Novo grupo de pesquisa estudará os vírus hospedados nos animais da região da Mata Atlântica para investigar risco de doenças infecciosas emergentes.
Um novo grupo de pesquisa está sendo formado no Institut Pasteur de São Paulo (IPSP), com sede na Cidade Universitária, na capital paulista, para investigar os grupos virais presentes nos morcegos que habitam diferentes porções de Mata Atlântica no Estado, em ambientes urbanos e rurais. A ideia é fazer uma vigilância ativa nesses mamíferos voadores, para conhecer a diversidade dos vírus encontrados e a sua evolução, além de identificar e monitorar patógenos capazes de infectar humanos.
O projeto, com previsão para durar quatro anos, será realizado no âmbito da modalidade de auxílio à pesquisa a jovens pesquisadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), dentro de um acordo entre a agência paulista, a Universidade de São Paulo (USP) e duplo financiamento do Institut Pasteur de Paris. “É um estudo investigativo, de vigilância, que também possibilitará o maior entendimento da eco-epidemiologia de um determinado grupo viral, de como esse grupo viral evolui, qual a diversidade dele no bioma brasileiro e qual seria o potencial zoonótico e de emergência desse agente”, afirma o biólogo Luiz Gustavo Góes, coordenador do grupo no IPSP.
De acordo com o pesquisador, diversos estudos indicam que o Brasil está entre as regiões do globo com o maior potencial de surgimento de uma doença emergente. “Não apenas pela nossa densidade populacional, mas pela diversidade de animais e pelas pressões antropogênicas, como desmatamento e queimadas. Tudo isso tem influência no surgimento de doenças emergentes”, diz Góes.
Considerada um dos hotspots da biodiversidade brasileira, a Mata Atlântica abriga 117 espécies de morcegos – tidos como um importante reservatório de agentes possivelmente patogênicos – e tem os principais centros urbanos do país inseridos nela, como São Paulo e Rio de Janeiro. Além disso, há uma agricultura e uma pecuária intensiva nas proximidades.
O grupo planeja coletar morcegos em diferentes áreas florestais do município de São Paulo, além de áreas mais afastadas das cidades, próximas a fazendas e áreas de cultivo de cana-de-açúcar. Também contará com colaborações dos centros de controle de zoonoses da cidade de São Paulo, que recebe morcegos de diferentes municípios para o diagnóstico da raiva.
“Uma vez que, para realizar o diagnóstico de raiva, é preciso matar o animal a fim de extrair o conteúdo do cérebro dele e em geral a carcaça inteira que sobra é descartada, pensamos em fazer colaborações com esses centros para obter os outros órgãos, como intestino, pulmão, rins, baço, fígado”, explica Góes. “Cada grupo viral tem tropismo [propensão de infecção em um determinado tipo de célula ou tecido] em um órgão diferente; nem sempre se conhece qual é o órgão. Como estamos procurando vírus novos, eles podem ter um tropismo diferente.” Os coronavírus, por exemplo, têm um tropismo entérico e são transmitidos pelas fezes. Então o melhor tecido para investigar coronavírus é o do intestino do morcego. Já os hantavírus têm um histórico de infectar pulmão e rim dos animais.
“A ideia é não apenas identificar agentes novos, mas também entender como é a biologia desses agentes: qual o tecido em que estão mais concentrados, onde se replicam e como evoluem”, diz o pesquisador. Os morcegos capturados pelo grupo em áreas florestais conservadas ou em áreas urbanas não serão sacrificados. Serão realizadas coletas com swabs oral e retal. Já a carcaça proveniente de mamíferos mortos será dissecada para a análise dos diferentes tipos de tecidos.
Após
isolar o DNA e o RNA do material, o grupo fará buscas específicas de vírus por
técnicas de biologia molecular usando testes de PCR, por exemplo. Uma vez feito
o sequenciamento genético do fragmento, será realizada análises filogenéticas
preliminares, a fim de ver se a sequência viral se parece com algo já descrito
na literatura. Com isso, os pesquisadores têm ideia se o material possui
sequencias virais, qual o grupo e, mais especificamente, se os vírus
encontrados têm alguma relação genética com vírus emergentes já reconhecidos.
Quando
os cientistas considerarem a pré-análise relevante, eles farão o sequenciamento
completo do genoma viral da amostra por NGS, de Next Generation Sequencing.
“Assim, conseguiremos fazer uma análise evolutiva, considerando os diferentes
genes e os dados já disponíveis no banco mundial de dados genéticos. É um vírus
novo ou não é? E, posteriormente a isso, tentaremos isolar o vírus usando
diferentes linhagens celulares convencionais”, detalha Góes.
Caso
as linhagens celulares já conhecidas não forem suficientes para o isolamento em
laboratório, o grupo pretende criar linhagens celulares específicas para isso.
“Com o vírus isolado, podemos trabalhar para identificar o receptor celular
usado por ele e traçar uma primeira análise para ver se tem potencial de
infectar outras espécies de animais, incluindo o homem, avaliando assim seu
potencial zoonótico”.
Com o foco em epidemiologia viral e evolução de vírus emergentes, não é a primeira vez que Góes investigará os morcegos brasileiros. Ele conduziu e participou de diferentes estudos relacionados com a identificação de diversos vírus com potencial de infectar humanos, como coronavírus e influenza. Mais recentemente teve um artigo publicado em dezembro de 2022 na revista científica Emerging Infectious Diseases, durante a realização de um pós-doutorado no Instituto de Virologia na Charité-Universitätsmedizin, em Berlim, na Alemanha.
Nessa
instituição, Góes e colegas detectaram RNA de arenavírus em 1,6% de 1.047
morcegos investigados no Sudeste do Brasil entre 2007 e 2011. Os resultados dos
estudos sugeriam que esses animais são um reservatório subestimado de
arenavírus, que podem causar uma grave síndrome febril hemorrágica em humanos.
O artigo “Highly Diverse Arenaviruses in Neotropical Bats, Brazil” pode ser
lido neste Link.
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