Um amplo estudo conduzido em 17 municípios do Pantanal em
Mato Grosso do Sul e Mato Grosso concluiu que as internações em hospitais da
região de pacientes com doenças respiratórias aumentam de 26% a 34% durante os
meses de seca – julho, agosto e setembro –, quando ocorre a maior parte das
queimadas.
A Dra. Camila Lorenz, que integrou a equipe de
pesquisadores, afirma que o aumento sazonal no Pantanal das doenças do trato
respiratório, como bronquite, asma e pneumonia, decorre da inalação de material
particulado lançado no ar pelas queimadas.
O estudo “Historical association between respiratory
diseases hospitalizations and fire occurrence in the Pantanal wetland, Brazil”
foi publicado nesse ano na revista científica Atmospheric Pollution Research.
Os pesquisadores analisaram a série histórica de dados de
internações de 2003 a 2019 do Sistema de Informações de Agravos de Notificação
(Sinan) do Ministério da Saúde. O levantamento contemplou oito municípios de
Mato Grosso do Sul – Aquidauana, Bodoquena, Corumbá, Coxim, Miranda, Porto
Murtinho, Rio Verde de Mato Grosso e Sonora – e nove de Mato Grosso – Barão de
Melgaço, Cáceres, Itiquira, Juscimeira, Mirassol d’Oeste, Nossa Senhora do
Livramento, Poconé, Rondonópolis e Santo Antônio do Leverger.
Camila Lorenz conta que os pesquisadores analisaram os dados
de internação hospitalar gerais e de dois grupos etários específicos. Entre
idosos com mais de 60 anos, o índice de internação por doenças respiratórias
durante a estação de seca foi três vezes maior do que o índice geral. Entre
crianças com 0 a 5 anos, que ainda não têm o sistema imune inteiramente
formado, o índice foi quatro vezes maior.
Outra conclusão do trabalho, afirma a bióloga, foi que a
elevação nas internações não foi homogênea nem ao longo do tempo nem por
município. Em anos com mais focos de incêndio, o aumento das internações por
doenças respiratórias foi maior do que em anos com menos fogo.
Em termos de distribuição geográfica, o aumento no número de
internações foi mais elevado nos municípios com maior incidência de queimadas.
Corumbá, em Mato Grosso do Sul, que foi o município com mais focos de incêndio
no período estudado, foi também o que apresentou a maior elevação de
internações nos meses de seca.
“Houve anos mais secos e outros mais úmidos. A gente
constatou na série histórica que aqueles meses mais secos, com mais focos de
incêndio, foram justamente aqueles que tiveram mais internações. As queimadas
no Pantanal não são homogêneas. Há áreas específicas que têm mais incêndios e
foi nesses municípios que houve mais internações”, ressalta Camila Lorenz, que
atualmente realiza o pós-doc na Faculdade de Saúde Pública da USP.
Material particulado
A bióloga explica que nos incêndios florestais ocorre a
“combustão incompleta” da biomassa acumulada: capim, árvores e outros tipos de
vegetação. Em uma combustão incompleta, nem toda a biomassa é transformada em
CO2, como ocorre na “combustão completa”. Assim, nos incêndios no Pantanal,
parte da biomassa gera CO2 e outra parte é liberada em forma de material
particulado, que fica suspenso no ar.
Os materiais particulados são de diferentes tamanhos. Os
maiores podem causar nas pessoas sintomas como irritação nos olhos e nas vias
aéreas – nariz, boca e garganta – e falta de ar. Mas é o material particulado
fino, que tem cerca da 2,5 micrômetros de diâmetro, que representa o maior
risco para a saúde.
“O material particulado fino entra pelo trato respiratório
pela laringe e chega aos pulmões. Nos alvéolos, que é onde se faz a troca
gasosa com o sangue, esse material entra na corrente sanguínea e pode ir para
qualquer parte do corpo, cérebro, coração, fígado e rins”, alerta Camila
Lorenz.
A inalação de material particulado fino não ocasiona
sintomas visíveis imediatamente, mas pode desencadear uma série de doenças no
longo prazo, conforme consenso científico estabelecido por uma série de estudos
mundiais.
No sistema respiratório, pode causar inflamação, infecção,
bronquite, asma, pneumonia, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e também
está associado ao desenvolvimento de câncer de pulmão.
A inalação de material particulado fino está relacionada
também a doenças cardiovasculares, principalmente infarto do miocárdio e acidente
vascular cerebral (AVC). Estudos mostram também que esse material pode impactar
o sistema nervoso central, fígado e baço.
O material particulado fino também pode afetar o aparelho
reprodutor e está associado ao nascimento de bebês com alterações, como peso
baixo, segundo a bióloga.
Como mitigar os impactos nocivos da fumaça das queimadas?
“Nossa recomendação é fechar todas as janelas e portas da
casa e evitar atividades ao ar livre, evitar sair ao ar livre. Dentro da casa,
sugerimos colocar baldes com água e panos molhados para umidificar o ar. Se
tiver que sair, use sempre máscara. Aquela máscara N95, muito usada na
pandemia, é mais adequada”, orienta Camila Lorenz.
Plumas de poluição
Os habitantes do Pantanal são os mais afetados pelos
incêndios, mas não os únicos, porque a fumaça se desloca para outros locais,
por vezes muito distantes. São as chamadas plumas de poluição.
No fim de setembro de 2024, a fumaça oriunda dos incêndios
principalmente no Pantanal, Amazônia, Cerrado e regiões da Bolívia alcançou
mais de 80% do território brasileiro, cerca de 7 milhões de quilômetros
quadrados, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A fumaça das queimadas é levada para outras regiões pelos
chamados rios voadores da Amazônia. Esses canais de ar, que geralmente
distribuem umidade para o resto do país, durante a estação seca crescentemente
carregam fumaça.
Em setembro, ao longo do caminho, focos locais de fogo,
notadamente no interior do estado de São Paulo, alimentaram os rios voadores com
ainda mais fumaça. Na região metropolitana de São Paulo, uma área industrial e
com uma frota de veículos imensa, a pluma bloqueou a dispersão dos poluentes e
criou um cenário desolador no fim do mês.
“Se não tem vento, a pluma fica estacionada durante vários
dias. Em setembro, durante uma semana inteira, você olhava para cima e não dava
para ver o céu. Tinha uma névoa estranha”, recorda Camila Lorenz. “Essas plumas
de poluição chegam e ficam estacionadas até ter uma corrente de vento que as
dissipem, ou até ter uma chuva”.
Várias outras cidades brasileiras enfrentaram o mesmo
problema. Em Belo Horizonte, em Minas Gerais, a situação foi agravada por um
período de estiagem de mais de cinco meses. Durante vários dias em setembro, a
pluma de poluição pairou sobre a cidade e um grande número de moradores relatou
episódios de irritação das vias respiratórias e olhos.
“Aqui em São Paulo, o pessoal estava reclamando bastante. E
houve um aumento da procura por atendimento nas unidades básicas de saúde”,
relata Camila Lorenz, que trabalha na Secretaria de Saúde do Estado de São
Paulo.
A bióloga ressalta que a maior preocupação é com o fato de
os milhões de habitantes das grandes cidades brasileiras inalarem cada vez mais
material particulado fino. Os moradores dos grandes centros urbanos já eram
afetados pelo material particulado fino proveniente dos veículos automotores e
indústrias, ao que agora se soma o trazido pelas plumas de poluição.
O início da estação úmida a partir de outubro gradualmente
dissipou a fumaça que cobria quase todo o território nacional. Mas a bióloga
alerta para o fenômeno da chuva ácida, que aconteceu em 2024 em várias
localidades, inclusive na região metropolitana de São Paulo.
A poluição do ar aumenta a concentração de dióxido de
enxofre e óxidos de nitrogênio no ar. Quando a chuva “lava” o ar poluído, esses
componentes reagem com a água, oxigênio e outros compostos químicos e formam os
ácidos sulfúrico e nítrico. O resultado é que água da chuva se torna mais
ácida.
A chuva ácida afeta a fauna e a flora, com prejuízos para a
biodiversidade, e contamina os corpos d’água e o solo, o que resulta em perda
da produtividade agrícola. Nos centros urbanos, a consequência mais visível da
ação da chuva ácida é a corrosão de monumentos feitos de metais, mas esta está
longe de ser a mais grave.
“A chuva ácida é super prejudicial, porque ela carrega
material particulado, inclusive o fino. Quando ela cai, pode haver um aumento
de internações hospitalares, sem falar no risco principal, que é o
desenvolvimento de doenças graves no longo prazo”, alerta a bióloga.
A entrevista com Camila Lorenz e um podcast com a especialista
estão na nova edição da revista O Biólogo (LINK), do Conselho Regional de Biologia da 1ª Região
(CRBio-01), que reúne grandes especialistas brasileiros para discutir a
poluição do ar e seus impactos na saúde e meio ambiente.
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