O Brasil é líder do ranking latino-americano dos países que mais realizam reprodução assistida, segundo estudo realizado em 2019 pela Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida (RedLara)[1]. Estima-se que, entre a década de 90 e o ano de 2016, 83.681[2] bebês brasileiros foram concebidos com a utilização de algum método de reprodução assistida, seja por indução de ovulação, inseminação artificial, fertilização in vitro, entre outros.
Ainda, relatório recente do SisEmbrio sobre
produção de embriões, divulgados anualmente pela Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária), apontam crescimento no número de procedimentos de
reprodução assistida realizados no Brasil[3]. O relatório indica que
em 2020 e 2021foram congelados aproximadamente 154.630 óvulos e 114.3752
embriões.
Muito embora a procura por tais procedimentos venha
crescendo a cada ano, inexiste, no Direito brasileiro, lei federal que
regulamente o tema, de modo que o judiciário tem recorrido às Resoluções do
Conselho Federal de Medicina (CFM) para a solução de controvérsias sobre o
assunto, sendo a mais recente a Resolução nº 2320/2022.
Diante da relevância do tema, o Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil realizou no dia 07/06/2023, o evento denominado
“Aspectos polêmicos sobre a inseminação artificial no Brasil”, o qual contou
com a participação do Dr. Waldemar Naves do Amaral Filho, médico especialista
em ginecologia e obstetrícia, e da Dra. Marina de Neiva Borba, advogada, mestre
e doutora em Bioética, para discussão acerca da recente Resolução do CFM.
Os palestrantes levantaram os aspectos
que consideram mais polêmicos a respeito do tema, dentre os
quais encontram-se os princípios gerais para utilização das técnicas de
reprodução assistida, a gestação de substituição, a gestação compartilhada e a
doação compartilhada de oócitos.
A respeito dos princípios gerais,
ressaltou-se:
- a
necessidade de consentimento de ambas as partes envolvidas na técnica de
reprodução assistida, sendo indispensável a assinatura de termo de
consentimento, livre e esclarecido, tanto pelo doador do espermatozoide,
como pela cessionária do óvulo;
- a
impossibilidade de aplicação da técnica com a intenção de selecionar o
sexo ou características biológicas da criança, exceto para evitar doenças
no descendente; e
- a
proibição da fecundação para qualquer finalidade diversa da procriação
humana.
No tocante ao procedimento de gestação de
substituição, popularmente conhecida como “barriga de aluguel”,
o CFM determinou que:
- a
cessão temporária de útero não pode ter caráter lucrativo ou comercial;
- a
cedente do útero deve assinar termo de compromisso de que receberá o
embrião em seu útero, no qual serão estabelecidas claramente a questão da
filiação da criança;
- a
cedente deve ter ao menos um filho vivo; e
- a
cedente deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco
consanguíneo até o quarto grau[4], ou, em caso de impossibilidade,
deverá ser solicitada autorização do Conselho Regional de Medicina.
Segundo especialistas, tais medidas foram
implementadas para minimizar a ocorrência de recusa da entrega da criança, tema
que tem despertado bastante atenção do judiciário brasileiro.
Ainda, os palestrantes citaram a regulamentação do
inovador método de gestação compartilhada, através do
qual possibilita-se que ambas as mulheres de um casal homoafetivo participem da
concepção do bebê, por meio da fecundação do óvulo de uma mulher e
transferência para o útero de sua parceira.
Por fim, também foram discutidas algumas das
controvérsias em relação à doação compartilhada de oócitos em
reprodução assistida. Nessa técnica, uma mulher que está em tratamento de
reprodução assistida realiza a doação de parte de seu material biológico
(óvulos) para outra (que geralmente possui problema de infertilidade), mediante
compartilhamento dos custos do procedimento de ambas.
Por mais que se discuta a existência de interesse
lucrativo nesta prática, o que seria vedado pelo CFM, a especialista, Dra.
Marina, salientou que, em ponderação dos direitos em questão, deve prevalecer o
de acesso ao planejamento familiar (art. 226, §7º, Constituição Federal), que
engloba a possibilidade de utilização de técnicas de reprodução assistida, de
modo a se permitir o procedimento de doação compartilhada de oócitos.
Com efeito, nota-se que a ciência alcançou grande
avanço no que diz respeito às técnicas de reprodução assistida, mas que há um descompasso
entre os desdobramentos dessas técnicas e a legislação brasileira, o que
representa um desafio a ser enfrentado por toda a sociedade, respeitando a
sensibilidade do tema, que envolve princípios éticos, sociológicos, filosóficos
e religiosas para sua normatização.
Juliana Moscalewsky - advogada na Domingues Sociedade de Advogados e especialista na área de Família e Sucessões.
[1] Informação retirada de: https://redlara.com/blog_detalhes.asp?USIM5=664
[2] Informação retirada de: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://redlara.com/PDF_RED/RLA_EducacaoPacientes_2016_port.pdf
[3] Informação retirada de: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2022/divulgado-relatorio-sobre-fertilizacao-in-vitro-no-pais-em-2020-e-2021
[4] Parentes de primeiro grau são pais e filhos; de segundo grau são avós e irmãos; de terceiro grau são tios e sobrinhos; e de quarto grau são primos.
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