Anualmente, 400 milhões de toneladas de produtos de plástico são produzidas foto: Pete Linforth/Pixabay |
Um
estudo famoso publicado na revista Science mostrou
que, até 2015, cerca de 6,3 bilhões de toneladas de polímeros plásticos haviam
sido produzidos e descartados ao longo da história humana. Destes, apenas 9%
foram reciclados e 12%, incinerados. Os 79% restantes foram acumulados em
aterros sanitários ou em ambientes continentais, dos quais aproximadamente 10%
alcançaram ambientes marinhos ou costeiros.
Os dados são de
oito anos atrás. E, embora alguns países tenham anunciado políticas de
“plástico zero”, a situação está certamente muito pior agora, por efeito
cumulativo, uma vez que a produção anual é de 400 milhões de toneladas. Em
consequência, a contaminação por microplásticos tornou-se, depois da crise
climática, um dos maiores problemas ambientais do planeta. Há microplásticos em
todos os lugares: na terra, no mar e no ar. Como afirma o pesquisador Ítalo Castro,
professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo
(IMar-Unifesp), “a gente só não encontra microplásticos onde não procura”. No
corpo humano, eles já foram detectados no sangue, nos pulmões, no coração e na
placenta.
O agravante é que
aquilo que deveria ser uma solução muitas vezes constitui um problema a mais. É
o que mostra uma investigação coordenada por Castro.
Pesquisadores do
Instituto do Mar visitaram 40 supermercados do Brasil e analisaram os produtos
supostamente feitos com plásticos biodegradáveis expostos à venda. Os
estabelecimentos foram escolhidos entre grandes redes que atuam nos Estados de
São Paulo e Rio de Janeiro. E um total de 49 produtos diferentes, incluindo
sacolas, copos, pratos, talheres e outros utensílios de cozinha, foram
encontrados. Esses itens eram, em média, 125% mais caros do que similares
feitos de plásticos convencionais. A grande surpresa foi verificar que nenhum
deles, mesmo os de grandes marcas, atendia aos requisitos mínimos para serem
considerados de fato biodegradáveis.
O estudo teve como
primeira autora a doutoranda Beatriz Barbosa Moreno, bolsista da
FAPESP sob a orientação de Castro. Os resultados foram publicados no
periódico Sustainable Production and Consumption.
“Para ser considerado
biodegradável, um produto, quando descartado no meio ambiente, deve-se
converter em água [H2O], gás carbônico [CO2], metano [CH4] e biomassa em um
intervalo de tempo relativamente curto. Não há consenso sobre que intervalo de
tempo é esse. Mas a ideia geral é que varie de algumas semanas a um ano. Nenhum
dos 49 itens que investigamos atendeu a esse requisito”, diz Castro.
Segundo o
pesquisador, mais de 90% deles eram feitos com uma classe de materiais que se
convencionou chamar de oxodegradáveis. Apesar do nome, esses materiais não
sofrem degradação em condições ambientais normais. São polímeros de origem
fóssil aditivados com sais metálicos. Os sais aceleram o processo de oxidação e
fragmentação. Mas os fragmentos podem permanecer por décadas na natureza. Além
de não contribuir para a degradação, a fragmentação acelera a formação de
microplásticos.
“Os plásticos
oxodegradáveis já foram proibidos em vários locais do mundo, incluindo a União
Europeia. Na maioria dos casos, as proibições ocorreram pela falta de
evidências de biodegradabilidade em ambientes reais, associada ao risco de
formação de microplásticos”, informa Castro.
Regulação
Como os plásticos
oxodegradáveis ainda não são proibidos no Brasil, sua venda não constitui
crime. No entanto, além da denominação capciosa, os consumidores são enganados
pela alegação de muitas empresas de que seus produtos foram aprovados por
normas técnicas e testes de biodegradabilidade, como ASTM D6954-4 ou SPCR 141.
“Essas normas fornecem apenas um guia para comparar taxas de degradação e
alterações de propriedades físicas sob condições controladas de laboratório,
não avaliando as etapas finais da degradação. Aliás, nas páginas web das
próprias normas, há advertências para que não sejam usadas em certificações de
biodegradabilidade de produtos plásticos comerciais”, argumenta Castro.
O pesquisador
ressalta que a comercialização de um produto que não entrega o prometido, do
ponto de vista ambiental, pode ser enquadrada como prática de greenwashing,
termo em inglês que indica falsas alegações ambientais em produtos comerciais.
“Quando um produto
reconhecidamente prejudicial para o meio ambiente passa a ser maciçamente
usado, é necessário que ações de Estado sejam implementadas. Nesse sentido,
tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 2524/2022 que,
entre outras providências, veda o uso de aditivos oxidegradantes ou
pró-oxidantes em resinas termoplásticas, assim como a fabricação, a importação
e a comercialização de quaisquer embalagens e produtos feitos de plásticos
oxidegradáveis”, informa Castro.
Caso aprovado no
seu formato atual, diz o pesquisador, o PL 2524/2022 poderá contribuir para a
transição do Brasil rumo a uma economia circular do plástico. “Essa transição é
uma necessidade urgente”, enfatiza Castro. E prossegue: “O Instituto do Mar
está localizado em Santos, no litoral paulista. Em Santos, detectamos
microplásticos acumulados em ostras [Crassostrea brasiliana] e mexilhões
[Perna perna]. Esses animais são filtradores da água do mar. Por isso,
considerados o padrão-ouro para avaliação das condições do ambiente em que se
encontram. Os valores que detectamos estão entre os maiores do mundo quando
comparados a outros 40 estudos semelhantes”, conta (leia mais em: agencia.fapesp.br/41673).
Procurado pela
reportagem, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) afirmou em
nota que apoia o PL 2524/22, mas com algumas alterações. “O ministério é
favorável à proibição de aditivos oxidegradantes/pró-oxidantes, baseando-se em
estudos que comprovam a geração de microplásticos na fragmentação de plásticos
com tais aditivos – o que causa dano ambiental, particularmente para ambientes
marítimos”, sublinhou o texto.
Já a Associação
Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) informou, também em nota, ser
favorável à proibição da utilização do aditivo oxidegradável em produtos
plásticos. Contudo, a entidade se coloca contrária ao PL 2524/2022, que, em sua
avaliação, “confunde economia circular com banimento de produtos plásticos,
direcionando o objeto da lei apenas a um único material”. O texto diz ainda que
“a economia circular implica uma mudança sistêmica, portanto, exige uma
abordagem macro, envolvendo todos os setores da indústria. Enquanto isso, outro
PL, o 1874/2022 [que
institui a Política Nacional de Economia Circular], traz disposições
importantes, como a gestão estratégica dos recursos, a promoção de novos
modelos de negócio, os investimentos em atividades de pesquisa e inovação e o
apoio à transição para o uso de tecnologias de baixo carbono por meio da
criação de condições atrativas para investimento público e privado, entre
outros aspectos”.
“A Abiplast
acredita no debate sério e preciso, com informações científicas, para que se
possa promover um diálogo propositivo sobre a correta utilização do plástico e
todos os benefícios que o material trouxe e traz para a sociedade. O setor
plástico tem sido protagonista em ações para promover a economia circular do
material, investindo em tecnologia, sustentabilidade e inovação”, afirmou a
entidade.
O artigo High
incidence of false biodegradability claims related to single-use plastic
utensils sold in Brazil pode ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S235255092300180X?via%3Dihub.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/produtos-feitos-de-falso-plastico-biodegradavel-sao-vendidos-em-supermercados-do-pais/44949
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