Pesquisadores brasileiros e
suecos observaram que acúmulo de zinco nos músculos estimula a expressão de
proteínas que degradam o tecidoResultados abrem caminho para o desenvolvimento
de novas terapias para minimizar um problema que afeta
até 70% das pessoas internadas na UTI por mais
de uma semana
foto: Parentingupstream/Pixabay
Pesquisadores do Instituto de Ciências
Biológicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e do Karolinska Institutet
(KI), da Suécia, relataram pela primeira vez um novo mecanismo associado com a
atrofia muscular de pacientes de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Eles
identificaram que alterações em genes relacionados ao metabolismo do zinco fazem
com que o metal se acumule dentro do músculo esquelético, aumentando a
expressão de proteínas ativadas de zinco que contribuem para a degradação do
tecido.
Os resultados, publicados recentemente na revista científica Free Radical Biology
and Medicine, abrem caminho para o desenvolvimento de novas terapias
capazes de minimizar o problema que pode afetar até 70% de todas as pessoas
internadas na UTI por mais de uma semana.
Nos últimos 65 anos, as taxas
de sobrevivência em UTIs melhoraram significativamente, graças a avanços em
tecnologia médica e à adoção de práticas baseadas em evidências. Esses
tratamentos, no entanto, estão associados a complicações como a miopatia do
doente crítico, caracterizada por atrofia muscular grave e perda da função dos
músculos dos membros e do tronco (incluindo o diafragma, o principal músculo
inspiratório). A condição, que afeta cerca de 30% dos pacientes que precisam de
ventilação mecânica por longos períodos, tem consequências negativas na
qualidade de vida do paciente, eleva os custos com assistência médica e aumenta
a mortalidade causada por complicações secundárias, como pneumonia.
“A miopatia do doente crítico é
uma complicação comum em UTIs modernas e isso se tornou aparente durante a
recente pandemia de COVID-19, especialmente em pacientes idosos”, afirma Lars
Larsson, diretor do grupo de pesquisa em biologia muscular básica e clínica do
KI e orientador do estudo.
Em um trabalho anterior, o
mesmo grupo de pesquisadores já havia observado que a perda de miosina –
proteína fundamental para a função muscular, que sofre queda em pacientes que
ficam imobilizados, fazendo com que o músculo perca massa, poder de contração e
geração de força – estava acompanhada da ativação de um transportador de zinco
chamado ZIP14 nos músculos das pernas.
Neste estudo, apoiado pela FAPESP, os cientistas analisaram mais a fundo como os níveis de zinco e a
atividade de metaloproteinases (MMPs) – enzimas que podem estar diretamente
envolvidas na quebra de proteínas contráteis, como a miosina – sofriam
alterações em pacientes de UTI. Eles também levaram em conta como a idade pode
afetar esses processos, já que pacientes idosos apresentam maior
suscetibilidade à atrofia muscular.
Para isso, acompanharam sete
pacientes em estado crítico submetidos à ventilação mecânica e realizaram
biópsias musculares em diversos momentos ao longo de 12 dias. Os resultados
foram comparados a um modelo experimental que utilizou ratos expostos a
condições semelhantes de UTI.
“Observamos um acúmulo anormal
de zinco dentro do tecido muscular tanto dos pacientes quanto dos animais
submetidos a um longo período de ventilação mecânica e imobilização, e esse
aumento do metal gerou a ativação de certas MMPs”, explica Fernando Ribeiro, pesquisador do ICB-USP e primeiro autor do trabalho.
“Duas delas, em particular,
apresentaram atividade aumentada: a MMP-8 e a MMP-9. Enquanto a primeira ainda
não tem, até então, função muscular descrita na literatura científica, já se
sabia que a segunda contribuía para a degradação de miosina – porém, não no
contexto de UTI, como demonstramos, mas no de insuficiência cardíaca.”
“Isso é de especial interesse,
pois uma perda preferencial de miosina é a marca registrada da miopatia do
doente crítico”, completa Larsson. “Assim, os resultados desse estudo apontam
para um novo mecanismo subjacente à miosina em pacientes de UTI com miopatia do
doente crítico.”
Importância
e aplicação futura
“É comum que os pacientes com
miopatia do doente crítico enfrentem complicações funcionais pós-internação
decorrentes da fraqueza muscular e da falta de massa muscular, que comprometem
atividades do dia a dia, como caminhar ou carregar sacolas de supermercado,
demandando reabilitação física”, diz Ribeiro. “Entender os mecanismos por trás
do problema é fundamental para o desenvolvimento de tratamentos capazes não só
de retirá-los da dependência de máquinas como também para garantir uma melhor
recuperação.”
De acordo com o pesquisador, o
objetivo agora é conduzir mais estudos utilizando ferramentas farmacológicas ou
genéticas para buscar modular a expressão ou a atividade desses marcadores
moleculares específicos e, assim, atenuar ou até mesmo prevenir a degradação de
miosina nos músculos esqueléticos.
O estudo também contou com
financiamento do Conselho Sueco de Pesquisa Médica, da European Society of
Intensive Care Medicine (ESICM), dos Institutos Canadenses de Pesquisa em
Saúde, do KI, da Prefeitura de Estocolmo e do Viron Molecular Medicine
Institute, localizado nos Estados Unidos.
O artigo The role of zinc and matrix metalloproteinases in myofibrillar protein degradation in critical illness myopathy pode ser lido em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0891584924005392?via%3Dihub.
Julia Moióli
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-desvenda-novo-mecanismo-biologico-por-tras-da-atrofia-muscular-em-pacientes-de-uti/53643
Nenhum comentário:
Postar um comentário