O tempo é uma invenção. Sabemos disso, mas não
queremos saber, e achamos chato quem fica lembrando o tempo todo que o tempo
não existe. “Como não existe? E essas marcas no rosto, nas mãos, nos braços,
que carrego comigo, são o quê?” Não é o tempo, mas o oxigênio que oxida tudo.
Não é o tempo, mas a gravidade, inflexível, a atrair tudo para próximo dos
corpos com maior massa, alegria e desgraça de vivermos no planeta Terra; não é
o tempo, mas o desgaste pelo uso repetido das peças do nosso corpo, máquina
incrível, mas muito maltratada por nossa ignorância ou preguiça de ler o
interminável manual de orientações sobre o uso correto dos pulmões, coração,
estômago, rins, fígado, pele, cérebro. Não é o tempo, é a existência dos
outros, que ficam aí se expondo para que comparemos, para que nos meçamos por
suas réguas, por suas peles brilhantes e corpos esguios, por sua agilidade e
desenvoltura. Não é o tempo. Mas é.
Chamamos de tempo essas marcas de mudanças. Cada
volta da Terra em torno de si mesma, em torno do Sol. Chamamos de tempo para
não precisar chamar rotação ou translação, porque o tempo não é só um tempo
medido, é também um tempo sentido, algo que nos afeta. A medição é precisa, mas
o sentimento não é preciso. O tempo voa, dizemos. O tempo não passa nunca. O
tempo é cruel. O tempo é fugaz. Esse tempo, o tempo da nossa permanência no
mundo, esse existe, e é nosso companheiro mais genioso e inconstante. Por isso,
precisamos amarrá-lo a certos pontos fixos, para que não nos escape de vez.
Porque, no fundo, precisamos dele, ou pelo menos precisamos desse uso que
fazemos dele, como o traçado de uma seta em uma folha de papel, apontando para
um lado. Quanto maior o tracejado, mais claro para nós que o alvo da seta está
próximo. E o alvo alcançado é o fim do jogo.
O mês de julho é um desses pontos que nos remete a
um cálculo do tempo do jogo que resta. Julho é o meio. Diferente de janeiro,
sempre alegre e promissor, e de dezembro, mais reflexivo e aliviado, julho é o
mês do susto, quando percebemos que já foi metade do ano e ainda não cumprimos
quase nada de nossas promessas de janeiro. E agora, logo, logo, chegará
dezembro e então mais um ano, quando se renova a pergunta angustiante: “Até
quando estarei nesse jogo?”.
Nas escolas, julho é o mês das pequenas férias, uma
espécie de repositório das energias na preparação dos estudantes para a
realização dos planos da vida ou, como diziam os Beatles, aquilo que passa
velozmente enquanto estamos fazendo os tais planos. Pois é curioso o quanto nos
preparamos para a vida enquanto a vida ocorre, pois o tempo não para. Pior é
quando, já adultos e afundados nos afazeres do trabalho e na criação dos
filhos, sonhamos com o momento em que poderemos finalmente parar e aproveitar o
tempo. Apostamos que haverá esse tempo. Aposta perigosa, pois o tempo é
esquivo, fugidio e se ausenta quando mais precisamos dele. Mesmo que não nos
importemos quando ele é abundante, pois estamos preocupados em estarmos prontos
para aproveitá-lo intensamente quando houver tempo para isso. Paradoxo.
Nessa invenção que é o tempo, esse tempo que nos
atravessa, soprando baixinho em nossos ouvidos: “Estou aqui”, esquivamo-nos e
ocupamo-nos febrilmente para olvidá-lo ou adiá-lo para um momento mais
propício. Mas o momento também é o tempo, é uma das formas pelas quais ele se
traveste, como o “Só um segundo, por favor”; o “Qualquer hora dessas a gente se
vê”; o “Pra semana passo aí, sem falta”; o “Nossa, faz mesmo tantos anos assim
desde o nosso último encontro?". Tudo é tempo. E não é.
Até que o tempo, cansado de esperar, vira-nos as
costas. Fecha-se em copas. Some no horizonte, esvanece-se. E os que ficam dizem
de si para si: “Lembram daquele tempo?”. “Ah, aqueles tempos é que eram
bons”.
E o tempo, que vê tudo, porque está em todos os
lugares, ri um riso meio pesaroso: “Ah, se não tivessem desperdiçado aquele mês
de julho preocupados com o que foi e com o que estava por vir…
@profdanielmedeiros
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