Nos últimos anos, o Brasil tem sido palco de uma série de
golpes financeiros de proporções bilionárias, muitos dos quais envolvendo
esquemas sofisticados de falsas corretoras que simulam operações com
criptoativos, Forex e investimentos em bolsa. O que chama a atenção é que, numa
nova geração desses esquemas, a tecnologia de inteligência artificial (IA)
passou a ser uma aliada dos criminosos, permitindo fraudes em larga escala com
altíssima taxa de conversão.
Esse foi o caso de plataformas como EBDOX, TDASX, IXXEN e
CRXXE, que se apresentavam como corretoras internacionais, oferecendo
rentabilidades atrativas e acesso a mercados financeiros globais. Entretanto,
tudo não passava de uma estrutura fraudulenta baseada em simulação de operações
e falsificação de identidade institucional.
A primeira fase do golpe é a mais sutil: a captação inicial
de investidores por meio de inteligência artificial aplicada em vídeos falsos.
Circulam nas redes sociais (Instagram, YouTube, Facebook e TikTok) vídeos onde
figuras conhecidas do mercado financeiro, como Luiz Barsi, sua filha Louise
Barsi, e o ex-ministro da Economia Paulo Guedes aparecem falando diretamente
com o público. Nessas gravações, com uso de IA generativa de imagem e voz,
essas personalidades convidam o investidor a ingressar em um suposto
"grupo seleto de oportunidades" no WhatsApp, alegando que
compartilham ali as melhores oportunidades de investimento.
Trata-se, obviamente, de uso fraudulento e não autorizado de
imagem e voz, com alto grau de realismo, capaz de induzir ao erro até mesmo
pessoas com algum grau de instrução financeira.
Uma vez dentro do grupo de WhatsApp, o próximo passo é o
contato com um suposto "professor" ou "especialista". Aqui,
também entra em cena a inteligência artificial. A identidade do
"professor" é completamente fictícia, com imagem gerada por IA e
interações exclusivamente por mensagens de texto. As mensagens enviadas nos
grupos são geradas por ferramentas de IA que imitam uma linguagem coloquial,
persuasiva e técnica.
Esse "mentor" oferece dicas de investimentos,
análises gráficas, previsões de mercado e supostas "aulas gratuitas",
tudo com um único objetivo: construir uma relação de confiança para conduzir o
investidor a abrir conta na plataforma falsa, realizar o primeiro aporte e
iniciar o ciclo de fraude.
As respostas automatizadas aos questionamentos também
revelam uso de IA conversacional, que simula atendimentos em tempo real e gera
uma ilusão de suporte constante e personalizado. Os criminosos automatizam todo
o funil de venda e criação de autoridade usando tecnologia de ponta.
Esse modus operandi marca uma nova era de golpes
financeiros: a era das fraudes com IA. As ferramentas de deepfake, voice
clone e chatbots de suporte vêm sendo utilizadas para
aplicar estelionatos com uma precisão e escala sem precedentes.
Por isso, é urgente que o sistema financeiro, os órgãos de
investigação e a própria sociedade compreendam que a tecnologia, se não
regulada e fiscalizada, pode se transformar em arma contra os cidadãos.
A investigação em curso contra as falsas corretoras
mencionadas precisa incluir, de forma prioritária, a análise técnica dos
conteúdos veiculados nas redes e grupos de WhatsApp, com rastreio de origem dos
materiais de IA, identificação de ferramentas utilizadas e os dispositivos
responsáveis pelos disparos automatizados.
Mais do que investigar os operadores visíveis, é fundamental
mapear quem forneceu infraestrutura, hospedagem, domínios, serviços de IA e
pagamentos. O combate a esse novo modelo de fraude demanda uma atuação
integrada, transnacional e especializada.
Este é apenas o começo de uma nova geração de crimes
digitais. E o Brasil precisa se preparar.
Jorge Calazans - advogado especialista na área criminal, conselheiro estadual da Anacrim e sócio do escritório Calazans & Vieira Dias Advogados, com atuação na defesa de vítimas de fraudes financeiras
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