sexta-feira, 30 de maio de 2025

Obesidade e risco: como dietas radicais e remédios usados sem orientação podem prejudicar a saúde

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Márcia Cândido, nutricionista do Hospital Universitário de Aracaju, explica como práticas virais e o uso de medicamentos sem acompanhamento profissional podem agravar a saúde



Dados do Atlas Mundial da Obesidade 2025 apontam que aproximadamente 31% dos brasileiros vivem com obesidade e 68% têm excesso de peso. A projeção é de que esses números aumentem nos próximos anos, com estimativas indicando que, até 2030, 41% dos adultos do nosso país estarão com obesidade. Além disso, de acordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde (MS), o número de mortes atribuídas à obesidade no Brasil cresceu 75,3% em 14 anos, totalizando 45.310 óbitos entre 2010 e 2024.

Esse cenário nacional também se reflete em Sergipe. No estado, o MS alerta que 8,26% dos adolescentes acompanhados pelo SUS apresentam obesidade, enquanto 17,78% têm sobrepeso. Na capital Aracaju, a pasta revelou, por meio de pesquisa divulgada pela Vigitel em 2024, que cerca de 25% dos adultos estão obesos e 62,9% apresentam excesso de peso — índices que contribuem diretamente para o avanço das doenças crônicas não transmissíveis.

No entanto, a busca por um corpo magro muitas vezes ignora o mais importante: a saúde. A nutricionista Márcia Cândido, especialista do Hospital Universitário de Aracaju (HU-UFS/Ebserh), destaca que a obesidade no Brasil não é um problema isolado, mas o reflexo de um fenômeno chamado Transição Nutricional. “Saímos de uma realidade de fome e insegurança alimentar para um consumo maior de alimentos ultraprocessados, ricos em gordura, açúcar e pobres em fibras”, explica.

Essa mudança de padrão alimentar, aliada ao sedentarismo, trouxe como resultado o aumento dos casos de obesidade e de doenças crônicas. “Mas não podemos responsabilizar apenas o indivíduo. A obesidade é uma condição multifatorial: histórica, social, econômica, cultural e biológica. Precisamos de políticas públicas que combatam também o papel da indústria de alimentos, que vende produtos ultraprocessados disfarçados de saudáveis”, pontua.


O perigo das dietas da moda e o efeito sanfona


As redes sociais, embora democratizem o acesso à informação, têm impulsionado a adesão a dietas restritivas, generalistas e pouco seguras. Márcia Cândido faz um alerta contundente: “As dietas ‘da moda’ impactam diretamente no comportamento das pessoas, que acreditam no potencial milagroso da rápida perda de peso, sem perceberem os riscos à saúde”.


Segundo ela, esse tipo de prática, difundida por influenciadores e até por alguns profissionais sem formação em Nutrição, promove um emagrecimento baseado em restrição de calorias e nutrientes. Isso, além de gerar mal-estar — como apatia, fraqueza, insônia e dores de cabeça —, pode desencadear problemas mais sérios, como desequilíbrio eletrolítico (afeta funções vitais, como os batimentos cardíacos, o funcionamento dos músculos e dos nervos, podendo causar arritmias, cãibras e até risco de morte) e acidose láctica (acúmulo de ácido lático no sangue, podendo levar a náuseas, dores, fraqueza intensa, confusão mental e, em casos severos, falência de órgãos).


O famoso “efeito sanfona”, associado a essas práticas, é explicado pela nutricionista como um processo fisiológico. “O metabolismo basal diminui durante uma dieta muito restritiva. Após a dieta, o corpo continua funcionando com esse metabolismo mais lento, facilitando o reganho de peso, mesmo comendo menos do que antes”, esclarece. Esse ciclo, que envolve perda e recuperação do peso diversas vezes, é potencializado por fatores genéticos e hábitos não sustentáveis.


Canetas emagrecedoras: a busca pela solução mágica

Recentemente incorporadas ao SUS, as chamadas “canetas emagrecedoras” despertaram grande interesse no público atendido pelo Hospital Universitário. A nutricionista relata que é comum pacientes chegarem ao ambulatório já buscando essa solução farmacológica, influenciados pelo apelo midiático e pela pressão social.

Entretanto, ela faz um alerta importante: “Os próprios estudos na área da obesidade já reconhecem que essas intervenções, como medicamentos e até cirurgia bariátrica, têm baixa efetividade na redução da obesidade populacional. Elas não resolvem a epidemia de obesidade porque não atuam sobre o contexto social, que é determinante”. Pela perspectiva da nutrição, a mudança de comportamento, aliada à educação alimentar e ao suporte multiprofissional, continua sendo o caminho mais sustentável.

Cândido reforça que cuidar da saúde alimentar não precisa ser caro. Ela lembra, por exemplo, que o custo de uma refeição com pães e embutidos pode ser equivalente ao preço de dois quilos de batata-doce - uma escolha mais saudável e acessível. “O Guia Alimentar da População Brasileira é uma ferramenta fundamental, baseada em alimentos naturais, que serve como norte para uma alimentação equilibrada e de baixo custo”, indica.



Atendimento personalizado e multidisciplinar no HU-UFS

No Hospital Universitário de Aracaju, o cuidado com o paciente vai além da prescrição de uma dieta. “Todo o atendimento é personalizado. Realizamos uma avaliação completa, que envolve aspectos sociais, econômicos, históricos e de estilo de vida. A partir disso, desenvolvemos um plano alimentar adaptado à realidade de cada paciente”, afirma Márcia.

O trabalho é integrado com profissionais de diversas áreas da saúde e toda a comunicação é feita por meio do sistema informatizado de prontuário eletrônico, facilitando o acompanhamento e o resgate de todo o histórico de saúde dos pacientes. A nutricionista também relembra um projeto pioneiro desenvolvido no HU-UFS para acompanhamento de funcionários com excesso de peso, que contou com nutricionista, profissional de educação física e psicóloga. “Obtivemos resultados duradouros e muito positivos”, comemora.


Educação, pesquisa e inovação: a missão do Hospital Universitário

Como hospital universitário, o HU-UFS tem na educação uma de suas principais missões. “Buscamos integrar teoria e prática de forma constante. Recebemos residentes, alunos de graduação, mestrandos e doutorandos, que desenvolvem pesquisas que têm impacto direto na assistência prestada”, explica.

Os frutos desse trabalho são expressivos: quatro patentes de softwares para assistência nutricional e publicações em revistas científicas de renome, como a Nature. “Isso mostra como a ciência e o atendimento à população podem caminhar juntos para promover saúde, bem-estar e inovação”, finaliza Márcia.



Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (HU-UFS)



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