O título desse artigo é tirado do refrão de uma música dos Titãs que acho bem conhecida: “O acaso vai me proteger/Enquanto eu andar distraído”.
Parece uma coisa tola, não é mesmo? Andar distraído
na cidade grande parece apenas uma boa forma de cair num buraco ou ser
assaltado. Imagino que a frase tenha uma implicação mais profunda. Andar
distraído pode ser uma forma de desligar nossa Mente Intencional, sempre preocupada
com suas tarefas e preocupações. Um bom jeito de conhecer essa mente tagarela é
tentando silenciá-la, numa Meditação, por exemplo. Isso torna o processo quase
infernal, com um pensamento seguido de outro, numa barulheira sem fim.
Os budistas chamam essa Mente de Monkey Mind, a
Mente Macaco, que fica pulando de galho em galho, de pensamento em pensamento.
A Neurociência chama isso de Rede de Funcionamento Padrão – Default Mode
Network. Diz o ditado popular que a mente desocupada é a oficina do Diabo. Pois
aí está: a oficina do Diabo é a Rede de Funcionamento Padrão, que fica
procurando sarna o tempo todo. O dinheiro vai dar? Esse artigo vai ficar uma
porcaria? Os OVNIs derrubados nos Estados Unidos estavam tentando prevenir uma
Guerra Nuclear iminente? Não para nunca. Um pensamento puxa o outro, tentando
farejar o perigo. Sobretudo, o perigo inexistente. Andar distraído, vendo as
pessoas passarem, sentindo a brisa e os barulhos das pessoas tocando suas
vidas, pode ser um jeito de desligar o blá-blá-blá de nossos pensamentos. A
oficina de angústia de nossas preocupações. Então andar distraído pode
significar desligar as preocupações e isso é ótimo. Mas como o Acaso pode me
proteger?
Talvez toda a história do pensamento e engenho
humano seja uma tentativa de domar o Acaso. O Acaso não costuma ser nosso
amigo. Nem a distração. Sistemas de proteção e segurança tentam evitar que que
algo ruim aconteça. Tite tentou montar uma seleção na Copa do Mundo que fosse
imune ao acaso: todo mundo em sua posição, todo mundo marcando, os mínimos
espaços vigiados. Quando a Croácia fechou a entrada de suas laterais, o Brasil
dependeu de um lampejo de Neymar para fazer um gol na prorrogação. O time achou
que o jogo estava ganho, foi para cima no escanteio, Casemiro não derrubou o
croata e pimba, lá veio o acaso, o contra-ataque e o gol dos caras. O acaso não
nos protegeu quando estávamos distraídos. E mostrou ao obsessivo treinador que
o acaso não pode ser controlado.
A mente preocupada gera um estreitamento de
percepção. O medo faz que enxerguemos sempre o perigo e falta de opções de
futuro. A mente sincronizada percebe o mundo de uma forma mais ampla e as
ideias começam a aparecer. Basta ver a sua capacidade de ter boas ideias quando
tem um chefe berrando nos seus ouvidos ou quando você está rindo numa mesa de
bar. Alguém já se perguntou porque algumas de nossas melhores ideias aparecem
no banho, ou caminhando na praia? A sincronização da mente em uma situação
relaxada permite a criação de novas formas de abordar um problema, ou resolver
uma dúvida. Berrar ou forçar a barra não cria uma solução mais criativa, que
junte vários sistemas de saber e de percepções. Resumindo: o medo e a
Adrenalina estreitam sua percepção, o relaxamento e o divertimento geram
percepções mais ampliadas. O acaso passa a ser seu amigo, porque aparecem
oportunidades que antes não eram percebidas. O Inglês tem um termo muito bacana
para isso: Serendipity. A tradução para o Português, Serendipidade, não ajuda a
entender o termo. Serendipity é a capacidade de enxergar coincidências felizes,
como achar na prateleira um livro antigo com a solução de um problema, ou
cruzar num Café com um antigo colega que te oferece um novo emprego. Em estado
de relaxamento, estamos mais pertos dos acasos felizes, que Jung chamou de
Sincronicidades.
Desligar das preocupações e dos medos pode fazer o
Acaso trabalhar para você e isso é uma forma de proteção. Será que os Titãs, em
sua poesia, sabiam Neurociência?
Marco Antonio Spinelli
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