A rotina nos consome. Para quem vive em cidades grandes é praticamente impossível diminuir o ritmo. Se de um lado nos sentimos pressionados pela multidão e pela cobrança dos que estão a nossa volta, por outro nos sentimos solitários em muitos momentos com a sensação de um individualismo que incomoda e liberta ao mesmo tempo.
Neste contexto, as pessoas estão cada vez mais
suscetíveis a quadros de depressão, ansiedade e dores crônicas, com consequente
aumento do absenteísmo, que é o termo usado pela área de Recursos Humanos para
as faltas no trabalho, gerando diminuição da produtividade individual e das
empresas. Ninguém se beneficia deste quadro e para mudá-lo precisamos entender
a causa raiz do problema e como mudar esta realidade. Tudo começa com a mudança
da perspectiva que temos sobre as doenças.
A dor crônica hoje é entendida como um processo
mais parecido com o aprendizado, do que uma sensação. Ela se caracteriza por
uma sensação que perdura por mais do que 3 meses ou uma dor que permaneça mesmo
após a cicatrização de uma lesão. Geralmente está associada a uma memória ou
acontecimento específico, podendo estar conectada a emoções que tenham sido
vivenciadas em algum evento marcante no trabalho ou na vida pessoal. Isso não
quer dizer que a dor seja “psicológica” como muitos costumam referir, mas
entendemos que os sintomas crônicos normalmente são multifatoriais e que muito
comumente associamos em formato de memória sensações físicas, com eventos e
emoções, formando assim uma neuromatriz única, como qualquer outra memória
guardada pelo nosso Sistema Nervoso.
A depressão já foi vista como um quadro que somente
poderia ser tratado a partir de muita terapia e medicação, mas hoje a ciência
nos mostra que exercícios físicos de leve a moderado também ajudam a melhorar
os níveis de serotonina, sendo um recurso valioso nos tratamentos, juntamente
com a psicoterapia e uma possível alternativa para abandonar a medicação à
medida que o quadro estabilize. É muito comum que quadro de dores crônicas
sejam agravados pela depressão em um ciclo vicioso de piora, já que a depressão
também pode ser agravada por dores limitantes e persistentes.
A ansiedade que para alguns pode ser uma grande
tendência desta década, já foi prevista por muitos estudiosos e abordada de
forma precisa nos livros e entrevistas de Zygmunt Bauman sobre o Mundo Líquido
e a dificuldade que temos em lidar com a inevitável inconstância de nossa
realidade e a velocidade cada vez maior com que tudo muda. Durante o tratamento
de dores crônicas, em muitos pacientes, percebemos o quanto a ansiedade
atrapalha a evolução da melhora pela autocobrança de resultados e pela
dificuldade em aceitar o processo de cura, que as vezes demora mais do que o
esperado ou programado. Sempre uma questão de ajuste de expectativa!
Já entendemos que as dores são multifatoriais e que
quadros depressivos e de ansiedade podem piorar os sintomas, mas como devemos
lidar com quadros tão abrangentes? Não existe passe de mágica e nem pílula
milagrosa, em geral é preciso uma equipe multidisciplinar para tratar estes
quadros, mas a fisioterapia tem uma solução que aborda de forma bem abrangente
este tipo de problema.
Primeiro, o fisioterapeuta hoje é um profissional
que tem uma visão totalmente focada no diagnóstico funcional da doença, o que
já é uma mudança de paradigma, já que por anos os diagnósticos foram
direcionados para entender as doenças enquanto entidades e não os processos que
levavam às doenças. Esta abordagem funcional prioriza entender quais são os
fatores que geram piora do quadro e abordá-los de forma segmentada. Um exemplo
é a Fibromialgia, entendida como uma doença sem cura por muitos anos, que tem
três aspectos que devem ser abordados: a dor itinerante (que é referida em
várias partes diferentes do corpo mudando sua localização de tempos em tempos),
a depressão e o sedentarismo. Entendendo que desenvolver a capacidade para
praticar qualquer tipo de atividade física é uma solução que irá abranger os
três aspectos da doença, o fisioterapeuta irá trabalhar com o paciente o aumento
de sua capacidade adaptativa aos exercícios, evitando chegar à fadiga, mas
apresentando ganhos sistemáticos. (Diversos estudos nos últimos anos tem
demonstrado que exercícios físicos controlados são a melhor opção no tratamento
de dores, depressão e sem dúvida no combate ao sedentarismo.)
Segundo, o próprio processo evolutivo do paciente e
aumento de sua capacidade em lidar com a dor e depressão ou ansiedade são uma
mudança de perspectiva por si só, possibilitando uma visão diferente sobre a
doença, como uma consequência de fatores que de certa forma podemos aprender a
controlar, mesmo que não completamente, dando forças para superar situações
cada vez mais complexas, gerando assim maior resiliência dentro de uma rotina
estressante.
A conclusão é que, seja presencialmente ou online,
a fisioterapia se mune de diversos recursos para lidar com estes processos de
dores crônicas associados a quadros emocionais, mudando a perspectiva sobre a
doença e orientando para que os pacientes superem seus limites físicos, muitas
vezes impostos por crenças de que uma artrose ou hérnia de disco seja um quadro
limitante e que o destino seja a cirurgia, como se bloquear o movimento de uma
articulação ou colocar uma prótese, fosse solução para suas dores (claro que em
alguns casos a cirurgia é a melhor solução, mas para isso é importante que
esgotemos todas as possibilidades de tratamentos conservadores, ou seja, não
cirúrgicos). As vezes a percepção inicial pós cirurgia é que o problema foi
resolvido, mas com o passar do tempo vem as compensações e o corpo cobra caro.
Permita-se superar seus limites, mude sua
perspectiva sobre as doenças, entenda mais a fundo e mapeie os processos que
agravam ou que melhoram os sintomas para abordá-los com mudanças em seus
hábitos diários, aumente sua capacidade adaptativa física, mental e,
consequentemente, aumente sua produtividade no trabalho e a qualidade na
convivência familiar. Enfim, reverta um ciclo vicioso em um ciclo virtuoso de
melhora sem esperar milagres, somente as consequências do que cultiva a cada dia
na sua rotina.
Claudio Cotter - Fisioterapeuta, com pós-graduação em Medicina Psicossomática, co-autor do livro “CURA PELO HÁBITO’ e idealizador da CM2 Clínica Multidisciplinar.
www.clinicamultidisciplinar.com.br
www.curapelohabito.com.br
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