O hidrogênio verde pode desempenhar um papel fundamental para ajudar o mundo a reduzir as emissões de gases de efeito estufa com objetivo de alcançar o “net-zero emissions” até 2050. Como complemento a outras tecnologias, incluindo energia renovável e biocombustíveis, o hidrogênio verde tem o potencial para descarbonizar indústrias, incluindo siderurgia, petroquímica, fertilizantes, transporte pesado, navegação marítima e aviação, bem como para ajudar na geração de energia, entre outras aplicações.
O Brasil pode se tornar um dos líderes mundiais na
produção de hidrogênio verde – que utiliza fontes de energia renovável, tais
como eólica, solar e hídrica. De fato, o país reúne atributos inigualáveis,
como fontes renováveis de energia em abundância, rede elétrica integrada de
baixo carbono e uma indústria nacional relevante para geração de demanda – além
de uma posição geográfica estratégica importante para exportar hidrogênio
verde, principalmente para a Europa e os Estados Unidos (EUA).
Segundo estudo recente da McKinsey & Company, o
hidrogênio poderá contribuir com mais de 20% nas reduções de emissões globais
anualmente. No caso do Brasil, a produção pode gerar uma oportunidade total de
USD 15 a 20 bilhões em receitas até 2040, sendo que quase metade deste valor
seria para atender o mercado doméstico, especialmente transporte pesado,
produção de aço e outras indústrias intensivas em energia. Adicionalmente,
outros US$ 4 a 6 bilhões poderiam vir de exportações de derivados verdes para
os EUA e Europa, já que os custos de produção no Brasil seriam mais
competitivos se comparados com exportações de outros países. Ainda assim,
alguns projetos se destacam no Brasil.
No final de 2021, foi anunciada uma joint
venture entre o Governo do Estado do Ceará e o Porto de Roterdã (o
maior e principal da Europa), fazendo com que o complexo do porto de Pecém
passe a abrigar um dos maiores projetos de produção de hidrogênio verde no
país. O projeto, que tem foco na exportação, deve produzir em grande escala
para atender o mercado doméstico, com aplicações em mobilidade pesada,
indústria do aço, produção de químicos e mistura para as redes de transporte de
gases. O fornecimento acontecerá a partir de uma unidade industrial com
capacidade instalada de eletrólise entre 100 MW e 150 MW, durante um período de
ativação que vai até 2026. Porém, o objetivo principal é chegar a 4 GW de
capacidade em 2030.
Em outra importante iniciativa, em meados de 2022,
o complexo Industrial Portuário de Suape anunciou que vai arrendar uma área
para a instalação de uma planta industrial produtora de hidrogênio verde. O
investimento estimado é de US$ 3,5 bilhões, com 1 GW de capacidade de
eletrólise e área de 72,5 hectares. O arrendamento será por 25 anos, sendo
possível prorrogação por igual período. A área situa-se fora da poligonal do
Porto Organizado, sendo administrada diretamente pela estatal
portuária. Na futura fábrica, o hidrogênio verde será produzido a partir
da dessalinização da água do mar.
Outro projeto de destaque é da Unigel (Industria
Química Brasileira Unigel), que anunciou, em janeiro de 2023, que investirá até
US$ 1,5 bilhão na Bahia para produção de hidrogênio verde. O complexo se
destaca como a primeira instalação do país para produção em escala industrial.
Localizada em Camaçari, a fábrica deve ter a primeira de três fases inaugurada
até o fim deste ano, ampliando a capacidade até chegar em 2027 produzindo 100
mil toneladas de hidrogênio, ou 600 mil de um de seus derivados, a amônia.
E, finalmente, também entre os projetos de grande
relevância, estão a Shell Brasil e o Porto do Açu que assinaram, em novembro de
2022, um Memorando de Entendimento (MoU) para o desenvolvimento conjunto de uma
planta-piloto de geração de hidrogênio verde nas instalações do porto,
localizado na região norte do estado do Rio de Janeiro. O projeto deverá ficar
pronto em 2025 e terá capacidade inicial de 10 MW (Mega Watt), podendo chegar a
100 MW, com investimentos estimados entre US$ 60 milhões e US$ 120 milhões.
Observa-se nos projetos mencionados acima que
investimentos no desenvolvimento da infraestrutura estão acontecendo, principalmente
em áreas portuárias para facilitar o acesso de insumos e distribuição do
produto para exportação ou mercado doméstico. Entretanto, para que o hidrogênio
verde tenha contribuição importante na transição energética, é necessário
acelerar o desenvolvimento da infraestrutura de distribuição, a integração de
toda a cadeia de valor e, inevitavelmente, aumentar a produção em grande escala
ao longo da próxima década.
Do lado da demanda, os formuladores de regulação e
política públicas deveriam criar mais incentivos para a economia verde e/ou
taxação para economia fóssil, além de estabelecer cotas para que as empresas
possam desenvolver planos mais agressivos de transição energética.
Evidentemente, estes incentivos e/ou taxação precisam ser bem estruturados para
não criar desequilíbrios concorrenciais e/ou de competividade, além de
considerar as características e nível de desenvolvimento de cada setor da
economia.
A demanda de hidrogênio atingirá adoção em larga
escala somente quando o fornecimento de hidrogênio limpo de baixo custo estiver
disponível. Isso exigirá um aumento na capacidade de eletrólise e
acompanhamento da capacidade de energia renovável, bem como a construção de
infraestrutura de captura, utilização e armazenamento de carbono. Quanto antes
estes investimentos forem feitos para alcançar uma produção em grande escala,
mais rápido será possível alcançar a competividade de custos.
Não dúvidas de que o Brasil poderá ser um dos
lugares mais competitivos do mundo para produzir hidrogênio verde. Para isso, o
país precisa acelerar o desenvolvimento da demanda local e internacional,
preferencialmente com contratos de longo prazo e, assim, garantir o fluxo de
investimentos necessário para realizar os primeiros projetos e as
infraestruturas associadas. Igualmente importante, o país precisa desenvolver
políticas públicas e regulação adequadas para estabelecer um ambiente de
negócios favorável no longo prazo.
Num momento de grandes incertezas, adversidades e
limitações de investimento pelo setor público, atrair o capital privado requer
uma coordenação e equilíbrio eficiente dos vários interesses em questão. Esses
fatores tornam ainda mais crítica a construção de uma agenda de Estado, de
longo prazo, que promova estabilidade, previsibilidade e segurança jurídica para
o setor e para o país. Sem isso, o Brasil corre o sério risco de ficar para
trás – como habitualmente, perdendo o bonde.
Felipe Kury - ex-diretor da ANP – Agência Nacional de Petróleo e
consultor independente.
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