Especialista em Direito de Sucessões e Família define juridicamente cada modelo de relação no Brasil
A duração média das uniões maritais no Brasil é de 15 anos, aponta levantamento
do IBGE de 2023. Com uma diversidade de formas de relacionamento ganhando
espaço, como as relações abertas, uniões estáveis, casamentos e até contratos
de namoro, dúvidas surgem quando a questão é segurança jurídica. Luciana Musse,
professora de Direito de Família do Centro Universitário de Brasília (CEUB) e
advogada especialista em Direito de Família e Sucessões, explica os tipos de
relações afetivas e as implicações jurídicas de cada um.
Confira entrevista, na
íntegra:
Qual é a diferença
legal entre um namoro comum e um namoro qualificado?
LM: Não há, atualmente, norma
jurídica voltada ao regramento do namoro ou do namoro qualificado. O namoro é
considerado uma relação social, apenas, portanto não está submetida a regras
jurídicas. O que temos sobre o namoro qualificado é resultado de construção
teórico-doutrinária e jurisprudencial, a partir de casos concretos levados à
apreciação de advogados e do Poder Judiciário, com o objetivo de discutir se o
relacionamento em questão gerou ou não consequências patrimoniais.
Quais critérios definem
quando um relacionamento passa de um namoro comum para um namoro qualificado?
LM: A maior fluidez no modo de
viver e se relacionar afetivamente dificulta um enquadramento rígido que
permita diferenciar um namoro de um namoro qualificado, especialmente se os
enamorados já forem pessoas adultas, independentes financeiramente e com casas
próprias, o que permite, por exemplo, que passem dias, semanas juntos ou até
mesmo que residam juntos. De modo simples, ambos os relacionamentos exigem um
envolvimento afetivo entre o casal.
Todavia, em um namoro, há
maior flexibilidade, o par pode ou não manter relações sexuais, viajar juntos
ou não. E não há o propósito da relação evoluir para a formação de uma família.
Já no namoro qualificado – que deve ter publicidade, continuidade e
durabilidade – o casal pode, inclusive, coabitar, mas a relação não é tida como
uma família, pelo casal e nem pela sociedade. Assim, o namoro qualificado não
gera efeitos patrimoniais, como a partilha de bens conquistados
individualmente, por cada um ou por ambos, durante o relacionamento.
Quais características
distinguem um namoro qualificado de uma união estável?
LM: O critério distintivo por
excelência entre o namoro qualificado e a união estável é a intenção ou não de
o par amoroso formar uma família. A figura do “namoro qualificado” resulta de
um esforço interpretativo e criativo de um Ministro do Superior Tribunal de
Justiça, que, diante da necessidade de identificar o tipo de relação mantida
por um casal que morava junto, quando da compra de um apartamento que estavam
disputando, para decidir se se tratava ou não de uma união estável, denominou–a
“namoro qualificado”.
A diferença entre um e outro
tipo de relacionamento é que, apesar de ambos serem relacionamentos públicos,
contínuos e duradouros, a união estável já é uma espécie família e o namoro
qualificado pode ou não se tornar uma família, no futuro. Por ser uma espécie
de família, o patrimônio dos conviventes é submetido às regras de um regime de
bens, escolhido pelo casal ou determinado pela lei, caso não haja uma escritura
pública ou um pacto convivencial, quando da partilha ou divisão, se a relação se
dissolver.
Existe alguma forma de
proteção legal ou contratual para casais em um namoro, caso eles queiram evitar
conflitos futuros?
LM: Há o contrato de namoro,
impulsionado nos últimos anos pela pandemia e pela vida afetiva de pessoas
maduras e com patrimônio a proteger contra eventuais oportunismos ou
desdobramentos jurídicos e econômicos decorrentes de um relacionamento rápido e
mal sucedido. Esse contrato objetiva deixar registrado que o casal apenas
namora e assim evitar questionamentos ou servir de prova em conflitos judiciais
em torno da divisão do patrimônio, em caso de ruptura ou falecimento. O
contrato de namoro poderá, ainda, conter regras patrimoniais, na hipótese de o
namoro se transformar em uma união estável.
Como é feita a
comprovação da união estável em situações de disputa jurídica?
LM: Se o casal não firmou um
contrato ou escritura pública de união estável, o início e o fim dela poderão
ser comprovados por intermédio de diferentes provas, como: mensagens nas redes
sociais, e-mails e bilhetes manuscritos que denotam afetividade, fidelidade e
compromisso de vida em comum; testemunhas, certidão de nascimento de filho
comum; fotografias do casal; contas no mesmo endereço; participação no “grupo
da família” do WhatsApp; comprovação de que haja dependência no imposto de
renda; contas bancárias conjuntas; apólice de seguro em que o interessado seja
listado como beneficiário.
Quais direitos
patrimoniais os parceiros em uma união estável possuem em comparação aos
parceiros casados?
LM: Os direitos patrimoniais
são os mesmos. Se a união estável for formalizada por uma escritura pública ou
os noivos fizerem um pacto antenupcial, poderão escolher o regime de bens
(comunhão ou separação total de bens, participação final nos aquestos ou a
combinação de regimes que melhor atenda os interesses do casal). Caso não
escolham o regime de bens, aplica-se o regime legal, que é o de comunhão
parcial de bens, que, em síntese, garante que os bens adquiridos antes do
casamento ou da união estável são bens apenas de quem o adquiriu e os
conquistados durante a relação, com contrapartida financeira, são, por
presunção de que houve contribuição de ambos, deverão ser partilhados na
proporção de 50% para cada um.
Pode a união estável
ser reconhecida retroativamente? Quais são os efeitos disso?
LM: Pode e até mesmo post mortem, em inventário, o que tem reflexos patrimoniais.
Em que casos a conversão de uma união estável em casamento pode ser vantajosa juridicamente?
LM: A decisão de formalizar uma união estável por intermédio da sua conversão em casamento pode trazer maior segurança pessoal e jurídica para os envolvidos, pois, os critérios legais para a configuração de uma união estável são imprecisos, o que pode levar a diferentes interpretações. Temos, ainda, os aspectos pessoais e emocionais, além do impacto na proteção patrimonial dos envolvidos.
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