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‘Soluções disruptivas, que desconhecem as referências do passado, são em geral desastrosas. Mesmo as não disruptivas, quando feitas impulsivamente, podem ser contraproducentes’
Utopias são, ao mesmo tempo,
mobilizadoras e fontes de frustrações, justamente porque correspondem a
idealizações nem sempre viáveis, por deficiência de concepção ou pela
ocorrência de fatores fortuitos. Implicam, quase sempre, a construção de mitos.
Um mito comum e sedutor é o das
reformas, porque é um conceito indeterminado, que se presta a mistificações.
Qualquer disfunção em sistemas eleitorais, partidários, tributários e outros
sistemas públicos, que governam as relações entre estado e sociedade, estimula
a proposição de reformas, que de antemão serve como um bálsamo para a
disfunção.
É claro que reformas são
indispensáveis à evolução dos sistemas públicos, para incorporar novos
objetivos e ajustar-se a novas circunstâncias. Reformas são, portanto,
processos e não eventos. Esse entendimento embora pareça óbvio, não é. Quantas
vezes se proclama a necessidade de reformas salvíficas sem ao menos se conhecer
sua própria natureza.
Por resultar em mudanças,
reformas demandam método. A irreflexão e o improviso podem produzir efeitos
danosos, de diferentes magnitudes e naturezas.
O ponto de partida de qualquer
reforma é conhecer claramente os problemas que a motivam, sem a invocação de
chavões ou de experiências em outros países, com contexto cultural distinto.
Miguel Reale (Por uma Constituição Brasileira), dizia: “Não é apenas no
organismo biológico que se manifesta o fenômeno da rejeição. Todo transplante,
mesmo no organismo social, importa rejeição, dadas as peculiaridades de cada
comunidade, ...”
Conhecidos os problemas, deve
proceder-se à distinção entre o que reformar e o que não reformar. A partir
daí, buscar soluções viáveis, com menor potencial de danos colaterais, a serem
implementadas gradualmente e mediante ajustes e reajustes, na esteira das
engenharias parcelares de Karl Popper (A Miséria do Historicismo).
Soluções disruptivas, que
desconhecem as referências do passado, são em geral desastrosas. Mesmo as não
disruptivas, quando feitas impulsivamente, podem ser contraproducentes, a
exemplo das mudanças nos tributos, gastos públicos e orçamento, introduzidas pela
Constituição de 1988, e, por via infraconstitucional, na legislação que trata
do financiamento dos partidos e das eleições. Essas mudanças comprometeram
gravemente a governabilidade do país.
A reforma tributária do consumo
percorreu caminhos temerários, com participação robusta de lobbies, vários
condicionantes e virtuais conflitos. Aguardemos, atentamente, o desenrolar dos
acontecimentos.
**As
opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e
não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio
Everardo
Maciel - Ex-secretário
da Receita Federal, é consultor jurídico e professor do Instituto Brasiliense
de Direito Público
Fonte: https://www.dcomercio.com.br/publicacao/s/o-mito-das-reformas
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