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A mielina protege os axônios e aumenta a velocidade de condução dos impulsos nervosos Freepik |
Pesquisa publicada no Journal of
Neurochemistry detalhou o papel de uma proteína, a hnRNP A1, na
formação e estabilidade da mielina, sugerindo importante impacto em doenças
neurodegenerativas e transtornos mentais, como esclerose múltipla e
esquizofrenia. Os achados abrem caminho para novas pesquisas e potenciais
tratamentos.
A mielina é uma substância
gordurosa, produzida pelos oligodendrócitos (células do sistema nervoso
central), que forma uma bainha, como uma espécie de “isolante”. Ela “protege”
os prolongamentos dos neurônios (axônios) e aumenta a velocidade de condução
dos impulsos nervosos que transmitem informações entre as células neurais. Na
literatura científica, já ficou demonstrado que pacientes com esclerose
múltipla e esquizofrenia perdem mielina (a chamada desmielinização), deixando
parte dos axônios “desencapada” e provocando danos nas funções cerebrais.
Este estudo, feito em roedores,
investigou alterações em proteínas essenciais para a produção da mielina
(mielinização). E os resultados destacam o envolvimento de hnRNP A1 na
manutenção da integridade dessa bainha protetora.
A hnRNP A1 regula o
processamento do RNA mensageiro, ou seja, ajusta como a molécula é cortada e
montada (splicing), determinando quais proteínas serão produzidas e em
quais quantidades. Estudada há anos por esse grupo de cientistas da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a hnRNP A1 já havia aparecido com
destaque em pesquisas anteriores feitas com tecido cerebral de pessoas com
esquizofrenia e com células cultivadas em laboratórios.
“Quando estava no mestrado,
trabalhei com linhagens de células predecessoras de oligodendrócitos e suas
respostas a antipsicóticos. Essa proteína, a hnRNP A1, sempre aparecia.
Resolvemos tentar entender o papel dela nos oligodendrócitos. Mas, para isso, foi
necessário usar um modelo animal para induzir a mielinização e compreender o
processo”, explica Caroline Brandão Teles,
primeira autora do artigo e bolsista de
doutorado da FAPESP no Instituto de Biologia da Unicamp.
Para a pesquisadora Fernanda Crunfli,
também do IB-Unicamp e autora correspondente do trabalho, a mielina tem sido um
alvo importante de estudo para doenças neuropsiquiátricas.
“Conseguimos analisar o
processo de desmielinização nos animais e depois restabelecer a bainha de
mielina. Isso permitiu uma janela interessante de estudo. Fizemos testes
comportamentais para avaliar locomoção, memória de curta e de longa duração e
interação social. Quando a mielina é restaurada, todas essas funções voltam ao
cérebro”, conta Crunfli, que foi bolsista FAPESP no pós-doutorado.
Teles destaca que esse foi um
dos resultados que chamaram a atenção do grupo – o fato de as alterações terem
sido detectadas no nível molecular, sem afetar, no entanto, o comportamento dos
animais.
“Com essa alteração molecular e
não comportamental, o trabalho tem um potencial interessante de apontar uma
proteína importante no estabelecimento da esquizofrenia. Esse mesmo modelo
animal é analisado em pesquisas para esclerose múltipla, por exemplo, e quando
há estudo comportamental notam-se mudanças. No caso da esquizofrenia, o fato de
o comportamento não ser alterado aponta, na minha avaliação, que essa proteína
é essencial no desenvolvimento da doença, podendo ter influência em sua
gênese”, analisa à Agência FAPESP o professor Daniel Martins-de-Souza,
do IB-Unicamp, orientador de Teles e responsável pelo Laboratório de
Neuroproteômica.
A esquizofrenia é um transtorno
mental caracterizado pela perda de contato com a realidade (psicose), alucinações,
delírios e piora da cognição, entre outros. A causa exata ainda é desconhecida,
mas pesquisas recentes sugerem uma combinação de fatores hereditários, com
alterações moleculares e funcionais no cérebro. O tratamento é realizado com
medicamentos antipsicóticos e psicoterapia.
Estima-se que no Brasil cerca
de 1,6 milhão de pessoas tenham esquizofrenia. No mundo, a prevalência é de
aproximadamente 1% da população mundial.
Há anos, o grupo de pesquisa de
Martins-de-Souza vem trabalhando para entender o papel dos oligodendrócitos na
esquizofrenia, tendo conseguido mapear uma série de proteínas cerebrais que
ajudam a desvendar as bases moleculares do transtorno (leia mais em: agencia.fapesp.br/36195).
Para
entender a pesquisa
O grupo adotou um modelo de
roedor (murino) que vem sendo estudado também em casos de esclerose múltipla,
doença caracterizada por desmielinização severa.
A partir da oitava semana do
experimento foi induzida a desmielinização, que perdurou outras cinco semanas.
Em seguida o processo foi interrompido e houve o restabelecimento da bainha de
mielina. Nesse período, os pesquisadores analisaram a atividade da hnRNP A1.
“Vimos que as proteínas ligadas à mielina nesses animais estavam todas
diminuídas. Perturbando a atividade dessa proteína [hnRNP A1], acabamos
atrapalhando a mielinização”, afirma Teles.
Para os cientistas, explorar os
impactos das alterações da proteína na transmissão sináptica e nos processos
cognitivos pode revelar novos alvos terapêuticos.
Além das bolsas, a pesquisa
também recebeu apoio da FAPESP por meio de outros seis projetos (17/25588-1, 19/05155-9, 18/01410-1, 23/08885-3, 18/01669-5 e 23/11514-7).
O artigo Impacts of
hnRNP A1 Splicing Inhibition on the Brain Remyelination Proteome pode
ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jnc.16304.
Luciana Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-detalha-papel-de-proteina-que-pode-ter-participacao-chave-no-desenvolvimento-da-esquizofrenia/54345
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