Conclusão é de estudo com ratos conduzido por pesquisadores da Unesp e da USP. Ninhadas cujas mães receberam equivalente sintético da substância apresentaram taxa de morte neonatal 29% maior, além de alterações no controle da respiração e da sensibilidade ao dióxido de carbono – fatores que em humanos predispõem à morte súbita (foto: Freepik)
O consumo de maconha ou derivados
durante a gravidez pode trazer problemas respiratórios aos bebês, como
disfunção do controle da respiração e menor sensibilidade ao dióxido de carbono
(CO2), fatores que favorecem inclusive a ocorrência de
morte súbita infantil. O alerta é de um estudo publicado no British Journal of Pharmacology.
O grupo de pesquisadores da
Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de São Paulo (USP)
administrou em ratas grávidas um composto sintético com ação cerebral análoga à
dos canabinoides derivados da maconha. Grande parte dos efeitos deletérios
observados ocorreu principalmente nos filhotes machos.
“Com a legalização e flexibilização
da maconha e seus derivados em alguns países e um considerável aumento do
consumo, grávidas utilizam desses compostos presentes na planta Cannabis sativa na forma de medicamentos, devido
às propriedades de redução das náuseas, ou mesmo de modo recreativo. No
entanto, as consequências dessa exposição a canabinoides no feto ainda são
pouco conhecidas”, afirma Luis Gustavo Patrone, primeiro
autor do estudo conduzido com apoio da FAPESP durante seu
doutorado na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV-Unesp), em
Jaboticabal.
Em comparação com os ratos que não
sofreram exposição intrauterina à substância, os filhotes expostos tiveram uma
mortalidade neonatal 29% maior. Nos machos, houve ainda intensificação dos
tremores nos primeiros dias de vida, em decorrência de um quadro de
abstinência, alterações na respiração basal e na resposta ventilatória ao
oxigênio e ao CO2, além de menor capacidade de
expansão dos pulmões.
Os autores também observaram queda na
eficiência da respiração mitocondrial do encéfalo, alteração da quantidade de
receptores para canabinoide (CB1) e de neurônios catecolaminérgicos em núcleos
do encéfalo que controlam a função respiratória. Juntos, esses dados revelam
alterações significativas.
Nas fêmeas, mais eventos espontâneos
de apneia (períodos sem respirar) ocorreram, além de reduções nas populações de
neurônios serotoninérgicos no tronco encefálico. Juntos, esses dados revelam
que a exposição intrauterina a canabinoide resultou em relevantes alterações no
controle mecânico e sensorial da ventilação, sendo mais acentuada sobre os
indivíduos machos.
“Sabe-se que diversos compostos
da Cannabis atravessam facilmente a placenta e podem
interferir nas vias de sinalização dos endocanabinoides, que são produzidos
pelo próprio cérebro. Isso pode afetar profundamente as funções neurais e
fisiológicas do feto, incluindo os processos cardiorrespiratórios, causando
efeitos duradouros na vida pós-natal”, resume Luciane Gargaglioni, professora da
FCAV-Unesp e coordenadora do estudo.
O trabalho integra um projeto
também apoiado pela FAPESP e
coordenado por Gargaglioni.
Morte súbita
Os pesquisadores lembram que o uso de
maconha durante a gravidez pode estar associado à ocorrência da síndrome da
morte súbita infantil (SIDS), que é relacionada à detecção das concentrações
dos gases O2 e CO2 na corrente
sanguínea e ajustes ventilatórios. Os episódios de apneia espontânea nas fêmeas
expostas à substância durante o estudo são indicadores da diminuição desse
controle.
“Se o travesseiro cai no rosto e
impede a respiração durante o sono, por exemplo, o bebê que tem essa síndrome
não é capaz de detectar as alterações dos gases. Enquanto em um recém-nascido
com o controle normal da respiração isso o faria despertar e chorar, na SIDS,
mesmo com grandes reduções do oxigênio e aumento do CO2, o bebê pode morrer asfixiado”, explica Patrone.
A sensibilidade aumentada ao dióxido
de carbono também foi testada, visto que é um determinante biológico dos
ataques de pânico. Machos de diferentes idades apresentaram uma exacerbada
resposta ventilatória ao CO2. Entre as
fêmeas, o mesmo padrão foi observado apenas nas juvenis.
“A exposição pré-natal a
canabinoides, portanto, pode aumentar a sensibilidade ao dióxido de carbono e,
consequentemente, a vulnerabilidade a transtornos de pânico”, diz Gargaglioni.
As análises não demonstraram
alterações expressivas sobre o controle cardiovascular e da temperatura
corporal, ao menos em curto e médio prazo. Os experimentos foram encerrados
quando os animais completaram 28 dias de vida.
“Ainda que seja um estudo feito em
ratos, ele pontua importantes alterações na fisiologia respiratória em
decorrência da exposição a canabinoides no útero e, por isso, lança uma nota de
cautela para o uso terapêutico ou recreativo de canabinoides por mulheres
grávidas”, encerra Patrone.
O artigo Sex- and age-specific respiratory alterations induced by prenatal
exposure to the cannabinoid receptor agonist WIN 55,212-2 in rats pode ser
acessado em: https://bpspubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/bph.16044.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/exposicao-a-canabinoide-na-gestacao-aumenta-mortalidade-e-problemas-respiratorios-em-recem-nascidos/41025/
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