Com mais de 20 anos de experiência profissional, já tive a oportunidade de trabalhar nas regiões da Paulista, Faria Lima, Pinheiros, Berrini, Alphaville. Há cerca de um mês no Centro, afirmo sem qualquer sombra de dúvida: aqui é o lugar de São Paulo mais vibrante e estimulante em que já trabalhei!
Posso dizer que sou
frequentador do Centro de São Paulo pelo menos desde a adolescência, quando
costumava vadiar com os amigos na Galeria do Rock à tarde após as
aulas.
O tempo passou e a região nunca
deixou de exercer em mim certo fascínio, uma espécie de atração. Algumas das
primeiras fotos com a minha esposa, de mais de 10 anos atrás, são no terraço do
centenário Prédio Martinelli. Uma das minhas livrarias
preferidas, a Megafauna, fica no térreo do icônico Copan. Algumas das vistas panorâmicas mais
interessantes da cidade, na minha opinião, estão na cobertura de
edifícios como o Itália, o Esther e o Farol Santander.
Até pouco tempo atrás, bastava
um tempo livre para eu tentar dar um jeito de encaixar uma visita ao Centro,
fosse para almoçar, ver uma exposição, tomar um café, comprar livros ou para
simplesmente caminhar à toa, me perdendo pelas vias estreitas e observando seus
belos prédios antigos.
Uma coisa, porém, é visitar
esporadicamente a região. Outra completamente diferente é vivenciá-la no
dia-a-dia. Agora, pela primeira vez em mais de 20 anos de mercado de trabalho,
estou finalmente tendo a oportunidade de vir todos os dias para o Centro, o que
tem sido uma experiência realmente incrível.
A começar pela facilidade de se
chegar aqui: da Estação Barra Funda, posso seguir pela Linha 3-Vermelha do
Metrô até a Sé, fazer baldeação para a Linha 1-Azul, sentido Tucuruvi, descer
na Estação São Bento e sair de cara para o meu trabalho. Se estou com tempo,
posso descer na Estação República ou na Anhangabaú, da própria Linha
3-Vermelha, e caminhar um pouco, curtindo o amanhecer da cidade ali no Viaduto
do Chá.
Em um prédio antigo, tenho o
privilégio de trabalhar com as enormes janelas abertas, que me dão ventilação e
iluminação naturais, além de uma linda vista da Avenida São João, ali no trecho
em que ela cruza com o Vale do Anhangabaú, com o belo prédio do Palácio dos
Correios ao fundo. Tão diferente da monotonia e do ambiente artificial dos
edifícios espelhados e isolados predominantes em outras regiões empresariais da
cidade...
É verdade que, vez ou outra,
posso perder a concentração por causa de algum barulho vindo da rua, uma obra,
um grito, uma sirene. Outras tantas vezes, porém, minhas tardes foram embaladas
por músicos ali na Praça Antônio Prado a tocar jazz, Beatles e outros clássicos
do rock. Sem falar na satisfação de ouvir o bater dos sinos do Mosteiro de São
Bento todo dia pela manhã.
Na hora do almoço, as ruas são
completamente tomadas pelas pessoas; e opções não faltam. Para além dos
inúmeros restaurantes no térreo dos prédios, há as pequenas portas que levam a
inesperados salões no subsolo, restaurantes no primeiro ou segundo andar de
prédios históricos, ou mesmo em andares mais altos, que se abrem para terraços
com vistas surpreendentes da cidade.
Há variedade e preço para todos
os bolsos e gostos, do sofisticado Esther Rooftop, ao qual fui num almoço
comemorativo, ao tradicional balcão da Leiteria Ita, no qual devoro um
contrafilé com fritas pelo menos uma vez por semana. De quebra, ainda é
possível aproveitar o horário do almoço para passear pela Galeria do Rock,
visitar o Sesc 24 de Maio, a 25 de Março, uma das famosas ruas temáticas ou
curtir alguma das muitas atividades culturais da região – neste meu primeiro
mês, por exemplo, visitei as ótimas exposições “Arte Subdesenvolvida” (Centro
Cultura Banco do Brasil, gratuita, até 05 de agosto) e “Corpo-Casa: Diálogos
entre Carolee Schneemann, Diego Bianchi e Márcia Falcão” (Espaço Pivô,
gratuita, até 07 de julho).Instalação “Sonhos de Refrigerador (Aleluia Século 2000)” na exposição
“Arte Subdesenvolvida”, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil
até 05 de agosto (Foto: Vitor França)
Todo dia é possível fazer uma
nova descoberta: um novo prédio, um novo café, um novo restaurante, uma nova
exposição. Acho incrível como, mesmo andando todo dia por aqui, ainda consigo
me perder, para logo me encontrar a partir do reconhecimento de alguma esquina,
de algum edifício mais alto. Esse aspecto labiríntico do Centro, com seus
prédios históricos geminados, as passagens pelas galerias, suas diferentes
luzes quando anoitece, sempre dá à região um delicioso ar de magia e mistério.
É verdade também que ainda há
muitos moradores de rua e dezenas de estabelecimentos fechados e placas de
“aluga-se” – um caso triste e bem recente foi o fechamento do tradicional Café
Girondino na rua Boa Vista. Observando o movimento diário das ruas, contudo,
tenho muita dificuldade de atribuir o fechamento de estabelecimentos comerciais
a uma suposta crise, decadência ou falta de vida no Centro, conforme tentam nos
convencer algumas narrativas correntes.
A região, sempre cheia de gente,
na verdade parece estar passando por uma fase de transição, reforçando ou
encontrando novas vocações para além do comércio popular.
Certos segmentos do varejo
físico, em particular, – e não somente no Centro –vêm sofrendo cada vez mais
com a concorrência do comércio eletrônico, o que, somado às restrições impostas
pela pandemia e aos problemas de violência do passado recente, parece estar por
trás do fechamento de muitas lojas.
Por outro lado, não há como
negar o crescente interesse da população por experiências gastronômicas ou
culturais na região central – basta ver o sucesso da Casa de Francisca, das
festas no terraço do Martinelli ou a nova ocupação da galeria Metrópole com
empresas da economia criativa. Melhorias urbanas, incentivos fiscais e intensificação
das medidas de segurança têm contribuído bastante para isso. Os projetos de
retrofit e o aumento da oferta de moradia, por sua vez, devem trazer ainda mais
vida e movimento para a região.
Em mais de 20 anos no mercado
de trabalho público e privado, vi de perto a preocupação de muitas grandes
empresas em criar ambientes estimulantes para a inovação e criatividade de seus
colaboradores. Para isto, muitas dessas empresas se instalaram em locais
isolados, longe da rua e da vida urbana, construindo espaços que
proporcionassem internamente tudo de que os colaboradores supostamente
precisariam, de alimentação e salão de beleza a entretenimento e academia de
ginástica.
Mais do que ambientes internos
supostamente descontraídos e oferta de serviços, contudo, nada me parece mais
estimulante do que a proximidade com ruas vivas, prédios históricos, boa
arquitetura, diversidade, uma grande oferta de opções gastronômicas e
culturais. A facilidade de acesso e as vias cheias de gente também são um
importante diferencial, já que possibilitam não apenas menos tempo perdido no
trânsito, mas também encontros mais frequentes, planejados ou ao acaso, com
amigos e antigos colegas de trabalho.
“Afinal, a cidade é formada por
pessoas; quão mais criativas elas forem e quão mais interconectada estiver essa
criatividade, mais criativa será a cidade. Quão mais criativo for o ambiente da
cidade, mais o talento de cada habitante e profissional será estimulado. Quão
mais pujante for a economia criativa, mais inspiradora e instigante se tornará
a cidade”, escreve a Doutora em Urbanismo Ana Carla Fonseca Reis em seu livro
“Cidades Criativas”.
Pois nesses mais de 20 anos de
experiência profissional, já tive a oportunidade de trabalhar nas regiões da
Paulista, Faria Lima, Pinheiros Berrini, Alphaville. Nenhuma delas, contudo,
oferece um cenário tão interessante, instigante e fascinante quanto a região
central. Há cerca de um mês aqui, afirmo sem qualquer sombra de dúvida: o
Centro é o lugar de São Paulo mais vibrante e estimulante em que já trabalhei!
Vitor França
Economista pela FEA-USP e mestre em economia pela FGV-SP
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