Estratégia testada na UFSCar possibilita que a transformação ocorra em condição ambiente de temperatura e pressão, o que pode viabilizar, no futuro, o uso desse gás de efeito estufa na produção de combustíveis. O processo atualmente empregado em indústrias químicas consome grande quantidade de energia (foto: acervo dos pesquisadores)
Um grupo de pesquisadores brasileiros
conseguiu converter metano em metanol usando luz e metais de transição
dispersos, como o cobre, em um processo de foto-oxidação. O trabalho foi
publicado na revista científica Chemical Communications e,
segundo o artigo, foi o melhor desempenho relatado até agora para a conversão
do gás no combustível líquido em condição ambiente de temperatura e
pressão – 25 °C e 1 bar, respectivamente.
O bar, do grego barys (que significa “pesado”), é uma unidade de pressão
equivalente a 100 mil pascais (105 Pa) – valor muito próximo ao da pressão
atmosférica padrão (101.325 Pa).
O
resultado do trabalho é um importante passo no aproveitamento do gás natural,
podendo viabilizar essa fonte de energia para a produção de combustíveis no
futuro, vindo a ser uma alternativa à gasolina e ao diesel. Apesar de ser
considerado fóssil, a conversão do gás natural em metanol gera menos dióxido de
carbono (CO2) quando comparado a outros tipos de combustíveis líquidos dessa
categoria.
No mercado
brasileiro, o metanol tem papel crucial para a produção de biodiesel e para a
indústria química, sendo usado como insumo para sintetizar inúmeros produtos
químicos.
Além
disso, a captura de metano da atmosfera tem um papel relevante para mitigar os
efeitos das mudanças climáticas, já que esse gás tem 25 vezes mais potencial de
contribuir com o aquecimento global do que o CO2, por exemplo.
“Há no meio científico um grande
debate sobre a quantidade de reservas de metano existentes no mundo. Estima-se
que elas tenham o dobro do potencial energético de todos os demais combustíveis
fósseis existentes. Na transição para energias renováveis, teremos de contar
com o metano em algum momento”, explica à Agência FAPESP o
doutorando Marcos da Silva, do Departamento de Química da Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar), primeiro autor do artigo.
O estudo recebeu apoio da FAPESP por
meio de dois projetos (20/14741-6 e 21/11162-8) e
também da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Para o professor da UFSCar Ivo Freitas Teixeira,
orientador de Silva e autor correspondente do artigo, uma das novidades da
pesquisa foi o fotocalisador. “A grande inovação obtida pelo nosso grupo foi
oxidar em uma única etapa o metano. Na indústria química, essa transformação
ocorre por meio da produção de hidrogênio e CO2 realizada em pelo menos duas
etapas e com condições de temperatura e pressão muito altas. Conseguir fazer
isso em condições mais brandas, gastando menos energia e obtendo metanol é um
avanço”, afirma Teixeira.
Segundo o
professor, os resultados abrem caminho para que novas pesquisas busquem adotar
a energia solar como o promotor desse processo, reduzindo ainda mais o impacto
ambiental.
Passo a passo
Em
laboratório, os cientistas sintetizaram nitretos de carbono cristalino (PHI)
com metais de transição não nobres ou abundantes, principalmente cobre, gerando
fotocatalisadores ativos de luz visível.
Esses fotocatalisadores foram
empregados em reações de oxidação de metano usando peróxido de hidrogênio como
iniciador. O catalisador de cobre-PHI gerou grandes quantidades de produtos
líquidos oxigenados, especialmente metanol (2.900 µmol.g-1, unidade de medida chamada micromole por grama de
material), em um período de quatro horas.
“Descobrimos
qual o melhor catalisador e outras condições essenciais para a reação química,
como o uso de muita água e apenas um pouco de peróxido de hidrogênio, que é um
agente oxidante. Agora, para os próximos passos, precisamos entender um pouco
mais os sítios ativos de cobre no material e o papel deles na reação. E
pretendemos também utilizar diretamente o oxigênio para, em tese, produzir o
peróxido de hidrogênio na própria reação, tornando o processo ainda mais seguro
e economicamente viável”, complementa Teixeira.
De acordo com o professor, outro
ponto que o grupo continuará a pesquisar está ligado ao cobre. “Trabalhamos com
cobre disperso. Quando finalizamos o artigo ainda não sabíamos se eram átomos
isolados ou clusters. Hoje sabemos que
são clusters”, afirma.
No estudo,
os cientistas trabalharam com metano puro. No entanto, pretendem no futuro usar
fontes renováveis, como o gás extraído de biomassa.
De acordo
com a Organização das Nações Unidas (ONU), o metano tem sido responsável por
cerca de 30% do aquecimento global desde a época pré-industrial. Para a ONU, as
emissões de metano causadas pelo ser humano poderiam ser reduzidas em até 45%
na próxima década, evitando quase 0,3°C de aquecimento global até 2045.
Os
pesquisadores lembram que ainda é novo esse tipo de estratégia de conversão do
gás em combustível líquido usando fotocatalisador, não estando ainda disponível
comercialmente, mas com grande potencial nos próximos anos. “Começamos nosso
trabalho há mais de quatro anos. Agora obtivemos um resultado muito melhor do
que o registrado pelo grupo do professor Hutchings em 2017, que motivou nosso
trabalho”, diz Teixeira.
Ele se refere ao estudo publicado por
um grupo de cientistas de universidades dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha na
revista Science, liderado pelo professor Graham Hutchings, da
Cardiff University.
O artigo Selective methane photooxidation into methanol under mild
conditions promoted by highly dispersed Cu atoms on crystalline carbon nitrides pode
ser lido em: https://pubs.rsc.org/en/content/articlelanding/2022/cc/d2cc01757a.
Luciana
Constantino
Agência FAPESP
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