Especialistas
analisam o fenômeno das bonecas hiper-realistas à luz do direito, da saúde
mental e da sociedade digital
O fenômeno dos bebês reborn, bonecas hiper-realistas
que imitam recém-nascidos, voltou a ganhar visibilidade nas redes sociais.
Vídeos e postagens que mostram pessoas tratando essas bonecas como “filhos”
viralizaram, gerando debates sobre guarda legal, direitos civis e saúde
emocional. Mas o que há de verdade nisso tudo? Especialistas em direito e saúde
mental alertam para os riscos da desinformação e explicam: por trás da
aparência de inocência ou curiosidade, o tema reflete dilemas profundos da era digital.
Os bebês reborn surgiram nos anos 1990 como bonecas
produzidas com alto grau de realismo, inicialmente voltadas a colecionadores e
uso terapêutico. Hoje, são também objetos de conteúdo viral, com vídeos que
simulam consultas médicas, pedidos de atendimento prioritário ou até disputas
judiciais. Parte dessas publicações, no entanto, são montagens e criações
fictícias, o que agrava um fenômeno crescente: o Copy Effect, ou efeito
de imitação digital, em que pessoas passam a replicar comportamentos encenados
como se fossem reais.
Do simbólico ao jurídico
Para a delegada Luana Davico, professora da Gran
Faculdade, o debate jurídico é claro: bebê reborn é um objeto, classificado
pelo direito civil como bem móvel. Não possui personalidade jurídica nem é
titular de direitos. “Quem tem direitos é a pessoa proprietária da boneca”,
afirma.
“Muito do que viraliza sobre guarda judicial ou
direitos civis desses bens não é verdade. Há casos inventados, conteúdos
simulados e sem base legal”, alerta. “Se há disputa entre casais, o brinquedo
deve ser tratado como patrimônio. E se for usado para obter vantagem econômica
ou burlar serviços públicos, pode configurar crime, como estelionato, falsidade
ideológica, perturbação de serviço ou até crime contra a economia popular”.
Além dos equívocos legais, a delegada chama atenção
para como a viralização desse tipo de conteúdo escancara um problema mais
profundo: o uso sensacionalista de temas emocionalmente delicados para
alimentar narrativas de fácil consumo nas redes. Segundo ela, esse movimento
não apenas distorce a realidade jurídica, mas também reforça estigmas sociais,
especialmente contra as mulheres, frequentemente retratadas como emocionalmente
frágeis ou desequilibradas por manterem vínculos simbólicos com esses objetos.
“Estamos alimentando um pânico de desinformação,
com forte carga de hiperpsiquiatrização do feminino. Mulheres são
constantemente rotuladas como ‘loucas’ por vínculos emocionais que, muitas
vezes, são simbólicos e legítimos.”
Entre afeto e fantasia
Segundo o Dr. Alex Olegário, psiquiatra da Casa
de Saúde São José, o uso do bebê reborn pode ser saudável, desde que seja
limitado ao campo simbólico, sem comprometer os vínculos sociais ou a percepção
da realidade.
“A prática pode representar relaxamento e
passatempo, sendo usada, inclusive, como ferramenta terapêutica para idosos com
demência e pessoas em processos de luto. Porém, passa a ser uma questão
emocional quando o bebê reborn é tratado como um bebê real por tempo integral,
afastando a pessoa da convivência real e do processamento das emoções.”
De acordo com o psiquiatra, o vínculo extremo pode ocorrer por conta de necessidades afetivas não supridas, traumas ou mecanismos de defesa emocionais mal-adaptados, sinalizando transtornos emocionais mais graves, como luto patológico, isolamento social e quadro psicótico: “O que define se é saudável ou não é o impacto que isso tem na vida do indivíduo e se existe a consciência de que aquilo é apenas uma realidade simbólica”.
O debate sobre os bebês reborn é, na verdade, um
espelho da sociedade digital: entre o desejo de consolo emocional, a busca por
atenção online e a confusão entre conteúdo e realidade, emergem questões sérias
sobre saúde mental, manipulação de informação e limites éticos.
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