Substância ajuda a explicar como o vetor da doença interage com o sistema imune humano e pode inspirar novos medicamentos anti-inflamatórios, aponta estudo do ICB-USP.
Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo
(ICB-USP) lideraram um estudo inédito que identificou propriedades
imunomoduladoras e anti-inflamatórias em uma proteína da saliva do carrapato Amblyomma
sculptum, vetor da febre maculosa brasileira. Nomeada Amblyostatin-1, a
substância pode abrir novos caminhos para o enfrentamento da doença, marcada
por altas taxas de mortalidade, ajudando a entender como o carrapato modula o
sistema imune do hospedeiro e facilita a infecção pela bactéria causadora da
febre maculosa. A molécula também apresenta potencial para o desenvolvimento de
medicamentos contra processos inflamatórios.
Financiada pela
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a pesquisa é
resultado de uma colaboração internacional entre grupos do ICB-USP, da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), da Czech Academy of Sciences
(República Tcheca) e do National Institutes of Health (NIH), dos Estados
Unidos. O primeiro autor do artigo, publicado no periódico científico
internacional Frontiers in Immunology, é o biólogo Wilson Santos Molari,
mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Imunologia do ICB-USP, sob orientação
do Prof. Dr. Anderson de Sá-Nunes.
“A saliva do
carrapato é um coquetel de moléculas bioativas. Identificar uma delas com forte
ação imunomoduladora, como a Amblyostatin-1, é um avanço significativo para
entender como o vetor interage com o organismo do hospedeiro e transmite a
febre maculosa”, explica Sá-Nunes.
No Brasil, a febre
maculosa é causada pela Rickettsia rickettsii, uma bactéria intracelular
transmitida principalmente por carrapatos do gênero Amblyomma, como o Amblyomma
sculptum. A doença é considerada grave, letal e de notificação compulsória:
entre 2013 e 2023, foram registrados 2.059 casos e 703 mortes, o que representa
uma taxa de mortalidade de cerca de 34%, segundo dados da Agência Brasil. Por
se manifestar inicialmente com sintomas semelhantes aos da dengue e de outras
doenças comuns, a febre maculosa costuma ser diagnosticada tardiamente, o que
compromete a eficácia do tratamento. O diagnóstico precoce é decisivo para
aumentar as chances de sobrevivência dos pacientes.
“Quando o
carrapato infectado se alimenta, ele injeta na pele do hospedeiro tanto a
bactéria quanto moléculas da saliva capazes de suprimir a resposta imune. Isso
permite que a infecção avance de forma silenciosa”, explica Sá-Nunes. “Estudar
essas moléculas, como a Amblyostatin-1, nos ajuda a compreender os mecanismos
que favorecem a transmissão da febre maculosa e pode, no futuro, orientar
estratégias para bloquear essa infecção”.
Como a
Amblyostatin-1 atua - A
Amblyostatin-1 pertence à família das cistatinas, proteínas que inibem enzimas
do tipo cisteíno proteases chamadas catepsinas. Essas enzimas desempenham
papéis importantes no sistema imune e em processos inflamatórios. No estudo, a
molécula demonstrou seletividade na inibição de catepsinas específicas, como a
catepsina S e a catepsina L, associadas a processos de ativação de células do
sistema imunológico.
A catepsina S, por
exemplo, é essencial para a ativação de células dendríticas, enquanto a
catepsina L atua na resposta inflamatória dos neutrófilos. Ao inibir essas enzimas,
a Amblyostatin-1 demonstrou ser capaz de reduzir significativamente a ativação
das células dendríticas e a inflamação cutânea em modelos animais.
“Sabíamos que
essas moléculas poderiam modular o sistema imune, mas um estudo anterior, que
teve a participação do nosso grupo de pesquisa, mostrou que a Amblyostatin-1 se
destacou por ser a cistatina expressa em maiores níveis durante a alimentação
do carrapato, o que sugeria um papel relevante na interação com o hospedeiro”,
explica Sá-Nunes.
A Amblyostatin-1 também apresentou baixíssima imunogenicidade, ou seja, não induziu a produção de anticorpos nos animais. Esse é um fator importante para o desenvolvimento de medicamentos de uso prolongado, já que o corpo tende a neutralizar substâncias reconhecidas como estranhas. “Essa característica faz da Amblyostatin-1 um antígeno silencioso, ou seja, uma molécula que o organismo não reconhece como uma ameaça. Isso permite seu uso contínuo sem perda de eficácia, algo desejável em tratamentos de longo prazo para doenças inflamatórias”, complementa Sá-Nunes.
Além do grupo liderado por Sá-Nunes no Departamento de Imunologia do ICB-USP, participaram do estudo a Profa. Dra. Andréa Cristina Fogaça (Departamento de Parasitologia do ICB-USP), a Profa. Dra. Aparecida Sadae Tanaka (UNIFESP), o Dr. Michalis Kotsyfakis (Czech Academy of Sciences) e o Dr. Lucas Tirloni (NIH, EUA), dentre outros pesquisadores.
Leia o artigo na íntegra aqui.
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