segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Médicos Sem Fronteiras: Metade da população do Sudão enfrenta altos níveis de insegurança alimentar

 

Organização apela por ação imediata diante da crise de desnutrição no país 

 

Metade da população do Sudão enfrenta altos níveis de insegurança alimentar aguda, o que corresponde a 24,6 milhões de pessoas. Desse total, 8,5 milhões enfrentam uma situação de emergência ou situação de fome, segundo a última Classificação da Fase de Segurança Alimentar Integrada (IPC, na sigla em inglês). Os doadores internacionais, a Organização das Nações Unidas (ONU), os envolvidos na guerra no Sudão e seus aliados devem agir agora para prevenir ainda mais mortes evitáveis por desnutrição no país. A situação, já catastrófica, deve piorar este ano.

“Apesar deste novo alerta, a mobilização humanitária e diplomática robusta ficou muito aquém das necessidades. Para fornecer cestas básicas mensais apenas àqueles em situação mais extrema, seriam necessários 2.500 caminhões de ajuda por mês, enquanto apenas cerca de 1.150 chegaram a Darfur entre agosto e dezembro de 2024”, diz Stephane Doyon, coordenador de operações de Médicos Sem Fronteiras.

“Há partes do Sudão em que é difícil trabalhar, mas é certamente possível. É isso que as organizações humanitárias e a ONU devem fazer,” Marcella Kraay, coordenadora de emergência de MSF. A organização reuniu dados que mostram taxas alarmantes de desnutrição em vários locais, tanto no auge do período de entressafra no Sudão no ano passado, quanto em dezembro de 2024. A crise de desnutrição causada pelo conflito no país se agravou pela contínua obstrução de ajuda humanitária pelas partes envolvidas no conflito e pela inércia negligente da ONU e do sistema de ajuda em Darfur. Com a entressafra que se aproxima em maio, que aumenta a escassez de alimentos, ações decisivas devem ser tomadas agora.

“Há partes do Sudão em que é difícil trabalhar, mas é certamente possível. É isso que as organizações humanitárias e a ONU devem fazer”, afirma Marcella Kraay, coordenadora de emergência de MSF. “Tanto em locais de mais fácil acesso, quanto em áreas de difícil movimentação, como em Darfur do Norte, rotas aéreas permanecem inexploradas, por exemplo. O fracasso em agir é uma escolha e está matando pessoas”.


Órgãos internacionais precisam coordenar envio de ajuda humanitária

A crise de desnutrição é reconhecida há algum tempo. A ONU, em comunicado emitido em outubro, alertou que “nunca na história tantas pessoas enfrentaram a fome e morreram de fome como no Sudão hoje.”

Levar suprimentos se tornará uma tarefa ainda mais difícil durante a próxima estação chuvosa e de entressafra, quando se torna impossível circular por estradas de terra inundadas. Uma resposta humanitária em larga escala deve ser lançada agora, inclusive aumentando drasticamente o financiamento disponível e as capacidades logísticas, garantindo corredores para envio de alimentos e abastecendo estoques de alimentos no Chade e em países vizinhos.

MSF está pedindo que agências da ONU, organizações internacionais, países doadores e governos com influência busquem todas as opções, incluindo rotas aéreas, para complementar e até mesmo substituir o acesso por rodovias, quando necessário.

As exigências burocráticas das partes em conflito têm sido um obstáculo à capacidade das organizações internacionais de prestar serviços e chegar às pessoas. Em vez de reagir a necessidades críticas em tempo hábil, as respostas são atrasadas ou negadas completamente pelas partes em conflito. Isso impede o trabalho de MSF no estado de Darfur do Sul: caminhões com suprimentos ficam retidos no Chade à espera de permissão para se deslocarem da área das Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês) e de seus escritórios. Uma distribuição de alimentos em Darfur do Sul também foi adiada recentemente, já que as autorizações de viagem necessárias foram negadas.

As partes em conflito devem conceder acesso irrestrito às organizações humanitárias. O acesso deve ser entendido como uma forma de promover a ajuda humanitária essencial para salvar vidas. MSF pede que as partes em conflito, seus aliados e Estados influentes usem essa influência para aliviar os obstáculos que estão causando mortes e sofrimento.


Índice de desnutrição é alarmante em diversas áreas do Sudão

MSF forneceu dados de diferentes locais para demonstrar a profundidade da crise de desnutrição. Em Darfur do Norte, onde um cerco da RSF à capital, El Fasher, está deixando as pessoas famintas e privando-as de assistência vital, equipes de MSF examinaram mais de 9.500 crianças menores de 5 anos de idade, enquanto realizavam uma distribuição de alimentos terapêuticos na localidade de Tawila, no oeste do Sudão, em dezembro de 2024. As equipes encontraram um cenário preocupante: 35,5% das crianças estavam com desnutrição aguda, sendo que 7% delas já sofria com desnutrição aguda grave.

Em setembro do ano passado, 34% das 29.300 crianças examinadas por MSF durante uma campanha de vacinação no acampamento de Zamzam sofriam de desnutrição aguda. Desde o início de dezembro, bombardeios repetidos impossibilitaram que nossa equipe realize novas avaliações no acampamento, onde, provavelmente, os índices de desnutrição aumentaram.

As equipes de MSF também veem taxas preocupantes de desnutrição fora de Darfur, seja em áreas onde pessoas deslocadas buscam abrigo, seja em áreas mais próximas do conflito. Em Omdurman, estado de Cartum, uma zona de conflito sob controle das Forças Armadas Sudanesas (SAF, na sigla em inglês), MSF realizou uma triagem nutricional enquanto auxiliava uma campanha de vacinação para crianças, em outubro de 2024. A organização constatou que 7,1% das crianças examinadas estavam gravemente desnutridas.

Esta não é a primeira guerra que eu vivo, mas é definitivamente a mais devastadora. As condições de vida aqui são difíceis, e tudo é uma luta diária,” Zahra Abdullah, que mora com o filho no acampamento de deslocados em Al Salam, nos arredores de Nyala. Dados de MSF também revelam que a desnutrição não é um problema apenas para pessoas próximas às linhas de frente, mas também em cidades mais estáveis como Nyala, capital de Darfur do Sul: em outubro de 2024, 23% das crianças menores de 5 anos examinadas em instalações apoiadas por MSF na cidade e em locais próximos estavam sofrendo de desnutrição aguda grave.

Em duas instalações apoiadas por MSF, 26% das mulheres grávidas e lactantes que procuravam atendimento estavam gravemente desnutridas. Com a falta de distribuição de alimentos do Programa Alimentar Mundial da ONU, MSF lançou uma distribuição de alimentos direcionada em Darfur do Sul, em dezembro de 2024, fornecendo mantimentos por dois meses para cerca de 30 mil pessoas. MSF continuará fazendo o que pode, mas a escala da crise está muito além da capacidade de resposta da organização. Precisamos ter uma resposta massiva agora para evitar mais mortes e fome. O momento é agora. Essa é uma questão de sobrevivência, não de conveniência política.


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