quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Lei de TIC's: como fomentar a inovação?


     1. O que é a Lei de TICs?

A Lei de TICs (Lei 13.969/19) é uma atualização da Lei de Informática (Lei 8.248/91) – que foi criada com o objetivo de estimular a competitividade e a capacitação técnica das empresas brasileiras produtoras de bens de informática, automação e telecomunicações.

Seguindo o mesmo propósito da legislação anterior, a Lei de TICs trata de investimentos em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) para o setor de tecnologias da informação e da comunicação (TIC); do cumprimento do processo produtivo básico (PPB) e da consequente possibilidade de geração de crédito financeiro. Inclusive, esse principal benefício fiscal (créditos financeiros) concedido, decorrente do dispêndio mínimo (4%) aplicado nas atividades de PD&I, poderá ser usado para a compensação de tributos federais.

Há, também, secundários, como a possibilidade de benefícios sobre o recolhimento de ICMS, conforme o estado que a empresa esteja localizada; preferência na participação de licitações governamentais e cadastro diferenciado no programa FINAME, do BNDES.

 

  1. Qual a importância dessa Lei para o crescimento do mercado nacional?

É inegável que a tecnologia ocupa um lugar de destaque em qualquer ramo do negócio. Seja da área de tecnologia, do industrial ou, até mesmo, na educação, toda empresa utiliza recursos do setor de TIC em seu dia a dia e, obviamente, precisa continuar investindo nesses recursos para tornar seu negócio rentável, escalável, ou por fatores internos (produtividade, qualidade do produto e/ou serviço) da própria companhia.

Por isso, ter uma lei que estimule e que conceda incentivos e benefícios fiscais às empresas que desenvolvem produtos do setor de TICs em território brasileiro é fundamental para que elas realmente queiram investir (ou comecem a investir) na industrialização de produtos nacionais, permitindo que o mercado nacional seja mais independente, principalmente, das importações desses produtos.

 

  1. Quais empresas podem recorrer a esses incentivos?

Empresas que produzem e/ou desenvolvem bens de tecnologias da informação e da comunicação; cumprindo o PPB desses produtos e que investem em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação.

 

  1. A quais produtos de tecnologia essa Lei se aplica?

Os produtos “incentiváveis” precisam atender ao que dispõe o art. 16-A da Lei nº 8.248/1991, e devem se relacionar ao Anexo II do Decreto nº 10.356/2020.

Exemplos de produtos incentivados:

CÓDIGO NA NOMENCLATURA COMUM DO MERCOSUL - NCM




8409.91.40


PRODUTO

Injeção eletrônica

84.23


Aparelhos e instrumentos de pesagem, baseados em técnica digital, com capacidade de comunicação com computadores ou outras máquinas digitais

84.43



Impressoras, máquinas copiadoras e telecopiadores (aparelhos de fax), inclusive combinados entre si, exceto os dos códigos 8443.1 e 8443.39, suas partes e seus acessórios


8470.2


Máquinas de calcular programáveis pelo usuário e dotadas de aplicações especializadas

8470.50.1

Caixas registradoras eletrônicas e terminais de ponto de venda, incluídos os terminais de débito e crédito


84.71

Máquinas automáticas para processamento de dados (computadores) e suas unidades, leitores magnéticos ou ópticos, máquinas para registrar dados em suporte sob forma codificada e máquinas para processamento desses dados, não especificadas nem compreendidas em outras posições


8472.90

Máquinas e aparelhos baseados em técnica digital, próprios para aplicações em automação de serviços, exceto o do código 8472.90.40


84.73

Partes e acessórios reconhecíveis como, exclusiva ou principalmente, destinados a máquinas e a aparelhos dos códigos 8470.2, 8470.50.1, 84.71, 8472.90.10, 8472.90.2, 8472.90.30, 8472.90.5 e 8472.90.9, desde que tais máquinas e aparelhos estejam relacionados neste Anexo

Fonte: Anexo II do Decreto nº 10.356/2020.

 

  1. O que é o PPB e qual sua relação com essa Lei?

O Processo Produtivo Básico (PPB) são as etapas fabris mínimas necessárias que as empresas devem cumprir, para que seja caracterizada a efetiva industrialização de determinado produto. Os PPBs são utilizados como uma das contrapartidas ao benefício fiscal da Lei de TICs e, inclusive, há as metas de pontuações específicas, disponibilizadas em cada portaria de PPB vigente, para cada tipo de produto.

A relação desse processo com a lei é que as empresas precisam comprovar que o desenvolvimento de seus produtos cumpre as etapas mínimas de fabricação previstas na legislação brasileira (portarias de PPB), caracterizando-os como produtos nacionais. 

 

  1. Quais são os requisitos para que as empresas se candidatem?

Para utilizar os benefícios da Lei de TICs, a empresa precisa atender a pré-requisitos e a requisitos de longo prazo, que correspondem a:

Pré-requisitos:

  • Produzir itens de TIC que sejam "incentiváveis", portanto, atendam ao que dispõe o art. 16-A da Lei nº 8.248/1991 e estejam relacionados no Anexo II do Decreto nº 10.356/2020;
  • Submeter um pleito de habilitação dos produtos e de solicitação ao crédito financeiro no sistema do órgão que regula o incentivo – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), reconhecendo que esses produtos cumprem o PPB, como bens de TIC;
  • Estar sob regime de apuração no lucro real ou no lucro presumido, desde que seja apresentada a escrituração contábil, nos termos da legislação comercial;
  • Manter regularidade fiscal e tributária em dia;
  • Investir em atividades de PD&I referente ao setor de TIC anualmente e no país (para empresas com faturamento anual superior a R$ 30 milhões, existe a obrigatoriedade de segregar esses investimentos em projetos com ICTs e recolhimento para o FNDCT).

Requisitos de longo prazo:

  • Encaminhar o Relatório Demonstrativo Anual (RDA) sobre o cumprimento das obrigações previstas na legislação vigente – referente ao ano anterior;
  • Encaminhar relatório e parecer conclusivo, feitos por auditorias independentes, relativos ao RDA (apenas para empresas cujo faturamento seja superior a R$10 milhões);
  • Implementar (caso necessário) e manter o Sistema de Qualidade, conforme a ISO 9000;
  • Implementar (caso necessário) e manter o Programa de Participação dos Trabalhadores nos Lucros ou Resultados (PPLR);
  • Enviar uma certificação emitida pelo MCTI para utilizar o crédito financeiro;
  • Registrar na contabilidade, com clareza e exatidão, todos os valores que compõem receitas, custos, despesas e resultados do respectivo período de apuração referente ao faturamento bruto e aos investimentos em PD&I utilizado para o cálculo do incentivo do crédito financeiro gerado, separando-os das demais atividades nos registros contábeis.

 

  1. Ainda, quais os requisitos que precisam permanecer cumprindo para que não percam o acesso a tais benefícios?

Basicamente, são os requisitos de longo prazo, que é o envio de RDA e de parecer conclusivo (para as empresas necessárias) e a implementação do Sistema de Qualidade e de PPLR, caso ainda não estejam ativos, em até 24 meses, contados a partir da data de habilitação da empresa no incentivo.

 

  1. Essa Lei sofreu alguma modificação desde que foi criada? Se sim, qual/quais?

Sim. As primeiras bases da legislação são:

  1. Lei nº 8.248 de 1991, e
  2. Decreto n° 5.906 de 2006.

A partir de 2019 ocorreram as seguintes mudanças:

  • Lei n° 13.969 de 2019: estabelece novas regras e altera a lei anterior (Lei nº 8.248 de 1991);
  • Decreto n° 10.356 de 2020: dispõe sobre a política industrial para o setor de TICs;
  • Portaria nº 1.294 de 2020: regulamenta a apresentação da declaração da emissão do certificado;
  • Instrução Normativa n° 1.953 de 2020: disciplina a compensação dos créditos financeiros;
  • Portaria nº 2.495 de 2020: regulamenta os termos e as condições para a assunção das obrigações de investimento em PD&I;
  • Decreto 10.602 de 2021: modifica partes do Decreto 10.356 de 2020.

 

  1. Quantas empresas já recorreram a esse benefício até o momento?

Segundo os dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, atualmente, há 511 empresas habilitadas.

 

  1. Quais costumam ser os maiores empecilhos em recorrer a essa Lei?

Se a empresa não for capaz de fazer uma gestão eficiente dos requisitos, ela terá muitas dificuldades em manter sua habilitação ativa.

Para ilustrar esses “gargalos”, podemos citar, primeiramente, a questão da complexidade dos pré-requisitos e requisitos de longo prazo exigidos pela legislação, principalmente nos casos de empresas menores, que talvez não possuam um departamento estruturado de controle dos projetos de PD&I, ou de contabilidade.

Ainda em relação aos projetos de PD&I, é necessário que eles estejam alinhados aos objetivos da empresa e às exigências da lei; caso contrário, a empresa pode ser penalizada por apresentar atividades de PD&I não elegíveis à Lei de TICs. Há, também, discussões sobre o uso do PPB e a necessidade de mecanismos complementares para evidenciar, de fato, as estruturas produtivas locais e o nível de nacionalização dos produtos incentivados.

Outro ponto de atenção para as empresas é a gestão assertiva da documentação detalhada que precisa ser enviada anualmente (RDA e parecer conclusivo), para comprovar os investimentos em PD&I, essencialmente. Essa tarefa pode ser trabalhosa e cara, uma vez que os relatórios podem ser auditados pelo MCTI e, nos casos mais graves, a empresa pode ser penalizada com a suspensão, multas e/ou cancelamento da habilitação.

 

  1. Quais vêm sendo as maiores contribuições dessa Lei para o crescimento desse setor no Brasil?

Há um amplo consenso quanto ao papel crucial da Lei de TICs no fortalecimento do ecossistema científico e tecnológico no setor de TIC e inovação digital no Brasil, visto que os investimentos em PD&I não se resumem apenas em pagar menos impostos; há oportunidades estratégicas para que as empresas desenvolvam suas atividades de PD&I e invistam em inovação, fator crucial para qualquer companhia que queira se destacar e ser competitiva, perante tantos avanços tecnológicos.

Além disso, a interação com a academia (ICTs, centros de pesquisa etc.) atrai e fomenta programas de capacitação de recursos humanos, criando condições para que o setor avance para evoluir rumo à base produtiva existente, elevando-a a um novo patamar para estar preparada para atender às demandas e aos desafios do século XXI, especialmente, as ensejadas pelos paradigmas da inovação digital e do desenvolvimento de tecnologias emergentes, que tem sua adoção acelerada pelo surgimento das chamadas Tecnologias 4.0 e suas aplicações; Inteligência Artificial (AI); Internet das Coisas – Internet of Things (IoT) – e à 4ª Revolução Industrial.

 

  1. Quanto já foi concedido em benefício até o momento?

Conforme os dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, foram disponibilizados, entre os anos-base de 2020 a 2023, o total de R$25.944,74 milhões de reais em créditos financeiros para as empresas.

 

  1. Há, de fato, um real aproveitamento pelo mercado desses incentivos?

No passado, com a criação do incentivo fiscal da Lei de Informática, os resultados foram bem positivos com o aprofundamento do processo de substituição das importações no setor de TICs para o real desenvolvimento local, garantindo maior oferta de produtos. O processo de nacionalização de produtos incentivados foi bem caracterizado pela “engenharia reversa” e permitiu uma maior competitividade no mercado brasileiro, reduzindo o abastecimento de tecnologias via importação. A indústria brasileira produzia localmente uma variedade de produtos que era pouco competitiva no mercado internacional. Cabe destacar o papel da Lei de Informática para a globalização.

Nos últimos anos, os estudos e avaliações realizados pelo MCTI mostraram que a Lei de TICs estimulou a expansão do mercado de TIC no Brasil por meio da produção local, mas com limitada adição de valor. As empresas ampliaram sua capacidade de inovação, porém não houve aumento significativo da participação do Brasil nas exportações de bens eletrônicos. Os principais benefícios da lei apontados pelo estudo foram a sustentação das atividades de produção local de equipamentos eletrônicos, assim como estimular atividades de P&D em instituições dedicadas ao desenvolvimento de equipamentos e software.

 

  1. Quais iniciativas devem ser fomentadas ainda mais para difundir a importância dessa Lei para as empresas?

Apesar de a legislação estar em vigor desde a década de 90, percebemos que as empresas ainda apresentam receio e, até mesmo, desconhecimento sobre o assunto. Uma pesquisa feita pela PINTEC, no ano de 2022, sobre o investimento em tecnologias avançadas dentro das empresas, apontou que apenas 26% delas declara ter adotado alguma tecnologia por meio de programas de apoio.

Portanto, entendemos que ainda é preciso criar uma cultura de fomento à inovação por meio das políticas públicas nas empresas, seja por meio do auxílio do governo federal ou de iniciativas da própria rede privada em realizar eventos, formações, workshops e/ou encontros para discutir a importância da implementação do incentivo para o avanço da inovação tecnológica.

Outro ponto de destaque para que as empresas observem a importância da lei é criar um ambiente propício à inovação: seja por meio de parcerias com ICTs, centros de pesquisa, centros de competência, startups etc., com o objetivo de criar projetos de inovação tecnológica para a área de TIC. Essa iniciativa e a metodologia de inovação aberta podem unir as empresas – da mesma área de atuação – no acesso às novas tecnologias, fomentando o desenvolvimento tecnológico em conjunto e estabelecendo negócios e novas rotas comerciais para a produção de TIC em território nacional, gerando, portanto, reais oportunidades de investimento em PD&I e a possibilidade de utilizar a legislação de TIC para continuar esses reinvestimentos de forma estratégica.

 

  1. Quais as expectativas de crescimento de investimento nesta Lei em 2024?

O setor de TIC apresenta, anualmente, um grande avanço e crescimento exponencial. Segundo o Relatório Setorial 2023 Macrossetor de TIC – 2023, o Macrossetor TIC (setor de TIC: TIC, Tecnologia da Informação e Comunicação: Software, Serviços, Nuvem, BPO, Business Consulting, Estatais, Hardware e Exportações; TI In House: Tecnologias Digitais nas empresas com outros objetos sociais e Telecom: Voz, Celular e Dados Telecom e Serviços de Implantação) representa 6,5% do PIB do Brasil, correspondendo a R$710,9 bilhões de reais de produção setorial.

Além disso, esse mesmo relatório revela que o Brasil é o 10º maior em produção de TIC e Telecom no mundo, sendo o único país da América Latina presente no ranking. Por isso, dado esse progresso acelerado no setor, a tendência é que a Lei de TICs também evolua e acompanhe esse desenvolvimento em meio à produção setorial, especialmente pelos benefícios que essa lei gera nas empresas e pelas melhorias que a legislação terá, podendo atrair mais empresas para a utilização do incentivo fiscal.

 

  1. Existem perspectivas ou planos de novas atualizações desta Lei?

Sim. O Projeto de Lei (PL) 13/2020 aguarda apreciação pelo Senado Federal. O objetivo desse PL é atualizar as leis que compõem a base da Lei de Informática e Lei de TICs (Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991 e 13.969, de 26 de dezembro de 2019), além da Lei nº 11.484, de 31 de maio de 2007 e Decreto-Lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967; que visa aperfeiçoar a política industrial para o setor de tecnologias da informação e comunicação e para o setor de semicondutores; adequar o prazo de concessão de incentivos e de estímulo à tecnologia nacional e criar o Programa Brasil Semicondutores (Brasil Semicon).

Em relação às mudanças nas bases da Lei de TICs, temos os seguintes pontos:

Lei 8.248, de 23 de outubro de 1991:

  • As empresas que exercem atividades de desenvolvimento ou produção de bens de TICs façam jus a crédito financeiro decorrente do dispêndio mínimo efetivamente aplicado em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) no setor.
  • A partir de 2029, sejam realizadas avaliações da política, com eventual reorientação de metas e instrumentos (a cada cinco anos), conforme regulamento a ser editado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com implementação de ajustes obedecendo ao prazo mínimo de dois anos.
  • Em casos de necessidade extraordinária, o MCTI poderá prorrogar o prazo dado às empresas para o envio anual do relatório de demonstrativos (RDA) e do parecer conclusivo, além de editar regulamento para priorizar destinações por comitê próprio, conforme regulamento a ser editado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
  • Enquadramento de dispêndios que sejam realizados em obras civis, na aquisição, implantação, ampliação ou modernização de infraestrutura física de laboratórios de pesquisa, desenvolvimento e inovação de ICTs, realizadas e justificadas no âmbito de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, desde que não ultrapassem 20% do total de investimento em ICTs.

Lei 13.969, de 26 de dezembro de 2019:

  • O crédito financeiro será calculado sobre o dispêndio efetivo aplicado pela pessoa jurídica no trimestre anterior em atividade de PD&I, multiplicado da base de cálculo o valor de investimento em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Mínimo (PD&IM) do período de apuração, que em algumas regiões terão novas limitações percentuais.

  

Andressa Melo


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