terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Campanha na Lavagem do Bonfim conscientiza sobre as várias formas de violência sexual

 

Mulheres em situação de rua e crianças e adolescentes são alvos preferenciais em situações de violência sexual

 

Durante a tradicional Lavagem do Bonfim, nesta quinta-feira (16), o Instituto JusEsperança realizará uma das etapas da campanha de conscientização sobre as múltiplas formas de violência sexual contra as mulheres. Na ação, será aplicada uma pesquisa de campo, através da escuta de mulheres no cortejo sobre situações em que estas agressões lhes atingiram; além de explicações (tira-dúvidas) sobre os tipos de violência sexual contra as mulheres, consequências jurídicas, mecanismos de proteção e formas de acesso a serviços para garantia de direitos. 

A iniciativa é coordenada pela advogada, ativista de Direitos Humanos e professora da Universidade do Estado da Bahia, a Prof.ª Dr.ª. Anhamoná Brito, que também capitaneia o JusEsperança. Para Anhamoná, ao interrogar às mulheres – com diferentes marcadores identitários e engajamentos sociais – se vivenciaram alguma situação de violência sexual, a intenção é a de fomentar que revisitem suas experiências, identificando em registros pessoais elementos de abusividade criminosa, muitos vezes assim não percebidos pelas vítimas; ou até mesmo banalizado pelas pessoas do seu convívio e instituições, como as polícias, em posturas de desconsideração dos relatos das mulheres e negativas de registro do boletim de ocorrência. 

Segundo Anhamoná, a campanha também buscará contribuir com uma maior vigilância pessoal e coletiva sobre as várias formas de violência sexual que atingem às mulheres cotidianamente, mas que ganham maior volume e, por vezes, têm suas ocorrências banalizadas nos grandes eventos populares, como a Lavagem do Bonfim. “Estimadamente um milhão de devotos circulam em cortejo até à Colina Sagrada, todos os anos. Neste cenário, explodem ocorrências criminosas como reflexo de uma sociedade machista, fazendo com que a profissão de fé ceda lugar para violências, as quais podem ser encaradas como admissíveis pelo contexto de festa, mas que não o são diante da ausência de consentimento da mulher e/ou das vedações legais, já que algumas práticas não são admissíveis em nenhuma hipótese, como aquelas em que a violência é presumida em razão da idade da vítima, por exemplo.”. 

O estupro é o tipo mais reconhecido como violência sexual, mas existem outras modalidades que, de acordo com a pesquisadora, precisam ser discutidas na esfera da educação em direitos, tanto para que potenciais vítimas possam se defender e buscarem proteção e defesa caso aconteçam; bem como para que os potenciais agressores percebam o caráter criminoso das práticas e revejam suas condutas para não delinquir. “Nos grandes festejos, além da elevação dos casos de estupro, há também o aumento dos casos de importunação sexual, comumente chamada de “assédio”, pontua.  

A Dra. ainda ecxplica que forçar contato íntimo, tocar no corpo da mulher sem consentimento, insistência em “cantadas, xavecos, inclusive de cunho sexualizado ou de baixo calão”, “mostrar as partes íntimas sem o consentimento”, “observar fixamente atos sexuais ou órgãos genitais da mulher quando não deseja ser vista”, “exibição de material pornográfico” são práticas recorrentes, muitas vezes não percebidas como modalidades de violência sexual. 

Por isso, um dos objetivos da campanha é o de as situar na condição de crimes para as mulheres no cortejo, através de uma estratégia de abordagem pedagogicamente estruturada. Além dos tipos referidos, consistem em situações de violência sexual: obrigar a mulher a fazer atos de sexuais que lhe cause desconforto ou repulsa; impedir o uso de métodos contraceptivos; retirar o preservativo durante o ato sexual, sem o consentimento da mulher; forçar a mulher a abortar; forçar matrimônio, gravidez ou prostituição por meio de chantagem, coação, suborno ou manipulação; limitar ou anular o exercício dos direitos sexuais ou reprodutivos das mulheres. 

O Jus Esperança é uma organização de educação em Direitos Humanos que tem entre seus objetivos tornar o direito mais próximo do entendimento e da experiência das pessoas, quebrando barreiras e popularizando conteúdos jurídicos, de modo a contribuir com a justiça social e a emancipação cidadã.

 

Violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres em situação de rua 

De acordo com estudo divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), entre os anos de 2021 a 2023, o Brasil teve 164.199 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. No estudo, identificou-se uma tendência de crescimento dos casos de violência sexual contra este público estratégico, numa média estimada de mais de cinquenta mil agressões por ano investigado. Estes números podem ser bem menores que a realidade já que, além das subnotificações dos casos de violência sexual, os Estados do Acre, Bahia e Pernambuco não apresentaram informações relacionadas aos registros de casos dos três anos referidos pela pesquisa.

 Segundo a professora Anhamoná Brito, os lares são locais inseguros para as meninas (crianças e adolescentes), já que estudos apontam que em 67% das situações de violência sexual contra este público acontece em suas próprias casas, tendo como abusadores, em 85,1% das ocorrências, pessoas que são conhecidas das vítimas, a envolver pais, irmãos, parentes, amigos, vizinhos, dentre outros. 

Em dezembro de 2024, desenvolveu coordenou uma escuta qualificada a mais de cinquenta mulheres em situação ou com trajetória de rua que participaram do I Encontro Nacional de Mulheres em Situação de Rua e suas Diversidades, realizado pelo CIAMP Pop Rua Nacional e pelo Ministério de Direitos Humanos. Nos relatos, que comporão publicação específica sobre o tema, identificou que o cenário de extrema vulnerabilidade potencializa a incidência de casos de violência sexual contra as mulheres em situação de rua; tendo sido quantificado um volume expressivo de estupro por diferentes violadores, às vezes num mesmo dia, onde os principais criminosos referidos foram homens em situação de rua e até mesmo, agentes policiais. 

“Enquanto a cidade celebra, mulheres em situação de rua, crianças e adolescentes enfrentam a invisibilidade e são vítimas potenciais das várias formas de violência sexual. A reversão dessas violências é uma bandeira que precisamos empunhar, enfrentando o debate de frente: educando para a cidadania e garantia de direitos”, alertou a professora Anhamoná.



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