A proibição do uso de celulares nas salas de aula tornou-se o tema central dos
debates na área da educação. Seguindo uma tendência internacional adotada por
países como a França, Espanha, Grécia, Suíça e México, o Brasil proibiu os
aparelhos do cotidiano escolar. Mas a questão vai muito além de proibir ou
permitir: é necessário refletir sobre como integrar os dispositivos ao ambiente
escolar sem comprometer os pilares da formação pedagógica, sócio emocional e
ética das crianças e adolescentes.
Celulares
permitem acessar informações em tempo real, promovem a inclusão de alunos com
necessidades específicas e enriquecem as práticas pedagógicas, por exemplo. A
tecnologia, quando bem utilizada, é uma ferramenta poderosa; e a inteligência
artificial é uma grande aliada em muitos aspectos. Mas o uso inadequado e sem
propósito definido de celulares traz prejuízos inegáveis. A tecnologia, quando
usada para a interação, não substitui o vínculo afetivo das interações frente a
frente e olho no olho, que desenvolve as habilidades humanas fundamentais, como
a empatia, compaixão e de comunicação assertiva.
Estudos
científicos apontam que o excesso de telas reduz a criatividade, prejudica a
capacidade de atenção, causa estresse, distúrbios de sono, irritação,
isolamento social e muitas vezes, se torna um catalisador de problemas como a
dependência digital. Também está relacionado ao aumento de casos de violência
como o bullying e o cyberbullying, além de comportamentos antissociais, impactando
diretamente o desenvolvimento emocional das novas gerações. Em casos extremos,
como reflexo do uso desmedido dos aparelhos em casa, crianças e jovens chegam à
escola apresentando sintomas de abstinência digital.
A
discussão do tema precisa ser vista sob uma perspectiva ampla, que considera
tanto os benefícios quanto os prejuízos que a tecnologia pode trazer ao
desenvolvimento humano. Nesse sentido, a regulamentação do uso de celulares é
um passo importante, mas não é suficiente, pois, no contexto escolar, a
dependência digital não é apenas um problema tecnológico, mas também uma
questão moral e ética, e deve se iniciar em casa com as famílias ajustando os
seus próprios limites e rotinas.
É
urgente educar as novas e futuras gerações para o uso consciente dos
dispositivos e principalmente das mídias sociais. Para crianças menores de 10
anos, substituir os dispositivos por atividades físicas e interações sociais é
fundamental para estimular habilidades críticas e a criatividade. Isso também
se deve ao fato do desenvolvimento do cérebro, que é impactado profundamente
quando nossas crianças e jovens são expostas ao ambiente digital. O não
conhecimento desses impactos, faz com que as pessoas minimizem e desconsiderem
as consequências futuras, que são gravíssimas e comprovadas cientificamente
como preocupantes.
Já
para os alunos mais velhos, a autorregulação e o uso pedagógico supervisionado
são indispensáveis. Porém existe um período na adolescência em que o cérebro
dos jovens está em grande produção de conexões neurais, que não pode ser
desprezado com o uso abusivo desses dispositivos. O uso de estratégias
educativas e éticas são fundamentais para prevenir esses danos, pois agem de
forma preventiva, capacitando os jovens a identificação dos riscos online, e a
reagir frente a interações com desconhecidos em jogos e a situações de assédio,
entre outras exposições perigosas e desnecessárias.
Programas
que integram a convivência moral e ética, a psicologia positiva e a formação de
caráter são nossas aliadas frente a esse quadro e nos ajudam a criar as
estratégias curriculares e intervenções positivas que levam a experiências
enriquecedoras na rotina escolar. Os alunos desenvolvem uma relação saudável
com o digital, se tornam aptos a identificar ambientes vulneráveis e seus
perigos, e são capacitados a fugir dessas armadilhas digitais.
Ao
desenvolverem autoconhecimento, resiliência e capacidade de autorregulação, os
alunos se tornam aptos a equilibrar o uso da tecnologia com as demandas do
mundo real. Nesse sentido, o acolhimento de alunos e a capacitação de
professores é essencial para enfrentar os desafios trazidos pela tecnologia.
É
no equilíbrio que se encontra a solução para o dilema dos celulares em sala de
aula. Basta lembrarmos que tablets, notebooks e lousas digitais são usados em
sala de aula há um bom tempo, e trouxeram inovação tecnológica para os
ambientes acadêmicos. Não se trata apenas de restringir ou liberar, mas de
criar um ambiente onde a tecnologia seja uma ferramenta e não um obstáculo ao
aprendizado e ao desenvolvimento humano.
E
também, e talvez o mais importante é certificarmos que o uso desses
dispositivos está bem claro e com um propósito muito bem definido. Bem
diferente do uso sem propósito, quando eles passam horas e horas rolando as
telas, passando de uma tela para outra tela, ou jogando, sem sequer se dar
conta do tempo que foi literalmente perdido.
É nosso papel, como educadores formar indivíduos que não apenas dominem as ferramentas tecnológicas, mas que também saibam viver de forma ética, criativa e conectada com os valores universais e humanos. O uso ou proibição de celulares na escola exige uma transformação cultural na maneira como educamos nossas crianças e jovens para lidar com o mundo digital. Afinal, a educação deve sempre priorizar aquilo que nos torna, acima de tudo, seres sociais: nossa capacidade de pensar, sentir e transformar o mundo ao nosso redor.
Ana Claudia Favano - gestora da Escola Internacional de Alphaville. É psicóloga; pedagoga; educadora parental pela Positive Discipline Association/PDA, dos Estados Unidos; e certificada em Strength Coach pela Gallup. Especialista em Psicologia da Moralidade, Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização, Educação Emocional Positiva e Convivência Ética. Dedicada à leitura e interessada por questões morais, éticas, políticas, e mobiliza grande parte de sua energia para contribuir com a formação de gerações comprometidas e responsáveis.
Escola Internacional de Alphaville
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