O novo governo federal se mostra muito preocupado em baixar os juros e em anunciar alguns pacotes de incentivo – como foi o caso do subsídio recentemente concedido ao setor automobilístico para reduzir os preços de carros, vans, ônibus e caminhões – e na aprovação pelo Congresso da esperada reforma fiscal, depois da definição do chamado novo arcabouço fiscal.
Há nas primeiras ações do governo nesses seis meses de mandato medidas
importantes, de maior ou menor impacto. Entretanto, nada se fala sobre o
combate ao gigantismo da máquina pública, um dos maiores males do país, algo
jamais encarado com seriedade pelos governos das últimas décadas e que se
cristaliza como um significativo entrave ao desenvolvimento.
Não é de se estranhar esse silêncio. Nas 21 páginas sobre o Programa de Governo
do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, não existe uma linha sequer sobre
o tema. Nos 121 itens elencados há muitos compromissos, mas todos passam ao
largo dessa questão que é seriíssima do ponto de vista administrativo.
O setor público de há muito já não cabe mais no PIB Brasil. Visões administrativas
equivocadas, irrefreado apetite arrecadatório, concessão de benefícios mesmo em
contrariedade ao que diz a Constituição Federal e ausência de planejamento a
longo prazo são alguns dos principais fatores que levaram a questão a esse
patamar insustentável em qualquer nação que queira se desenvolver.
As dívidas do setor público brasileiro já superam a gigantesca cifra de R$ 8,1
trilhões, com a consequente cobrança de juros de R$ 1 trilhão por ano,
resultado em boa medida do acúmulo de déficits do setor público.
É tão grave que mesmo que a taxa Selic seja reduzida para 10% ao ano, o país
terá de pagar juros no montante de R$ 750 - R$ 810 bilhões por ano. Esse valor
é maior que seis orçamentos do Sistema Único de Saúde (SUS), cuja importância
foi resgatada durante a pandemia da Covid-19. Esse volume de recursos poderia
custear o Bolsa Família por quatro anos, ajudando a tirar da miséria milhões de
brasileiros.
A máquina pública brasileira não é apenas ineficiente: é gigante e cara.
Sozinha, ela consome cerca de 38% da arrecadação, que representa 33,9% do PIB.
Desse percentual da arrecadação, estão compromissados 13% com salários do
funcionalismo, de 8% a 9% com juros sobre dívidas, outros 3% com o déficit do
Regime Geral da Previdência (INSS), mais 1,1% com o déficit da Previdência de
servidores públicos do Executivo, Legislativo e Judiciário e 0,90% com
precatórios.
É imprescindível para o país diminuir os gastos com a máquina pública. Se esse
déficit fosse reduzido ao patamar máximo de 2% do PIB, o Brasil teria como
consequência inflação mais controlada e a redução da taxa Selic para 7% ou 8%
ao ano, muito menos do que os 13,75% atuais, motivo de interminável embate
público do governo federal com o Banco Central, que goza de autonomia. Como
resultado, a dívida pública seria estabilizada no patamar de 80% do PIB, e os
juros anuais seriam reduzidos dos atuais R$ 900 bilhões ou até R$ 1 trilhão
para menos de R$ 600/700 bilhões.
O governo precisa voltar suas ações também para o
reconhecimento e enfrentamento sério dessa distorção. Os números impõem isso. É
impensável continuar com déficit público nominal de 7 a 8% do PIB por ano,
gerando aumento de grande porte da dívida pública anual, retirando a capacidade
de investimento do Estado. Índice muito alto para um país que reclama a falta
de recursos para investimento em setores essenciais, como saúde, educação,
saneamento básico, habitação e segurança pública.
Sem isso, a população brasileira nunca terá a
qualidade de vida que merece e o país continuará amargando números muito ruins
no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ranking no qual tem classificação
menor do que nações com potencial e recursos muito mais restritos que o nosso.
E isso, apesar da pesada carga tributária
praticada, oficialmente de quase 40% do PIB (33,91 % arrecadado , mais gastos
tributários e mais percentual sonegado), porém bem maior na realidade porque
não se pode considerar carga tributária somente a parcela relativa ao produto
da efetiva arrecadação tributária. Hoje, desconsidera-se que o cidadão comum
não se beneficia de renúncias nem de privilégios e nem pratica sonegação. E
mesmo tendo uma das 12 maiores cargas tributárias do mundo, o Brasil devolve à
população serviços públicos classificados apenas na 30ª posição entre as
nações, o que atesta a má qualidade do que é ofertado à população. Apesar
disso, gera déficit fiscal nominal que permanece em 6 a 8%.
Sem atacar o gigantismo da máquina pública, reduzir
despesas, cortar privilégios e fazer uma reforma tributária séria e profunda, o
Brasil não conseguirá avançar. Com isso, as desigualdades regionais e sociais
seguirão com a mesma gravidade de hoje, penalizando boa parte da população
nacional, especialmente os cidadãos das regiões menos desenvolvidas, sem
expectativa e sem esperança.
Igualmente sério, é que desde o término das
eleições de 2022 e especialmente após a posse do novo presidente da República,
não mais se falou nem se escreveu no país sobre a corrupção, problema histórico
da nação. A repentina ausência desse tema no debate nacional leva a população a
pensar – e a acreditar – que não houve corrupção no passado recente e que a
Operação Lava-Jato foi uma farsa, apesar das provas que obteve e dos bilhões
devolvidos aos cofres públicos por muitas empreiteiras investigadas, em que
pesem as falhas processuais que levaram à anulação de sentenças e a retomada
dos processos a partir da fase inicial e que ainda podem resultar, no futuro,
em condenações dos envolvidos
Esses desdobramentos – indevidamente exibidos como
atestado de inocência de muitos dos políticos e empresários denunciados e
julgados – não autoriza ninguém a afirmar que não houve corrupção e que esse
problema ético e moral não existe mais no Brasil. Valores bilionários foram
subtraídos dos cofres públicos e, consequentemente, do bem-estar da população
em razão da redução dos recursos que poderiam ser investidos em saúde,
educação, habitação e segurança. Tudo comprovado em inquéritos e com sentenças
de condenação proferidas por juízes e ministros de cortes superiores, em
decisões monocráticas e colegiados.
Superfaturamento de obras públicas e contratos de
serviços obtidos por meio do pagamento de propina a agentes públicos, além de
malas de dinheiro apreendidas não foram objeto de ficção. Muitas das práticas
corruptas foram confessadas pelos envolvidos.
É lamentável que, mesmo após o escândalo que escancarou para o mundo o nível de
corrupção no Brasil, nada foi feito do ponto de vista legal para coibir essa
prática. Nenhuma mudança legislativa se concretizou nesse sentido. Pelo
contrário, houve o afrouxamento da Lei da Improbidade Administrativa, o que
está levando à absolvição de um número considerável de políticos flagrados na
malversação dos recursos públicos.
O mal persiste e custa caro ao Brasil. Estudo realizado anos atrás pela
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) apontou que a corrupção
corrói 2,3% do PIB nacional, ou seja, cerca de R$ 227 bilhões por ano.
Esse montante seria suficiente para financiar a construção de 1,2 milhão de
residências do programa Minha Casa Minha Vida, possibilitando zerar o déficit
habitacional no país em apenas cinco anos.
Acabar com a corrupção é utopia. Entretanto, é perfeitamente possível reduzir
substancialmente essa prática com medidas efetivas de controle e punição. O
silêncio sobre o assunto em nada contribui nesse sentido. Somente alimenta na
população a sensação de impunidade e o senso comum de que o crime compensa,
além de ser entendido como uma espécie de autorização para a prática da
corrupção seguir em frente, sem obstáculos.
É preciso uma mobilização urgente em busca do resgate ético e moral no país, antes que seja tarde demais e, os danos, irreversíveis.
Samuel Hanan - engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”.
https://samuelhanan.com.br
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