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‘Quando alguém prejudica seus
credores ao renunciar à herança, eles podem, mediante autorização judicial,
aceitá-la em nome da pessoa que está renunciando’
Existem assuntos que por mais
desagradáveis que possam parecer - angustiando o cidadão e suscitando mais
dúvidas do que oferecendo soluções – fizeram-me ressuscitar o caso de um dos
cantores mais famosos do show bizz internacional: Michael Jackson.
Logo após o seu falecimento,
ocorrido em 2009, às especulações relativas às possíveis causas da morte do
cantor, somaram-se outras, de natureza financeira: qual seria o valor da
herança deixada pelo astro da música? E qual seria o valor de suas dívidas? As
estimativas giravam em torno de US$ 500 milhões ou menos, em resposta à
primeira pergunta, e US$ 200 milhões ou mais, em resposta à segunda. Isso
suscita uma outra questão: quem paga as dívidas deixadas pelo falecido?
Vamos supor que Michael Jackson
tivesse vivido, enriquecido, se endividado e morrido no Brasil – uma vez que,
examinar a questão à luz de nossa legislação é, com certeza, um exercício bem
mais útil para o leitor brasileiro prestes a receber um belo e confuso pacote
de herança e dívidas. Se este for o seu caso, há uma boa e uma má notícia. A má
notícia é que as dívidas do falecido devem ser pagas por seu espólio, isto é,
pelo total de bens (móveis e imóveis) por ele deixado. Os herdeiros dividem
entre si o que sobrar, se sobrar – lembrando que as despesas com o inventário e
os impostos sobre a herança também entram nesse cálculo.
A boa notícia está lá, no
artigo 1.792 do Código Civil de 2002, que diz: “os herdeiros não respondem por
encargos superiores às forças da herança”. Trocando em miúdos, isto significa
que os herdeiros não são obrigados a pagar do próprio bolso qualquer quantia
que seja superior à herança. Se as dívidas forem maiores do que o valor do
espólio, os herdeiros não recebem nada, mas também não pagam nada – o que,
naturalmente, é uma boa notícia para o herdeiro, e não para o credor que, numa
situação como essa, acaba ficando no prejuízo.
Postergar o início do
inventário para adiar o pagamento de eventuais dívidas do falecido não é uma
boa estratégia. Primeiro, porque atrasos na abertura do inventário geram
multas. Segundo porque, dependendo das circunstâncias, os próprios credores do
falecido, e também os credores dos herdeiros, podem requerer a abertura do
inventário e a partilha dos bens. Esse é, aliás, um aspecto importante a ser considerado.
Mesmo que o falecido não tenha deixado dívidas, se você as tiver, a parte que
lhe cabe da herança terá de ser usada para saldá-las – mas apenas a parte do
herdeiro devedor, e não as dos demais. Renunciar à sua parte da herança a fim
de que ela vá para os outros herdeiros, e não para os credores, é um
estratagema que também não funciona. Quando alguém prejudica seus credores ao
renunciar à herança, eles podem, mediante autorização judicial, aceitá-la em
nome da pessoa que está renunciando.
Às vezes acontece de os
herdeiros serem surpreendidos pelas dívidas deixadas pelo falecido. Certa vez
fui procurada por uma senhora, que ficou viúva após mais de trinta anos de
casada. “Mas, doutora”, disse-me ela, aflita, “eu nem sabia que ele tinha
dívidas. E agora aparecem credores de tudo quanto é lado. O que eu faço? Como é
que eu vou saber se meu marido devia mesmo o que eles estão dizendo?” Calma lá.
Para que os credores sejam incluídos na partilha dos bens, os herdeiros devem
estar de acordo. Se não estiverem, o assunto terá que ser resolvido
judicialmente. Porém, enquanto isso ocorre, os bens necessários para o
pagamento das dívidas serão separados pelo juiz e ficarão indisponíveis até que
a questão seja resolvida.
E, por fim, cabe lembrar que o
imóvel que constitui a residência da família não pode ser penhorado para o
pagamento das dívidas do falecido, nem dos herdeiros – e isso inclui os móveis
e eletrodomésticos que ele contém, desde que estejam quitados.
Contudo, esteja atento às
exceções. Se as dívidas forem trabalhistas, fiscais, relativas à pensão
alimentícia ou se o imóvel tiver sido usado como garantia de um empréstimo que
não foi pago, então ele pode ser penhorado, mesmo que constitua a única
residência da família. Outro detalhe: se a família possuir mais de um imóvel
usado como residência, será considerado impenhorável o que tiver o menor valor
– exceto se algum dos outros imóveis tiver sido registrado no cartório para
esse fim.
**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio
Ivone Zeger - Advogada, consultora jurídica, palestrante e escritora.
Fonte: https://dcomercio.com.br/publicacao/s/alguns-deixam-heranca-outros-dividas
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