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| Análises da composição nutricional indicam que a qualidade dos pinhões de araucárias clonadas por enxertia se mantém comparada à de árvores tradicionais. |
- Produzido em menos tempo, pinhão precoce tem valor nutricional
equivalente ao tradicional, segundo estudo da Embrapa.
- Tecnologia de clonagem via enxertia permite produção de pinhão
de seis a dez anos após o plantio em vez de 12 a 20 anos, como ocorre na
natureza..
- Inovação torna o cultivo da araucária mais atrativo e viável
economicamente.
- Publicação técnica orienta agricultores sobre como implantar
pomares comerciais e recomenda uso de cultivares registradas no Ministério
da Agricultura e Pecuária.
- Técnica é capaz de ajudar a conservar a araucária, espécie ameaçada de extinção.
O sabor e o valor nutricional do pinhão precoce são iguais
aos do tradicional. Essa é a principal conclusão de um estudo conduzido pela Embrapa Florestas (PR), que avaliou a composição do pinhão
produzido por araucárias (Araucaria angustifolia) clonadas por
enxertia, técnica cuja aplicação para produção precoce nessa espécie acaba de
completar dez anos. A constatação reforça a viabilidade da tecnologia que
permite colher as sementes da árvore símbolo do Sul do Brasil em metade do
tempo do que o convencional e sem abrir mão da qualidade.
A técnica de clonagem via enxertia permite que árvores
iniciem a produção de pinhões entre seis a dez anos após o plantio, um avanço
significativo frente aos 12 a 20 anos das árvores tradicionais. Fruto de anos
de pesquisa participativa conduzida em parceria pela Embrapa Florestas e pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR), as instituições acabam de publicar melhorias e novas orientações para quem deseja adotar o
sistema de produção (leia aqui). Da mesma forma, o grupo acaba de lançar
uma publicação que apresenta a avaliação do valor nutricional
dos pinhões produzidos de forma precoce (baixe aqui).
“A consolidação desse sistema representa um marco para
produtores rurais, especialmente das Regiões Sul e Sudeste do País, onde o
pinhão tem forte apelo cultural e econômico, mas cuja produção ainda depende
quase exclusivamente do extrativismo em florestas nativas”, conta o pesquisador
da Embrapa Florestas Ivar Wendling. Com a produção precoce, o retorno do
investimento se torna mais rápido, incentivando o plantio, a geração de renda
e, consequentemente, a conservação da espécie pelo uso sustentável.
“Nesses anos, a partir de muitas visitas a campo,
levantamento de dados, observações e conversas com os produtores rurais,
percebemos que o maior problema atual não está na produção de mudas enxertadas,
mas na necessidade de melhorias na forma de planejamento e implantação de
pomares, bem como erros que estavam acontecendo no manejo”, relata Wendling.
Ele diz que, muitas vezes, algumas mudas enxertadas não se
desenvolviam adequadamente, o que fez os pesquisadores elaborarem um manual de
boas práticas aos interessados. Entre as questões abordadas na publicação estão
as vantagens do uso da técnica, dúvidas sobre a produção de pinhão em pomares,
e pontos fundamentais ao cultivo como a qualidade de mudas, a escolha da área
do pomar, a implantação, o manejo e os principais problemas e ocorrências no
campo.
O pesquisador destaca, ainda, que o processo requer conhecimento
técnico para a escolha das matrizes (árvores-mãe) e para a realização da
enxertia, garantindo o sucesso do pegamento e a qualidade futura dos pinhões.
“A seleção de matrizes diversas também é crucial para a manutenção da
variabilidade genética da espécie”, alerta.
Pinhão tão nutritivo quanto o convencional
Os estudos avançaram para entender se os pinhões
produzidos de forma precoce mantêm as características dos pinhões tradicionais.
Análises da composição nutricional indicam que a qualidade do alimento se
mantém, sendo nutricionalmente equivalentes aos pinhões de árvores
tradicionais.
O estudo comparou pinhões in natura e cozidos de árvores
enxertadas com os tradicionais. Os resultados mostraram que os pinhões
precoces mantiveram o baixo teor de gordura e são boas fontes de proteínas e
carboidratos, com alto conteúdo de fibras alimentares e alto valor calórico, de
forma similar aos pinhões de plantas tradicionais. “A técnica de enxertia
provou ser viável para a produção de pinhões igualmente nutritivos em metade do
tempo normalmente requerido, possibilitando o aumento da oferta desse saudável
alimento ao longo do ano e estimulando o plantio da araucária”, declara a
pesquisadora Cristiane Helm.
Estímulo ao plantio para geração de renda
A técnica para produção precoce de pinhão se baseia na
clonagem via enxertia. O resultado é uma antecipação significativa do ciclo
produtivo. “Isso acontece porque, em nível celular, a nova planta enxertada se
comporta como se tivesse a idade da planta do qual o broto foi colhido”,
explica Wendling.
O pesquisador alerta que os interessados no cultivo devem
dar especial atenção à escolha de viveiros para compra de mudas. Eles devem
estar credenciados junto ao Registro Nacional de Sementes e Mudas do Ministério
da Agricultura (Renasem) e, preferencialmente, produzir plantas enxertadas com
cultivares registradas para a produção de pinhão. “Esse foi outro avanço da
pesquisa: o desenvolvimento e registro de cultivares. Até então, a produção de
pinhão era totalmente extrativista, a partir de árvores que já existem na
natureza, e conseguimos desenvolver cultivares para estabelecer efetivamente um
sistema de produção”, celebra o pesquisador.
A ideia é estimular para que produtores rurais implantem
pomares para produção de pinhão, que é uma semente bastante apreciada para
alimentação humana e com potencial como matéria-prima para alimentos sem
glúten, entre outros. Além disso, pomares de araucária ajudam na redução da
pressão sobre plantas nativas da espécie, tendo em vista a possibilidade de
maior produtividade e a facilidade de colheita. Essa facilidade pode
contribuir, também, para a redução de acidentes com escaladas para a coleta de
pinhões, tendo em vista as árvores enxertadas serem menores que as nativas.
O Viveiro Porto Amazonas foi pioneiro na produção de mudas
via enxertia comercialmente, a princípio com árvores-matrizes selecionadas pela
UFPR e, a partir de 2020, também a partir de cultivares registradas pela
Embrapa. “Nossa ideia sempre foi a valorização de uma espécie nativa ameaçada e
estudar mais o seu comportamento com a enxertia. A técnica é nova, mas a
precocidade empolga e incentiva os produtores interessados”, diz Leonel Anderman,
biólogo e gerente do viveiro.
Atualmente, o VPA produz e comercializa cerca de 3 mil
mudas por ano, cada uma delas leva cerca de dois anos para ficar pronta.
“Sabemos que a pesquisa ainda tem muito a avançar, e há a necessidade de novos
investimentos para evoluir. Hoje, nosso desafio é fazer com que os clientes
entendam que existe um manejo a ser feito com estas árvores, que não basta
somente plantá-las. É como um cultivo qualquer, com todos os passos para sua
condução”, explica.
Uso em expansão
Silmara Luciane Galhardo de Campos Silva é produtora rural
em Cunha (SP), e plantou recentemente um pomar para produção precoce de pinhão.
Por meio do estímulo da Casa de Agricultura de Cunha e em parceria com a
Embrapa Florestas, ela recebeu mudas e capacitação. “O pinhão é sustento de
várias famílias aqui da região nessa época do ano”, explica a produtora rural.
“E me interessei pela tecnologia porque poderei começar a colher mais cedo e,
com isso, ter uma renda extra”, comemora.
Silmara participou de visita realizada à Embrapa Florestas
em maio/2024, quando a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati/SP)
organizou um grupo de produtores de Cunha para conhecer a tecnologia. Na época,
o técnico Cezar Friso explicou que a colheita de pinhão é baseada no
extrativismo, “e temos interesse em fomentar o plantio para facilitar a
colheita e também reduzir a coleta nos fragmentos florestais nativos”.
Já o empresário e produtor rural Cleverson Coradin, de
Bocaiúva do Sul/PR, destaca a relevância do pinhão em sua comunidade como um
elemento cultural, além de ser uma oportunidade econômica. Interessado em
otimizar o cultivo, ele conheceu a tecnologia da araucária de produção precoce
de pinhão por meio de uma reportagem em televisão, e contou com apoio técnico especializado.
“Hoje meu pomar conta com 87 árvores, onde faço a manutenção e sigo as
orientações técnicas da Embrapa”, explica. A diferença no ciclo é
significativa: "enquanto esperava até 20 anos para ter pinhão, agora nosso
pomar com sete anos está produzindo. É muito interessante".
O produtor vê um cenário positivo para o mercado, com
potencial de crescimento da demanda: "Acho que a tendência é crescer
muito, tanto para consumo local, mas também para exportação ".
Para além do benefício econômico, a tecnologia representa
um apoio à conservação da Araucaria angustifolia. A espécie,
criticamente ameaçada de extinção, ganha um estímulo para ser cultivada e
mantida na paisagem. Este ganho de tempo é um fator importante para a
viabilidade econômica do cultivo da araucária. Produtores rurais que investem
no plantio conseguem vislumbrar um retorno em um prazo mais curto, o que pode
incentivar a reintrodução da árvore em áreas de restauração ou em sistemas
agroflorestais.
Produção precoce de pinhão virou política pública
Em Bituruna (PR), o programa municipal "A Força das
Araucárias" incentiva o plantio das araucárias enxertadas. Cerca de cem
produtores rurais já participam do programa e a ideia é que seja uma fonte de
renda. O município está trabalhando, inclusive, para a instalação de uma
agroindústria de farinha de pinhão. Reside no município um dos primeiros
produtores a adotar a tecnologia: Ernesto Zembruski que já tem mais de mil
árvores enxertadas e auxilia os pesquisadores com observações e descobertas.
Os pioneiros da pesquisa
A tecnologia de enxertia de araucária é estudada há anos
por pesquisadores, entre eles o professor Flávio Zanette, hoje aposentado pela
Universidade Federal do Paraná. Zanette é pioneiro nos estudos sobre clonagem
de araucária via enxertia. “A conservação pelo uso é a chave para a manutenção
das araucárias”, explica o professor.
Wendling, da Embrapa Florestas, aprimorou a técnica ao desenvolver
estudos que identificaram como seria possível induzir a produção precoce de
pinhões. “A Araucaria angustifolia é a única espécie, em nosso país,
em que é possível fazer mudas de tronco e de galho”, explica. Ao induzir
brotações nessas áreas, o pesquisador identificou de onde as gemas poderiam ser
retiradas para a enxertia de forma que os enxertos, ao se estabelecerem,
entendessem que fisiologicamente teriam a idade de planta-matriz e passariam a
se comportar como plantas adultas, produzindo pinhão de forma mais precoce.
Os dois pesquisadores, então, deram continuidade às pesquisas de forma conjunta, aprimorando a técnica e trabalhando junto aos produtores rurais, na ideia de estímulo à implantação de pomares para produção de pinhão.
Além da geração de renda, conservação da espécie e adaptação às mudanças climáticas
A implantação de pomares de araucária para produção precoce de pinhão pode ajudar na redução da pressão sobre plantas nativas da espécie, tendo em vista a maior produtividade de pinhões e a facilidade de colheita. “É como um pomar de frutas, que é cultivado para esse fim”, explica Wendling. “Além disso, a possibilidade de a araucária gerar retorno financeiro com a produção de pinhões tem resultado em uma mudança significativa da mentalidade de produtores rurais em relação à espécie, que até então era vista com restrições por conta da legislação”.
Outro ponto importante levantado pelo pesquisador é a possibilidade de conservação de árvores mais velhas, uma vez que a enxertia possibilita o resgate vegetativo e multiplicação dos genótipos, tornando possível a sua conservação perene e estudos de longo prazo. Um exemplo recente foi o resgate e conservação da araucária gigante centenária de Cruz Machado, no Paraná. “Essas árvores têm muita importância para questões conservacionistas e científicas, tendo em vista a possibilidade de possuírem genes raros, podendo fornecer informações importantes para a ciência e material genético para o melhoramento da espécie”, avalia o pesquisador. Por fim, as questões climáticas também merecem atenção, pois plantas enxertadas possibilitam o cruzamento de indivíduos de diferentes populações, naturalmente separados por questões geográficas. “O aumento da diversidade genética com as novas plantas formadas pode resultar em maiores potenciais de adaptação às mudanças do clima”, esclarece.

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