moradores em regiões afetadas.
“A proteção individual pode gerar uma falsa sensação de segurança. Precisamos
colocar as pessoas no centro da prevenção e construir confiança por meio da
escuta e da transparência”, afirmou.
A hesitação dentro dos hospitais – Já o cientista social Léonard Heijerdahl apresentou
um panorama surpreendente: a hesitação vacinal também existe entre
profissionais de saúde. O pesquisador explicou que médicos, enfermeiros e
outros trabalhadores do setor, embora sejam os intermediários mais confiáveis
para o público, também têm enfrentado um aumento de dúvidas e desconfiança,
fenômeno agravado pela falta de espaços seguros para discutir o tema. Essa
constatação foi o ponto de partida do DevShape, projeto iniciado em 2024 que
aplica etnoepidemiologia digital e inteligência artificial generativa para
investigar o sentimento vacinal entre profissionais de saúde na França.
A
pesquisa combina escuta social digital (social listening) de publicações no
Twitter/X com entrevistas etnográficas e um survey nacional, mapeando o que os
profissionais dizem (ou deixam de dizer) sobre vacinas. Os resultados iniciais
mostram que muitos evitam expressar opiniões negativas por medo de julgamento
ou de repercussões profissionais, o que leva àquilo que Heijerdahl define como “hesitação
vacinal oculta”. A falta de diálogo interno entre colegas cria ambientes
silenciosos, onde dúvidas são internalizadas e eventualmente migram para
comunidades online, nas quais o ceticismo tende a se aprofundar.
Usando
modelos de IA locais e éticos, a equipe analisou milhares de postagens e
identificou padrões de polarização semelhantes aos observados entre o público
geral. Em 2023, após mudanças na plataforma X (antigo Twitter), observou-se uma
queda acentuada nas postagens pró-vacina e um aumento temporário nas narrativas
antivacinais. O pesquisador defendeu que restaurar a confiança requer recriar
espaços de diálogo abertos e empáticos dentro das instituições de saúde, onde
as dúvidas possam ser tratadas sem medo de represálias. “A hesitação não é
falta de informação — é falta de confiança”, afirmou. O projeto busca, a partir
dessa compreensão, desenvolver intervenções de diálogo vacinal que fortaleçam a
comunicação entre profissionais e sociedade.
Além
de Müller, Ocampo e Heijerdahl, o painel contou ainda com as apresentações de
Helder Nakaya, do Institut Pasteur de São Paulo, que discutiu o uso de inteligência
artificial na saúde de precisão e no monitoramento de doenças; Paolo Bosetti,
do Institut Pasteur de Paris, que abordou modelos matemáticos aplicados à
dinâmica de doenças infecciosas; e Tamara Giles Vernick, também do Institut
Pasteur de Paris, que analisou as interações entre humanos, animais e vírus em
ecossistemas tropicais a partir de estudos realizados na República Democrática
do Congo
Institut
Pasteur de São Paulo- IPSP
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