Atuação acontece
em parceria com órgão de saúde indígena do Ministério da Saúde
A organização humanitária
internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) está dando apoio ao trabalho de
assistência à população da Terra Indígena Yanomami (TIY). As ações de MSF
ocorrem em parceria com a SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena), do
Ministério da Saúde, e estão focadas no combate à malária na região de Auaris,
no noroeste de Roraima.
A doença é
endêmica na região e representa um grave problema de saúde que atinge adultos e
crianças. Em função da incidência elevada, uma estratégia de busca ativa de
casos foi adotada na região por MSF e pelo DSEI-Yanomami (Distrito Sanitário
Especial Indígena), divisão do sistema de saúde pública indígena dedicado ao
atendimento no território Yanomami. Diariamente, as equipes percorrem longas
distâncias para chegar às comunidades e realizar a testagem da população.
“Estamos testando o maior
número de pessoas possível, mesmo aquelas que não apresentam sintomas” explicou
a médica Raquel Simakawa, que acabou de retornar de Auaris depois de integrar a
equipe que iniciou em maio os atendimentos médicos de MSF na região. “Só assim
conseguimos detectar e tratar a malária o mais rápido possível, diminuindo o
risco de complicações e também a taxa de transmissão”, afirmou.
O trabalho
de busca ativa consiste na coleta entre as pessoas das comunidades de amostras
de sangue, que podem chegar a 100 por dia por microscopista. A análise das
lâminas coletadas é realizada geralmente no mesmo dia, e todos que testam
positivo iniciam imediatamente o tratamento. Dependendo do tipo de malária e
caso a pessoa já tenha tido a doença anteriormente, a duração do tratamento
pode variar de três dias a até duas semanas.
A malária é
uma doença infecciosa causada por um parasita, que é transmitido pela picada de
um mosquito após o inseto ter picado uma pessoa já infectada. Para conter sua
propagação, é necessário deter ao máximo a circulação do plasmódio causador da
doença, tratando as pessoas doentes para ajudar a interromper o ciclo de
transmissão. Outra frente de combate é diminuir a exposição aos insetos, com a
fumigação de áreas onde o mosquito esteja presente e o uso de mosquiteiros.
No período recente, houve um
aumento dos registros de malária no território Yanomami. Nos quatro primeiros
meses deste ano, foram notificados 7.227 casos, uma alta de 43% em relação ao
mesmo período do ano passado, de acordo com dados do Ministério da Saúde.
Em anos
anteriores, já era observada uma alta incidência da doença na TIY, em um
contexto de escassez crescente de recursos humanos e de insumos dedicados à
saúde indígena.
Paralelamente,
o avanço da mineração ilegal criou uma situação de degradação ambiental que
pode ter favorecido a propagação de mosquitos, vetores da malária. Com a
declaração da emergência sanitária no território, no início deste ano, ficou
ainda mais evidente a grande incidência da malária entre as comunidades.
Se não for
adequada e oportunamente tratada, a malária pode causar diversas complicações,
como anemia grave, desconforto respiratório, letargia e prostração, podendo
inclusive, nos casos mais graves, levar à morte, especialmente em indivíduos
que já estejam debilitados.
“É preciso que nossa
estratégia de detecção de casos e tratamento seja muito consistente”, explicou
a médica de MSF. Por isso, são realizadas visitas semanais das equipes de saúde
às comunidades para que a testagem seja repetida, e a frequência dos testes só
é diminuída quando a doença é efetivamente controlada. Apenas nas duas primeiras
semanas de atividades foram realizados mais de mil testes, com cerca de 200
casos positivos.
Para realizar esse trabalho,
MSF possui atualmente uma equipe de cerca de dez pessoas na região de Auaris,
com médicos, equipe de enfermagem e um microscopista, apoiados por uma
antropóloga e um especialista em logística. As atividades são realizadas em
parceria com o DSEI, que conta com equipes que incluem médicos, enfermeiros e
agentes de saúde indígena.
O trabalho
de busca ativa de casos é feito todos os dias, e a tarefa pode exigir horas de
deslocamento por rios e também longas caminhadas a pé até chegar às
comunidades. “Essa parceria tem sido importante para que tenhamos um bom acesso
às comunidades e qualidade nos diagnósticos, o que é essencial para conseguirmos
curar os pacientes e impedir que a doença se expanda”, explica o coordenador de
operações de MSF na América do Sul, Fábio Biolchini.
A região de Auaris, onde MSF está trabalhando, é uma das mais populosas
da TIY, com mais de 4 mil pessoas do total estimado de 30 mil indígenas em todo
o território, cuja área é maior do que a de Portugal. A maior parte da
população da TIY pertence ao povo Yanomami, que compreende diversos grupos. Em Auaris, o grupo mais numeroso é o dos Sanöma (pronuncia-se “Sanumá”),
que compartilha uma origem comum com os Yanomami, mas se reconhece como um
grupo à parte. Na região também estão presentes os Ye’kwana (pronuncia-se
“Iecuana”), que possuem origem e cultura diferentes.
Mesmo com recursos limitados e
atuando em uma área de grande extensão territorial e com desafios logísticos,
Biolchini acredita que experiências anteriores podem ajudar no trabalho atual.
“MSF tem uma extensa experiência na implementação de estratégias de prevenção e
tratamento de malária, adquirida ao longo de muitos anos”, lembra ele. Apenas
no ano passado, a organização tratou mais de 4,2 milhões de casos da doença em
todo o mundo.
Um dos
locais onde a organização já implementou uma resposta a um surto de malária foi
o Brasil. “Na década de 1990, contamos com um grande apoio de comunidades
indígenas de Roraima para implantar uma estratégia bem-sucedida de detecção e
tratamento de malária”, lembrou a diretora-geral de MSF, Renata Reis. “A grave
crise de saúde vivida no território Yanomami é um desafio imenso, mas temos
confiança de que poderemos enfrentá-lo melhor atuando em conjunto com nossos
parceiros e, principalmente, em sintonia com as necessidades expressadas pelas
comunidades que estamos atendendo”, afirmou ela.
CASAI Yanomami
Além do território
indígena Yanomami, uma equipe de MSF também trabalha na assistência médica aos
indígenas que estão na Casa de Apoio à Saúde Indígena Yanomami (CASAI-Y),
localizada em Boa Vista.
A CASAI é
parte da estrutura de saúde para indígenas. Eles são geralmente encaminhados
para lá quando não há disponibilidade de atendimento dentro do próprio
território indígena, para aguardar consultas eletivas nos hospitais e
consultórios de Boa Vista. Casos mais graves são transferidos diretamente aos
hospitais, sendo depois encaminhados de volta para a CASAI, onde os pacientes
aguardam a logística para retorno às comunidades.
Devido à grave situação sanitária no TIY, a CASAI vem absorvendo um número elevado de pacientes e tem trabalhado com uma ocupação muito superior à capacidade das instalações. Por isso, a atuação de MSF tem sido importante para aliviar a sobrecarga de pacientes no local. MSF tem oferecido consultas médicas e de saúde mental aos indígenas alojados na Casai.
MSF
iniciou suas atividades no Brasil em 1991, atuando no combate a uma epidemia de
cólera na região amazônica. Na sequência, a organização trabalhou no combate a
um surto de malária no estado de Roraima, contando com apoio crucial de agentes
de saúde e microscopistas indígenas. Mais recentemente, durante a pandemia de
COVID-19, MSF atendeu à população indígena nos estados do Mato Grosso do Sul,
Amazonas e Roraima. Além das atividades na TIY e CASAI, MSF possui, desde 2018,
um projeto de apoio ao sistema de saúde de Roraima em função da chegada de
migrantes venezuelanos ao estado. A organização também atua no município de
Portel, na região da ilha do Marajó (Pará), reforçando o sistema de saúde
local, principalmente para melhoria do atendimento a populações
vulneráveis.
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