No contexto brasileiro, terreno fértil para a
agressividade que deriva do bullying, todos devem ser tratados, tanto quem
recebe as intimidações, quanto os intimidadores
"Precisamos ficar atentos tanto para quem faz o bullying, quanto para aquele que sofre. A gente tem que levar a sério, porque pode começar como uma sensação de exclusão e de alguma forma virar uma vingança", afirma Dra. Julia Trindade, Psiquiatra Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. Não parece, mas a frase foi dita antes do ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo, por um garoto do 8o. ano, de 13 anos de idade.
Este caso recente, que as evidências indicam ter sido premeditado, se incorpora às estatísticas que destacam as escolas do Brasil como ambiente fértil para situações de intimidação, ou bullying. Em 2019, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou um estudo global, entrevistando 250 mil professores e líderes de escola, em 48 países/regiões. O resultado mostrou o Brasil como contexto mais propício ao bullying do que a grande maioria dos demais países.
A
Dra. Julia Trindade explica que quando um adolescente é alvo de bullying, ele
pode experimentar uma série de emoções negativas, como medo, ansiedade,
depressão e raiva, que podem levar a comportamentos perigosos ou violentos,
especialmente em casos extremos. "Se essa criança é constantemente
intimidada e humilhada, isso pode afetar sua autoestima e autoconfiança. Eles
podem começar a se sentir desesperados e sem esperança, sem saber como lidar
com a situação. Isso pode levar a comportamentos autodestrutivos, como o uso de
drogas e álcool, bem como a comportamentos violentos, como o uso de armas ou o
planejamento de um ataque violento contra seus agressores. E, muitas vezes,
contra a própria sociedade que não o acolheu, seja o professor, o diretor da
escola, as vítimas envolvidas", explica.
Atenção e cuidado com todo o contexto
Segundo a especialista, não só aqueles que sofrem ou fazem bullying, mas todo o ecossistema precisa, com urgência, tratar essa questão na raiz. "A necessidade de um grupo é muito grande, especialmente nessa fase da adolescência. É uma criança buscando identificação, aprovação externa e quando se sente excluída desse grupo a que quer pertencer, onde ela sofre uma ofensa, isso tem um peso enorme", contextualiza a Dra Julia.
Na
visão dela, a criança ou o adolescente que pratica bullying também precisa de
amparo. "Esse comportamento pode esconder um desejo de poder ou controle,
uma pressão social, falta de empatia, exposição à violência, dificuldades em
lidar com emoções e até mesmo um transtorno mental", explica, ao
continuar: "Se o adolescente já tiver uma tendência genética, combinada
com um ambiente invalidante, temos uma combinação 'bomba' para um transtorno mental,
alerta.
Incentivos silenciosos dentro de casa
Dra. Julia salienta ainda o estímulo à violência que ainda é culturalmente normalizado na educação principalmente de meninos. "Frases como 'Bate nele, revida!'; 'Se apanhar na rua, vai apanhar em casa também', são ainda comuns na educação de crianças", lamenta a psiquiatra.
Por isso, a psiquiatra recomenda atenção e cuidado com os comportamentos de todos em casa. Muitas vezes, o pai ou a mãe se referir a colegas de trabalho, por exemplo, por apelidos, estimula "sem querer" o mesmo comportamento na criança. Muitas vezes, apelidos dados pelos próprios pais aos filhos podem engatilhar processos como esses mais graves. "A criança reproduz aquilo que escuta em casa. Os próprios pais, muitas vezes, fazem bullying com os filhos, com a questão do peso, de ir mal na escola", relata a especialista, indicando a urgência em aprender regulação emocional também por parte dos pais e cuidadores.
Dessa
forma, os educadores em casa devem estar aptos a se dedicar à formação mental
saudável da criança. "Precisamos lembrar que a criança ainda não tem todas
as habilidades sociais para lidar com as situações e isso pode levar a
comportamentos impulsivos e agressivos. Quando elas não sabem como expressar
suas emoções, a raiva pode ser uma resposta natural. As crianças não têm o
córtex pré-frontal formado o suficiente para poder ter um controle inibitório,
então a sensação vem e a resposta principal pode ser a raiva e não a
tristeza", explica a psiquiatra.
Contexto atual, culto ao ódio
Por fim, Dra. Julia também lembra como o acesso fácil à internet e a comunidades de grupos de ódio facilita e estimula ações brutais. As investigações mais atuais do caso da Escola Estadual Thomazia Montoro dão conta de que o ataque que assassinou uma professora e deixou 4 feridos foi pautado em vingança, mas já havia motivação pura por esse tipo de ataque antes mesmo do estudante se matricular na escola em que realizou as agressões. Como se sabe, ele chegou até a anunciar o ataque na rede social horas antes. "Aquela sensação de não identificação com os outros é substituída por um local onde essa pessoa se identifica com alguma coisa e, a partir daí, começa a ter ações para cada vez mais pertencer a esse novo grupo que se inseriu", explica a médica.
Dra. Julia Trindade – Psiquiatra - Médica Psiquiatra - CRM 24363 - RQE 1489. Formada em Medicina pelo Universidade Federal de Pelotas, e Psiquiatra pela Universidade Federal de Santa Maria. Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria. Pós-graduada em Neurociências do Comportamento pela PUCRS. Especialista em Terapia Dialética Comportamental. Certificada pela Harvard Medical School em General Pschychiatric Management for Borderline Personality Disorder. Possui formação em Mindfulness para saúde do Instituto BreathWorks. Especialização em andamento em autismo. Projeto Farmacologia Aplicada à Medicina para o tratamento de paciente com TEPT (Transtorno do Estresse Pós-traumático). Psiquiatra Geral e da Infância e Adolescência na Rede Municipal de Biguaçu de 2017 a 2019 Curso de manejo de pacientes na emergência psiquiátrica.
drajuliatrindade
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