quinta-feira, 2 de março de 2023

Qualidade da educação está associada com maiores taxas de crescimento econômico dos países, segundo levantamento da FGV EESP

Estudo, realizado com apoio da Fundação Lemann, indica que um aumento nas notas em testes educacionais internacionais está relacionado a um aumento na taxa de crescimento do PIB per capita entre 1 e 2,2 pontos percentuais ao ano;

O estudo também mostra que retorno do investimento em educação é maior em países de renda mais baixa

 

O Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para a África Lusófona e o Brasil, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP Clear), com o apoio da Fundação Lemann, apresenta os resultados de um estudo sobre educação e crescimento econômico. Entre as principais conclusões estão:

  • A qualidade da educação está positivamente associada com maiores taxas de crescimento econômico. Um aumento nas notas em testes padronizados internacionais está relacionado a um aumento na taxa de crescimento do PIB per capita entre 1 e 2,2 pontos percentuais ao ano;
  • O aumento da qualidade do ensino básico nos municípios brasileiros está associado a ganhos expressivos na geração de empregos entre jovens;
  • O capital humano é considerado um fator extremamente relevante para explicar as diferenças de crescimento econômico entre países;
  • A escolaridade está associada com a produtividade e explica boa parte da diferença da renda dos trabalhadores. 

De acordo com o professor da FGV EESP e coordenador da pesquisa, André Portela, a educação é essencial para o desenvolvimento econômico de um país.  “A literatura é clara em apontar que a acumulação de capital humano é um dos principais motores do crescimento e o principal canal para a realização das aspirações das pessoas. O foco dessa agenda deveria ser voltado aos investimentos públicos na qualidade da educação e na formação de capital humano desde os primeiros anos de vida”, aponta Portela.

O estudo é uma síntese das principais evidências científicas acerca da relação entre qualidade da educação e crescimento econômico, incluindo artigos de autores que são grandes referências na área, como Eric Hanushek, pesquisador da Universidade de Stanford.

Um grande desafio dessa literatura é encontrar uma forma adequada de mensurar a qualidade do ensino. A abordagem mais amplamente utilizada atualmente é aquela que explora os resultados de provas padronizadas internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) e o Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), para medir o desempenho educacional dos alunos de cada país. Essa abordagem é preferida a estratégias utilizadas anteriormente, como medidas de anos de escolaridade, taxas de alfabetização ou taxas de matrícula da população, porque incorpora um aspecto importante na análise: o de que qualidade e quantidade de educação não são equivalentes.

Há evidências na literatura especializada de que é exatamente a qualidade da educação (medidas pelos testes padronizados) que está relacionada ao crescimento econômico, e não a quantidade (medida pelos anos de escolaridade). Além disso, alguns estudos indicam que o retorno de se investir em educação é maior em países de renda mais baixa: elevar as habilidades dos estudantes apresenta maior potencial sobre o crescimento econômico do que apenas garantir o acesso à educação, sem aumento de habilidades. A estratégia conjunta, porém, é a de maior retorno: garantir aumento de habilidades simultaneamente ao acesso à educação elevaria o PIB em até 28% para países de renda média-baixa, 16% para países de renda média-alta, e menos de 10% para países de renda alta.

Todos os artigos analisados convergem na conclusão de que há impactos positivos de se elevar o desempenho educacional dos alunos sobre o crescimento econômico dos países. Os estudos indicam que um aumento na nota média dos alunos nos testes padronizados está associado a um aumento no crescimento anual médio, com estimativas entre 1 e 2,2 pontos percentuais no PIB per capita para cada desvio-padrão de aumento nas notas, na média do período analisado.

“Há 40 anos o Brasil segue crescendo abaixo do seu potencial e da média do mundo. Neste período, tivemos avanços significativos no acesso à educação, mas que não se refletiu na mesma proporção em ganhos na aprendizagem dos estudantes. A qualidade educacional – com equidade, sobretudo racial  – deve ser uma prioridade para o desenvolvimento do país e para dar condições para que os brasileiros desenvolvam o seu máximo potencial”, diz Daniel De Bonis, diretor de Conhecimento, Dados e Pesquisa da Fundação Lemann.

A comparação da situação educacional brasileira com o restante do mundo revela que o Brasil está ainda muito aquém dos países desenvolvidos, e mesmo de diversos países em desenvolvimento. Conforme os resultados dos exames de matemática e ciências do PISA de 2018, o Brasil se encontra nas últimas posições do ranking internacional de educação entre os 79 países participantes, atrás de todos os países desenvolvidos e grande parte dos países em desenvolvimento, incluindo Costa Rica, México e Uruguai, por exemplo.

Além disso, segundo estudo realizado pelo Banco Mundial, se o Brasil mantivesse os mesmos níveis de crescimento de capital humano (medido pelo Índice de Capital Humano) dos anos recentes, levaria uma década para alcançar o nível do Chile, por exemplo, e seriam necessárias três décadas ou mais para alcançar os níveis de países como Portugal e Japão. Essa defasagem, por sua vez, implica diretamente em perdas expressivas de crescimento econômico: o mesmo estudo do Banco Mundial conclui que  o PIB per capita brasileiro poderia ser 66% maior se o país provesse educação e saúde de qualidade para toda sua população.

A situação piorou ainda mais com a pandemia de COVID-19. Os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2021 mostram um retrocesso sem precedentes no aprendizado dos alunos durante os anos de ensino a distância. Segundo os resultados divulgados pelo Inep/Ministério da Educação, o Brasil apresentou perda de desempenho educacional em todas as disciplinas analisadas e em todos os ciclos do ensino básico quando comparados com os resultados de 2019. Os indicadores apontam que o nível de proficiência média dos alunos do 9º ano na disciplina de matemática caiu para os níveis de 2015, enquanto a proficiência desses alunos na disciplina de língua portuguesa caiu para os níveis de 2017.

Mesmo antes dos resultados mais recentes do SAEB, estudos já evidenciavam a perda de aprendizagem ocorrida no Brasil entre 2019 e 2021. Nesse período, a proporção de crianças entre 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever aumentou em mais de 15 pontos percentuais, equivalentes a mais de um milhão de crianças (World Bank, 2022). Além disso, os alunos brasileiros aprenderam apenas 27,5% do que teriam aprendido se estivessem em ensino presencial em 2020 e, para além do efeito direto sobre aprendizagem, a pandemia elevou o risco de abandono em mais de 300% (Lichand, Doria, Leal-Neto, e Fernandes, 2022). Resultados obtidos por Hanushek e Woessmann (2020), por exemplo, indicam que uma perda de aprendizagem equivalente a dois terços de um ano letivo está associada a uma redução de 4,2 trilhões de dólares no valor presente do PIB brasileiro do restante do século, o equivalente a 136% do PIB de 2019. Diante desse cenário, a agenda de investimentos em educação se faz ainda mais urgente no Brasil.

 

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