Área desmatada e queimada no município de Lábrea, no Amazonas. Registro feito em 2021, durante pesquisa de campo 2021 (foto: acervo dos pesquisadores)
Uma área de floresta amazônica equivalente a quase duas vezes o
território de Luxemburgo foi devastada por fogo no sudoeste do Estado do
Amazonas entre 2003 e 2019, incluindo trechos de nove municípios que aparecem
entre os piores colocados em indicadores de desenvolvimento sustentável no
Brasil. Essa zona também já vinha sendo pressionada pelo desmatamento. O
processo se agrava com a extração ilegal de madeira e de outras atividades
ligadas à agropecuária ao longo das duas rodovias que cortam o local.
No período, os incêndios atingiram 4.141 quilômetros quadrados (km2) de floresta, sendo 3.999 km2 de vegetação nativa (primária). Ao destrinchar
os dados por ano, a área afetada pelo fogo variou de 33 km2, em 2011, até o pico de 681 km2, em 2019. Além disso, um total de 6.484 km2 de pastagem e de plantio queimaram nesses 16
anos.
Os dados são parte de estudo publicado na revista Fire por cientistas do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com instituições nacionais e
internacionais.
De acordo
com o trabalho, cujo foco principal é o município de Boca do Acre (AM), a perda
da vegetação por desmatamento tende a aumentar a ocorrência de queimadas,
resultando em uma transformação da paisagem de floresta para trechos agrícolas
e de pastagens, principalmente próximos às rodovias BR-317 e BR-364.
Fatores
temporais, como o agravamento da estação seca ou maior frequência de eventos
extremos, também influenciaram, tornando propícia a propagação do fogo
provocado pelo manejo humano. Normalmente, regiões previamente desmatadas
funcionam como combustível para as queimadas devido ao acúmulo de matéria
orgânica.
Por outro lado, áreas protegidas, incluindo unidades de conservação e
terras indígenas (TIs), funcionaram como uma espécie de barreira para conter a
devastação da floresta. Entre 2003 e 2019, 1,3% delas foi queimado, ou seja,
189,13 km2, sendo a maior parte nas TIs Boca do Acre e
Apurinã, próximas a rodovias e propriedades rurais.
“Nosso trabalho identifica a extensão e as tendências de ocorrência de
queimadas em relação às mudanças na cobertura do solo e do clima, apontando
áreas prioritárias para preservação. Também analisamos como são suscetíveis ao
fogo os trechos de florestas públicas não destinadas, que são terras do Estado
brasileiro aguardando destinação e margeiam propriedades rurais. Isso é
preocupante. Os novos desmatamentos estão cada vez mais próximos a áreas
protegidas, deixando-as ainda mais vulneráveis”, afirma a engenheira ambiental
e sanitarista Débora Dutra,
colaboradora do Cemaden. Ela é primeira autora do artigo e bolsista da
FAPESP.
Para a pesquisadora do Cemaden Liana Anderson,
orientadora de Dutra, além de o estudo fornecer uma avaliação abrangente dos
padrões das áreas queimadas, ele permite compreender o processo do fogo no
local. “Essa região é chamada de a nova fronteira do desmatamento. Houve uma
primeira onda, que foi engolindo a floresta a partir de Mato Grosso, e essa
frente avançou. Agora vemos um pouco mais para cima, entrando no Estado do
Amazonas. Essa área sofre pressões, mas, por outro lado, as unidades de
conservação e terras indígenas têm servido como barreiras, enfatizando a
importância delas para a manutenção da floresta e de sua sociobiodiversidade”,
completa.
A pesquisa também recebeu apoio da FAPESP por meio de outros dois projetos
(20/08916-8 e 20/15230-5).
A
região
O município de Boca do Acre e seu vizinho Lábrea são o terceiro e o
segundo colocados, respectivamente, com os piores indicadores desenvolvimento
sustentável entre as 5.570 cidades brasileiras, ficando atrás apenas de Santana
do Araguaia, no Pará. Figuram ainda entre os líderes em desmatamento no Estado.
Para a pesquisa, os cientistas analisaram dados de Boca do Acre e
um buffer de 25 km em torno dos limites do município,
incluindo partes de Lábrea, Pauini, Acrelândia, Senador Guiomard, Porto Acre,
Bujari, Sena Madureira e Manoel Urbano. Engloba sete TIs – Apurinã, Boca do
Acre, Camicuã, Igarapé Capana, Inauiní/Teuiní, Peneri/Tacaquiri e
Seruini/Mariene – e três unidades de conservação – Reserva Extrativista
Arapixi, Mapiá-Inauiní e a Floresta Nacional do Purus.
Foram
incluídas, além de dados e imagens de satélites, informações do Cadastro
Ambiental Rural (CAR), que fornece polígonos representando as propriedades
rurais privadas no Brasil. Como na Amazônia é comum a invasão ilegal de terras
públicas por grileiros, os pesquisadores fizeram ajustes para evitar a
sobreposição de imóveis.
“Um dado
muito interessante registrado nessa região é o rápido e contínuo crescimento de
áreas afetadas pelo fogo dentro de florestas públicas não destinadas,
principalmente a partir de 2012, com a aprovação do Código Florestal. No meu
entendimento, existe uma inteligência agindo para identificar exatamente esses
locais, que têm pouca ou menor governança, ficando bastante vulneráveis para
serem focos de atividades seguramente ilegais, posto que são áreas atualmente
aguardando destinação”, diz Anderson.
Uma das
principais pesquisadoras brasileiras na área de impactos de extremos climáticos
e incêndios na Amazônia, Anderson participou de outros trabalhos publicados no
ano passado que trataram do tema.
Um deles, divulgado na revista Nature Ecology & Evolution,
apontou que o acumulado de focos de calor na Amazônia brasileira em agosto e
setembro de 2022 foi o maior desde 2010. Além do volume recorde, superior a 74
mil focos, o grupo verificou que a causa não resultou de seca extrema, como 12
anos antes, mas de ações humanas recentes de desmatamento (leia mais em: agencia.fapesp.br/40164/).
O uso
descontrolado do fogo pelo homem também foi a principal influência, superando
as secas, em queimadas registradas entre 2003 e 2020 em toda a Amazônia,
englobando não só o trecho brasileiro, mas também os outros oito países em que
há floresta. Em média, 32% das áreas queimadas anualmente no bioma foram em
terras agrícolas (dominadas por pastagens), seguidas por campos naturais (29%)
e áreas de florestas maduras (16%).
Ao avaliar o desmatamento e as anomalias de déficit hídrico, o primeiro
fator contribuiu mais do que o segundo para os incêndios no período analisado (leia mais em: agencia.fapesp.br/39913/).
Futuro
Maior e
mais biodiversa floresta tropical do mundo, a Amazônia desempenha importante
papel na regulação do clima global, incluindo os chamados “rios voadores” –
curso de água invisível que circula pela atmosfera. As árvores da floresta
fazem uma espécie de “reciclagem” por meio da evapotranspiração, ou seja, a
água das chuvas que fica retida nas copas das árvores evapora e permanece na
atmosfera em forma de umidade.
Porém, o
desmatamento contribui com a alteração desse ciclo das chuvas, provocando a
intensificação da estação seca em escala local e aumentando a extensão da
vegetação nativa afetada por incêndios florestais. De acordo com as
pesquisadoras, se o desmatamento não for contido, a perspectiva para os
próximos anos é de aumento da área queimada na região.
O estudo
destaca a importância da preservação de unidades de conservação, terras
indígenas e vegetação nativa para frear a derrubada da floresta. Há a
necessidade de incluir estimativas de risco de incêndio e impacto sob os climas
atuais e projetados para o futuro em políticas públicas voltadas para a
Amazônia para evitar a perda dos serviços ecossistêmicos.
“As
discussões de políticas públicas voltadas para a região precisam incluir
questões como o avanço de incêndios, atualizações de planos de manejo do fogo e
a proteção às áreas de preservação”, avalia Dutra.
O artigo Fire Dynamics in an Emerging Deforestation
Frontier in Southwestern Amazonia, Brazil pode ser lido
em: www.mdpi.com/2571-6255/6/1/2.
Luciana Constantino
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/fronteira-emergente-de-desmatamento-no-sudoeste-do-amazonas-registra-aumento-de-incendios/40757/
Nenhum comentário:
Postar um comentário