O recalque, ou bloqueio interno, ou também impedimento moral, obstrui a tradução do sentimento em palavras. Mas esse conceito, central na psicanálise freudiana, já aparecia de diferentes formas nas obras de Machado de Assis, revelando o pioneirismo do autor brasileiro na psicologia.
Tem uma bela ilustração no conto Cantiga de
esponsais (1883): “Ah! se mestre Romão pudesse seria um grande compositor. Parece
que há duas sortes de vocação, as que têm língua e as que a não têm. As
primeiras realizam-se; as últimas representam uma luta constante e estéril
entre o impulso interior e a ausência de um modo de comunicação com os homens.
Romão era destas. Tinha a vocação íntima da música; trazia dentro de si muitas
óperas e missas, um mundo de harmonias novas e originais, que não alcançava
exprimir e pôr no papel. Esta era a causa única da tristeza de mestre Romão.
Naturalmente o vulgo não atinava com ela; uns diziam isto, outros aquilo:
doença, falta de dinheiro, algum desgosto antigo; mas a verdade é esta: — a
causa da melancolia de mestre Romão era não poder compor, não possuir o meio de
traduzir o que sentia. Não é que não rabiscasse muito papel e não interrogasse
o cravo, durante horas; mas tudo lhe saía informe, sem idéia nem harmonia”
(Cantiga de esponsais, 1883).
Mestre Romão não conseguia vencer uma dificuldade
inerente a si mesmo. Ele ficou no desejo se tornar “um grande compositor”. O
“impulso interior” ficou sem um modo apropriado de “comunicação com os homens”.
Tinha dentro de si “um mundo de harmonias novas e originais, que não alcançava
exprimir e pôr no papel”. Que não realizou.
Nesse conto, Machado também falava de si. É, portanto, um “conto teoria”. É um conto que expõe, em ficção, a teoria do recalque, criada depois por Freud, para quem a repressão externa se internaliza no processo de educação necessário aos filhos, formando o recalque do neurótico comum.
Machado conseguia a proeza que mestre Romão não conseguia. Ele explica em
Aurora sem dia (1870): “Isto não se aprende; traz-se do berço. Poesia não se
aprende, traz-se do berço. O modo porém constituía a originalidade do poeta,
originalidade que ele não teve a princípio, mas que se desenvolveu muito com o
tempo. Não imagina quantos invejosos andam a denegrir o meu nome. O meu talento
tem sido o alvo de mil ataques; mas eu já estava disposto a isto. Prometeu,
atado ao Cáucaso, é o emblema do gênio”.
O gênio vem de berço e se desenvolve com o tempo.
Machado o fez: desenvolveu sua genialidade. O que exige muita dedicação e
persistência, um trabalho aprimorado, no treino de passar pelo verso, criando o
enlevo, para rodear o proibido, preparando a subjetividade, de modo a dizê-lo
após as preliminares para que ela seja receptiva a aceitar o que jamais
aceitaria se fosse pelo dizer direto brusco, que pode perturbar, embora na vida
prática seja comum.
Machado conseguia a proeza que mestre Romão não
conseguia. Ele explica em Aurora sem dia (1870): “Isto não se aprende; traz-se
do berço. Poesia não se aprende, traz-se do berço. O modo, porém, constituía a
originalidade do poeta, originalidade que ele não teve a princípio, mas que se
desenvolveu muito com o tempo. Não imagina quantos invejosos andam a denegrir o
meu nome. O meu talento tem sido o alvo de mil ataques; mas eu já estava
disposto a isto. Prometeu, atado ao Cáucaso, é o emblema do gênio”.
O gênio vem de berço e se desenvolve com o tempo.
Machado o fez: desenvolveu sua genialidade. O que exige muita dedicação e
persistência, um trabalho aprimorado, no treino de passar pelo verso, criam o o
enlevo, para rodear o proibido, preparando a subjetividade, de modo a dizê-lo
após as preliminares para que ela seja receptiva a aceitar o que jamais
aceitaria se fosse pelo dizer direto brusco, que pode perturbar, embora na vida
prática seja comum.
Nenhum comentário:
Postar um comentário