Não é de hoje que o futebol brasileiro sofre com esquemas de manipulações de resultados. Em 2005, por exemplo, tivemos conhecimento do primeiro grande escândalo envolvendo o futebol nacional, conhecido como “Máfia do Apito”, no qual árbitros de futebol foram acusados de manipular partidas do Campeonato Brasileiro daquele ano.
Nos últimos dias, o esquema de
manipulação de resultados voltou à tona com a operação “Penalidade Máxima”, promovida
pelo Ministério Público Estadual do Estado de Goiás. A operação estampou os
noticiários, revelando o envolvimento de diversos jogadores que, a mando de
apostadores, se comprometeram a realizar atos premeditados em algumas
partidas.
Tais atos geram diversas repercussões
dentro e fora de campo, especialmente na esfera jurídica, podendo ensejar
medidas disciplinares, contratuais, trabalhistas e criminais, como
consequências.
Na esfera disciplinar, primeiramente
deverá ser analisada em qual competição a infração foi cometida. Por exemplo,
caso a manipulação tenha ocorrido em uma partida da Copa do Mundo, torneio
organizado pela FIFA, o ato infringirá o artigo 20 do Código Disciplinar e art.
30 do Código de Ética, ambos da federação internacional.
Por outro lado, caso a manipulação
tenha ocorrido no Campeonato Brasileiro, a Procuradoria do STJD será
encarregada de oferecer denúncia com base nas tipificações previstas nos
artigos 240 a 243-A do CBJD. Dependendo da infração as sanções disciplinares podem
envolver o pagamento de multas pecuniárias de R$100 a R$100.000, além de
suspensões de meses até uma pena de eliminação, dependendo da gravidade, como
em caso de reincidência.
Importante frisar, que atletas que
receberem propostas de aliciadores e deixarem de informar às autoridades
competentes poderão ser denunciados por omissão, nos termos do Art. 191 do
CBJD.
A CBF, por sua vez, também estabelece
disposições referentes ao combate a manipulação de resultados. As principais
disposições se encontram no art. 65 do Regulamento Geral de Competições, bem
como nos arts. 18 e 19 do seu Código de Ética.
Em linhas gerais, o incidente também
poderá gerar repercussões contratuais, como a rescisão do contrato especial de
trabalho desportivo por justa causa pelo Clube empregador. Já o patrocinador do
atleta, além de rescindir o contrato também poderá ajuizar uma ação
indenizatória em face do jogador, caso entenda que a imagem da empresa foi
prejudicada pelo seu envolvimento no esquema.
De outro giro, quando nos referimos as
consequências no âmbito criminal, importante realizar com muita cautela a
análise técnica, justamente porque há diversas questões que envolvem a
manipulação de jogos, principalmente quando grupos criminosos se utilizam do
esquema para dissimular e ocultar valores, obtidos de modo ilícito, como se tem
visto nos noticiários e nas investigações em andamento.
Isso ocorre porque a legislação vigente
ainda está em uma zona cinzenta e defasada, sendo que pessoas com intenções
escusas acabam aproveitando disso para obter vantagem ilícita.
Um grande exemplo, é o Estatuto do
Torcedor (Lei 10.671/2003), o qual prevê as sanções criminais em caso de
manipulação de partidas (artigos 41-C, 41-D e 41-E). Referidos dispositivos
foram instituídos há cerca de 10 anos, e não acompanharam a evolução da era
digital, que acabou aprimorando o modus operandis de grupos criminosos.
Logo, com o surgimento de novas modalidades de apostas, estas recaindo em
questões incidentais do evento, como número de escanteios, laterais, faltas,
cartões amarelos, entre outras, também abriu um leque maior para o esquema
poder operar.
Ora, a realidade dos crimes cometidos
pode alcançar prejuízos catastróficos, uma vez que quando organizações
criminosas começam a “comprar” jogadores para obter resultados específicos nos
sites de apostas, muitas vezes estarão aproveitando para lavar o dinheiro de
origem ilícita, sem mencionar que na maioria dos casos, é extremamente
dificultoso a identificação do dolo do jogador nas questões incidentais da partida.
Em relação aos atos de lavagem,
importante salientar que como o dinheiro poderá se tornar digital e, vemos
rotineiramente fraudes através de criptoativos, uma das necessidades que está
em pauta é a fiscalização das apostas para que o dinheiro não perca o lastro no
universo das criptomoedas, devendo ser observada inclusive o programa de
lavagem de dinheiro (“PLD”) e compliance financeiro dentro das casas de
apostas.
A falta de uma legislação aprimorada
com certeza é uma causa que beneficia más práticas e ilícitos penais. Aliás, no
final de 2018, o então Presidente da República, Michel Temer promulgou a Lei nº
13.756/2018, que legitimou as apostas de quota fixa no país, entretanto, sem
que houvesse a regulamentação adequada do setor, o que gerou uma grande
insegurança jurídica.
Mencionada legislação imputou uma série
de obrigações de natureza contábil, administrativa e fiscal a casas de apostas,
mas deixou de impor obrigações envolvendo os malefícios sociais que as apostas
podem gerar, como é o tema que estamos presenciando nos últimos dias.
Obrigações advindas da lei, como a
criação de canais de denúncia para casos de manipulação, programas anti-vícios
e investimentos em programas de integridade e conscientização poderiam surtir
como boas opções para a casa de aposta mitigar o seu impacto no esporte e na
sociedade.
Diante de todo o alvoroço, foi
noticiado fora instalada na quarta-feira (17/05/2023) a CPI das Apostas
Esportivas, cumulado com uma possível Medida Provisória das Apostas Esportivas,
a qual basicamente visa fiscalizar e inibir o esquema de manipulação.
Como a matéria das apostas de quota
fixa ainda não está regulamentadas por completo, hoje o poder público possui a
oportunidade de rever certos tópicos para estabelecer medidas que visem atenuar
os malefícios desportivos e sociais causados pelo setor.
As medidas que serão incluídas pelo
governo ainda são incertas, mas certo é que a manipulação de resultados e os
atos que giram em torno deste esquema além de prejudicar a integridade da competição
esportiva, também prejudica diversas camadas da sociedade.
Por isso, o amplo estudo do tema se torna necessário, inclusive usando como comparação outros países que já possuem este segmento há mais tempo, que é fundamental para implementar uma regulamentação dotada de medidas preventivas e repressivas, que sejam atuais e efetivas em todas as esferas.
Eduardo Mauricio - advogado no Brasil, Portugal e Hungria, presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional instituída pelo Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Abracrim, membro da Associação Internacional de Direito Penal de Portugal (AIDP – Portugal ) e da Associação Internacional de Direito Penal AIDP – Paris, pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia, pós-graduado em Direito Penal Econômico Europeu, em Direito das Contraordenações e Especialização em Direito Penal e Compliance, todos pela Universidade de Coimbra/Portugal, pós-graduado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil – em formação para intermediários de futebol, pós-graduando pela EBRADI em Direito Penal e Processo Penal, pós-graduado pela Católica – Faculdade de Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas e mestrando em Direito – Ciências |Jurídico Criminais, pela Universidade de Coimbra/Portugal
Victor Augusto Bialski - advogado criminalista na Bialski Advogados Associados, pós-graduado em Direito Antidiscriminatório e Diversidades pela Damásio Educacional. Especialista na Lei de Drogas pela Faculdade Alves Lima (FAAL), mantida pelo Instituto de Estudos Jurídicos (IEJUR), pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal Aplicados pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI), advogado associado ao IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) e ao IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e membro do ICCS (International Center for Criminal)
Victor Sordi - advogado, mestre em direito desportivo internacional pelo ISDE, coordenador da área de Direito Desportivo do escritório Franco Montoro e Peixoto Advogados
Nenhum comentário:
Postar um comentário