No Brasil, mais de 700 mil crianças
possuem algum tipo de deficiência; muitos desses casos poderiam ter sido
evitados por meio de estratégias de monitoramento ainda na maternidade
No Brasil, conviver com algum tipo de
deficiência é uma realidade para 18,6 milhões de pessoas. Aproximadamente 4%
deste grupo possuem entre 2 e 9 anos de idade, o que equivale a 741 mil
crianças. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), no módulo Pessoas com Deficiência, da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad Contínua 2022). Segundo especialistas, muitos desses casos
poderiam ser evitados, principalmente em situações relacionadas à gestação,
parto ou cuidado logo após o nascimento.
Entre as situações mais comuns que podem
ocorrer, como o caso de bebês prematuros e cardiopatas, está a asfixia
perinatal, ou encefalopatia hipóxico-isquêmica, condição que pode ocorrer um
pouco antes, durante ou logo após o nascimento e pode comprometer as funções
neurológicas da criança, causar sequelas graves e levar à morte. Conforme a
Organização Mundial da Saúde (OMS), essa é a terceira maior causa de óbitos em
recém-nascidos no mundo. No Brasil, 20 a 30 mil crianças nascem anualmente com
algum problema de oxigenação no cérebro.
Entre as principais sequelas neurológicas
potencialmente evitáveis em recém-nascidos estão: paralisia cerebral, déficits
cognitivos, motores e sensoriais, como cegueira e surdez. É o que afirma o
neonatologista Dr. Gabriel Variane, fundador e presidente da healthtech
Protecting Brains and Saving Futures (PBSF), que busca reduzir a zero o número
de pessoas com deficiências evitáveis no mundo.
“Essas condições podem resultar em desafios
significativos para as famílias, pois exigem cuidados contínuos, terapias
especializadas e um grande impacto na qualidade de vida do indivíduo e seus
familiares. A própria pesquisa da Pnad mostra, por exemplo, a baixa entrada de
jovens com deficiência na faculdade, com menos de 15% do grupo cursando o nível
superior”, comenta o médico.
Prevenção e ação
Uma das estratégias básicas para evitar
situações como essas é o acompanhamento neonatal adequado, além do monitoramento
contínuo do bebê. Há diversos problemas que podem ocorrer entre a gestação e o
parto, por isso, é importante que as equipes de saúde tenham o treinamento
adequado para agir quando necessário. No caso da asfixia perinatal, já existem
tecnologias capazes de detectar, de forma mais rápida e eficaz, situações
clínicas que possam provocar algum risco ao cérebro do recém-nascido.
“Uma das experiências que temos é o sistema de
neuromonitoramento e neuroproteção nas UTIs neonatais. Com ele, conseguimos
detectar crises convulsivas de maneira mais acurada e diagnosticar
antecipadamente outros eventos desfavoráveis. Em alguns casos, situações
críticas podem ser alertadas com horas de antecedência. Uma informação como
essa pode salvar a vida desse paciente”, destaca.
Caso isso ocorra, um dos tratamentos
emergenciais para os recém-nascidos é a hipotermia terapêutica. Esse
procedimento diminui a temperatura corporal do bebê para cerca de 33°C a 34°C,
diminuindo o metabolismo cerebral e os processos inflamatórios. “Estudos
demonstram que, quando essa ação é iniciada até 6 horas o nascimento, existe
redução da mortalidade e melhora dos desfechos neurológicos”, detalha o
especialista.
Outras causas
Além da asfixia perinatal, também podem ocorrer
casos como: hemorragia intraventricular; infecções congênitas ou neonatais
(como citomegalovírus, toxoplasmose e meningite bacteriana); icterícia neonatal
grave (kernicterus); acidente vascular cerebral neonatal; hipoglicemia neonatal
persistente e desordens metabólicas hereditárias, que também podem provocar
deficiências.
O papel do leite materno
Além do monitoramento e o acompanhamento
contínuo, os bebês têm também um grande aliado para a proteção do cérebro: o
leite materno. Indicado como um dos alimentos mais saudáveis e importantes para
o desenvolvimento dos primeiros meses de vida, da mesma forma, possui um papel
relevante na prevenção de sequelas neurológicas.
“O leite materno contém fatores neuroprotetores
que promovem o desenvolvimento cerebral e reduzem as chances de sequelas em
prematuros e recém-nascidos de risco. E quando estão prontos, com maturidade
gastrointestinal e a capacidade de sucção, a amamentação se torna também um
momento de vínculo afetivo entre mãe e filho”, diz o neonatologista.
Brasil no caminho certo
O país tem avançado em caminhos positivos com
estratégias de neuroproteção que beneficiam o Sistema Público de Saúde (SUS),
como o método canguru e o Programa de Reanimação Neonatal, promovido pela
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que capacita milhares de profissionais
para intervirem de forma rápida e eficaz nos primeiros momentos de vida. Dr.
Variane ressalta que essas estratégias são de fundamental importância e que a
medicina irá evoluir ainda mais.
“Complicações dentro da UTI neonatal, como dificuldades respiratórias, problemas cardíacos e afecções do sistema nervoso central, ainda são comuns e podem levar à morte ou sequelas a longo prazo. O desenvolvimento e aplicação de políticas públicas e protocolos bem estruturados são essenciais para proporcionar um cuidado de qualidade que promova a redução dessas taxas”, finaliza.
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