quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Paternidade no século 21: como o aquecimento global, o meio ambiente e os hábitos de vida podem afetar a fertilidade masculina


No segundo domingo de agosto comemora-se o Dia dos Pais. Originalmente, o dia 16 de agosto de 1953 foi escolhido pelo publicitário Silvio Bhering para coincidir com o Dia de São Joaquim, pai de Maria e avô de Jesus. De lá para cá, o conceito de paternidade evoluiu assim como o conhecimento científico no campo da fertilidade masculina. Por outro lado, as mudanças no meio ambiente aliadas à poluição, aquecimento global e aos maus hábitos da vida moderna produzem efeitos deletérios sobre a fertilidade masculina. Tal fenômeno pode ser explicado pela crescente exposição ao meio ambiente poluído, às toxinas encontradas na água, nos alimentos e no ar que respiramos associados às mudanças culturais que resultam no adiamento da formação de famílias e paternidade tardia.

As questões reprodutivas masculinas vêm ganhando destaque nas publicações e congressos da área e foi tema da palestra de abertura do Congresso Europeu de Reprodução Humana em junho, realizado em Copenhagen. Dados de estudos em animais e em humanos indicam fortemente que a obesidade e as consequentes alterações metabólicas afetam as várias etapas fundamentais no processo reprodutivo, tais como a síntese de hormônios e o desenvolvimento dos espermatozoides. A presença de diabetes, doença metabólica crônica associada à obesidade que deve afetar 328 milhões de homens em 2040, também tem efeitos maléficos sobre a fertilidade. Aparentemente, os distúrbios metabólicos, hormonais e inflamatórios associados à diabetes contribuem para a redução da fertilidade nesses homens.

Outro fator relevante parece ser a exposição masculina a toxinas e produtos farmacêuticos, drogas, armas químicas e radiações ionizantes assim como o consumo de alimentos ultra processados, tabagismo e situações de trauma e estresse que podem impactar no desenvolvimento fetal. O período que compreende os 100 dias antes da concepção até os 1000 dias seguintes é vital para definir o estado geral do futuro bebê, ressaltando a importância da saúde e da idade dos pais nesse momento. Um achado preocupante nesses estudos foi o efeito da obesidade paterna sobre o desenvolvimento do cérebro fetal assim como na programação metabólica e o comportamento do futuro indivíduo. Tal efeito seria resultado das modificações que a obesidade induziria nos espermatozoides. A boa notícia é que a perda de peso induzida por adoção de dieta saudável foi associada a uma melhora na concentração e contagem de espermatozoides, que perdurou após um ano em homens que mantiveram a forma física.

Dados da Organização Mundial de Saúde mostram que a infertilidade afeta uma em cada seis pessoas no mundo. No caso, a masculina pode estar presente em 30% a 40% dos casos de infertilidade em casais. Estima-se que cerca de 30 milhões de homens no mundo vivem com o problema e, na América do Sul, cerca de 52% dos casos de infertilidade estão associados a causas masculinas.

Pesquisas recentes apontam o possível papel do aquecimento global na redução da fertilidade no homem. As evidências revelam que a vida humana próxima de limites térmicos críticos tem efeitos diversos sobre vários aspectos da saúde reprodutiva e aparentemente o estresse por calor e inalação de fumaça pode, por sua vez, afetar negativamente óvulos e espermatozoides e até comprometer o funcionamento da placenta, por exemplo.

A idade paterna é outro fator que deve ser levado em consideração. Acreditava-se que os homens mantinham sua capacidade reprodutiva até idades avançadas. Porém novas pesquisas revelam uma possível correlação direta entre idade do homem e a diminuição da qualidade do esperma e função testicular. A paternidade tardia estaria associada à redução das taxas de gravidez e de bebês nascidos, aumento das chances de aborto espontâneo e parto prematuro, além do desenvolvimento de várias doenças como autismo, esquizofrenia e leucemia.

Os resultados dos estudos disponíveis devem ser interpretados com cautela, mas servem de alerta para estabelecer protocolos de cuidados para a saúde dos futuros papais, muitas vezes deixada de lado. Os avanços científicos da Medicina Reprodutiva abriram inúmeras oportunidades de paternidade não só para os casos de infertilidade masculina, mas também para casais homoafetivos, bem como para solteiros através do uso da doação de óvulos e até do útero de substituição (“barriga de aluguel”). Nesse contexto, a avaliação de profissional médico especializado é fundamental.

Fica claro que o meio ambiente e os hábitos de vida são fatores cruciais na fertilidade masculina e devem ser incluídos no planejamento de todos que pensam em construir suas famílias. Embora os avanços nas técnicas de reprodução assistida como a fertilização in vitro (“bebê de proveta”) sejam capazes de tratar eficazmente a maioria dos casos de infertilidade masculina, o cuidado com a saúde paterna, principalmente no período periconcepcional é indispensável e não pode ficar relegado a segundo plano. A paternidade moderna responsável requer mudanças pessoais profundas que incluem adoção de estilo de vida saudável associada ao planejamento reprodutivo.

 

Márcia Mendonça Carneiro - Diretora Científica da Clínica ORIGEN. Professora Titular Departamento de Ginecologia e Obstetrícia Faculdade de Medicina - UFMG


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