Atividades
fortalecem povos indígenas para conservar seus territórios e gerar rendaAdriano Gambarini
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas – IPCC divulgou no último dia 20 de março um novo relatório
apontando que as mudanças climáticas estão avançando em um ritmo mais acelerado
do que as medidas tomadas para contê-las. Diante disso, é preciso acelerar o
passo, e tomar medidas mais ambiciosas para reduzir as emissões de gases de
efeito estufa.
No Brasil, as iniciativas de manejo sustentável de
produtos da sociobiodiversidade amazônica – como o pirarucu, a
castanha-da-Amazônia, e a copaíba – podem ajudar na redução de emissões
ligadas ao desmatamento e à degradação florestal, porque aliam a geração de
renda à manutenção de milhões de hectares de floresta em pé, e à melhoria da
qualidade de vida de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas.
O tempo está acabando
Segundo o relatório do IPCC, a intensidade das
medidas tomadas na próxima década definirá a gravidade da crise climática que
enfrentaremos. A temperatura global já está 1,1°₢ acima dos níveis
pré-industriais, muito próximo do limite de 1,5°C de aumento até 2100,
estabelecido como meta do Acordo de Paris para evitar piores impactos das
mudanças climáticas. As emissões vêm aumentando nos últimos anos, e será
necessário reduzi-las quase à metade até 2030 para limitar o aquecimento a
1,5°C
No Brasil, segundo o décimo relatório de análise
das emissões brasileiras do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de
Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, as emissões de gases de
efeito estufa aumentaram 40% desde 2010, quando foi regulamentada a Política
Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC). Nesse período, as emissões de CO2 por
desmatamento aumentaram 83%, em grande parte devido ao desmatamento sem
precedentes da Amazônia brasileira, onde estão estocadas 49 bilhões de
toneladas de carbono.
Iniciativas de manejo sustentável de produtos da
sociobiodiversidade tem tido sucesso em evitar o desmatamento e outras
atividades predatórias em Terras Indígenas (TIs) no Amazonas, apontando uma das
muitas estratégias na qual o país pode investir para reduzir suas emissões.
Apenas em 2022, iniciativas deste tipo apoiadas
pelo Raízes do Purus, projeto realizado pela Operação Amazônia Nativa - OPAN,
com patrocínio da Petrobras, em seis TIs no sul e sudoeste do Amazonas, por
exemplo, contribuíram para evitar as emissões de 315.709,61 toneladas de
CO2 para a atmosfera, e propiciaram a manutenção de um estoque de
130.473.106,85 toneladas de carbono armazenado nas florestas sob
influência da área do projeto.
As soluções já existem
Essas atividades têm como base o fortalecimento da
organização coletiva das comunidades indígenas para a proteção de seus
territórios e a contenção de atividades predatórias diversas. Por isso,
beneficiam a proteção de toda a biodiversidade, e são reconhecidas como
atividades “guarda-chuva”.
- Manejo sustentável de
pirarucu
O povo Paumari do rio Tapauá, por exemplo, conseguiu
reduzir muito a pesca ilegal em suas três terras indígenas na região do médio
rio Purus com a estruturação de um sistema de vigilância comunitário que
envolve sete bases de vigilância flutuantes e rondas em voadeiras e canoa nos
locais onde costuma haver invasões. “Em meados de julho, começamos a vigilância
mais intensa, porque é época de mais invasões para pesca, devido aos rios
estarem mais secos”, explica Francisco Paumari, coordenador do manejo sustentável
de pirarucu.
No caso dos Paumari, a vigilância tem como foco
proteger os pirarucus que vivem nos lagos dos territórios, e estão cada vez
mais abundantes após um período de escassez causado pela pesca predatória e
ilegal. Mas a proteção dos lagos promove a circulação nas terras indígenas, e
inibe também outras atividades ilegais, como o desmatamento.
Além das árvores mantidas em pé, a conservação dos
lagos também contribui para a redução das emissões de CO2. Recentemente,
cientistas apontaram que os lagos da Amazônia absorvem três vezes mais carbono
do que as florestas.
As comunidades fortaleceram sua organização
coletiva, criaram a Associação Indígena do Povo da Água – AIPA, e hoje
comercializam o pirarucu de manejo sustentável pescado nos territórios por meio
da marca coletiva Gosto da Amazônia, gerando uma renda anual para as famílias.
- Manejo sustentável de
castanha-da-Amazônia
O manejo sustentável de castanha-da-Amazônia,
realizado pelo povo Apurinã, na Terra Indígena Caititu, também contribui para a
proteção do território. “Hoje, a gente tem que entender que esses territórios
estão aí, com floresta em pé, por causa do trabalho de ocupação territorial que
os castanheiros fazem. Não tem preço que pague”, afirma Diogo Giroto,
coordenador do Programa Amazonas, da OPAN.
No período de coleta de castanha, entre dezembro e
abril, as famílias indígenas se dispersam pelos diversos castanhais nativos do
território, muito dos quais estão em áreas remotas. Nesse processo, se deslocam
por vastas extensões, e inibem invasores e ações predatórias. “São os castanheiros
que sobem os igarapés, atravessam cachoeiras, passam inúmeras dificuldades,
ficam lá 30, 50 dias, e dão notícias aos órgãos competentes sobre o que está
acontecendo no território”, completa o coordenador.
A castanha, alimento de grande valor nutricional, é
comercializada por meio de um arranjo comercial coletivo, encabeçado pela
Associação dos Produtores Indígenas da Terra Indígena Caititu, e é uma fonte de
renda para as famílias. Além de protegerem seu território, com a organização
coletiva, os indígenas estão conseguindo um valor mais justo pela castanha que
comercializam.
- Manejo sustentável de
copaíba
O povo Jamamadi da Terra Indígena
Jarawara/Jamamadi/Kanamanti incorporou o manejo sustentável de copaíba em seu
plano de gestão territorial e ambiental (PGTA) como uma alternativa para
geração de renda sustentável, e para a proteção do território. Apesar de não
terem um sistema de vigilância estruturado, como os Paumari, os Jamamadi vigiam
seu território durante as atividades cotidianas, como a pesca, a caça, e a
coleta de copaíba, que propicia a circulação dos indígenas por áreas remotas do
território, e estão sempre atentos a sinais de invasores.
Raízes do Purus - iniciativa da OPAN
OPAN - primeira organização indigenista fundada no
Brasil, em 1969.
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