sexta-feira, 27 de maio de 2022

As Funções Executivas e o desempenho profissional

Desde os anos 2000 proliferam no país faculdades presenciais e EAD ofertando graduação, pós-graduação e MBA, entre outros cursos. Aqueles que se inscrevem nesses cursos geralmente querem aprimorar seus currículos, principalmente com o aumento da demanda de conhecimentos que os avanços tecnológicos exigem, já que alteram a realidade em que vivemos, principalmente a profissional.

Apesar do aprimoramento ser fundamental para a manutenção do emprego e crescimento profissional, ele não irá, necessariamente, trazer maior produtividade nos serviços prestados. Produtividade ligada à qualidade e eficiência não depende exclusivamente da capacidade técnica do empregado, apesar da ausência de capacitação e aprimoramento gerarem, forçosamente, deficiência na prestação de serviços.

Da mesma forma que a pessoa mais inteligente pode não ser o melhor empregado, o aumento de titulações e cursos também pode não garantir a permanência no emprego. Isto porque as queixas mais comuns dos empregadores não são consequência da falta de quociente intelectual, vulgo QI, ou de capacitação técnica e sim da deficiência no desenvolvimento das Funções Executivas.

As Funções Executivas são um conjunto de capacidades que permitem ao sujeito executar ações necessárias para atingir um objetivo. São habilidades que irão direcionar e coordenar o comportamento conforme a necessidade, permitindo mudanças rápidas e flexíveis diante das novas situações que se apresentam.

Quando se tem as Funções Executivas desenvolvidas, a pessoa tem maior domínio dos seus impulsos e reflete antes de fazer ou falar, consegue trabalhar mentalmente com várias ideias, cria soluções para situações inesperadas, mantém o foco e concentração nas atividades que desempenha e, apesar das distrações ou interrupções, conclui o trabalho no prazo, conseguindo ainda ver uma situação sob diferentes prismas.

O bom funcionamento dessas funções significa boa capacidade de organização e planejamento, principalmente quando a atividade possui muitas etapas e a finalização se dará a longo prazo. Acrescenta-se se ainda a habilidade de realizar vários e diferentes trabalhos de forma simultânea, corrigindo erros que impendem de se chegar ao objetivo desejado.

Estamos aqui analisando o impacto das Funções Executivas na qualidade da prestação de serviços, mas é preciso deixar claro que essas habilidades também irão influenciar e resultar em qualidade de vida do indivíduo nos âmbitos familiar, social e pessoal e não só na área profissional. Essas habilidades englobam:

  • atenção - sustentação, foco, fixação, seleção de dados relevantes dos irrelevantes, etc;
  • percepção -intra e inter neurossensorial, meta-integrativa, analítica e sintética;
  • memória de trabalho - localização, recuperação, manipulação, julgamento e utilização da informação relevante;
  • controle - iniciação, persistência, esforço, inibição, regulação e autoavaliação;
  • ideação - improvisação, raciocínio indutivo e dedutivo, precisão e conclusão de tarefas;
  • planificação e a antecipação - priorização, ordenação, hierarquização e predição de tarefas visando a atingir objetivos;
  • flexibilização - autocrítica, alteração de condutas e estratégias, detecção de erros e obstáculos, busca intencional de soluções;
  • metacognição - auto-organização, sistematização, revisão e supervisão;
  • decisão -aplicação de diferentes resoluções de problemas, gestão do tempo;
  • execução - finalização e verificação, retroação e referenciação

Ninguém nasce com as Funções desenvolvidas. Localizadas no córtex pré-frontal do cérebro, elas concluem seu desenvolvimento por volta dos 25 anos, em média, sendo seu ápice durante a primeira infância, até os 6 anos. Entretanto, como toda habilidade, se não for praticada ela será perdida.

A realidade que se apresenta hoje é preocupante. As crianças com acesso à tecnologia não brincam como antes, resumindo seus dias à frente da tela de um computador, celular ou ainda em frente à televisão. Desta forma, habilidades fundamentais, inclusive para o aprendizado escolar, como atenção e memória, não estão sendo desenvolvidas como antes e o que se adquire não é praticado nos anos que se seguem.

Se os avanços tecnológicos trouxeram impactos positivos em todas as áreas também é latente o fato de estarmos substituindo nosso cérebro pelo uso de um aparelho tecnológico, principalmente celular, deixando de desenvolver as habilidades que delegamos para os aparelhos eletrônicos. Memorizar senhas, horários, compromissos, canais de televisão, sites, números de telefones e informações pesquisadas se tornou totalmente desnecessário e até retrógrado diante dos recursos oferecidos pelos aparelhos.

Estes avanços trarão sérios impactos nas Funções Executivas e na qualidade da prestação de serviço, independentemente da titulação ou nível intelectual. A presença tecnológica em todas as áreas da vida vem trazendo sérios prejuízos no desenvolvimento de algumas habilidades cerebrais ou mesmo a manutenção destas habilidades, pois o comodismo irá significar a substituição do uso do cérebro pelo uso da máquina.

Diante da lógica dos algoritmos, onde se prioriza conteúdos de interesse do usuário de forma dinâmica e interativa, ações monótonas, repetitivas e, que demandam concentração por longo tempo serão muito desafiadoras e difíceis.

É o que constatamos em uma reunião ou treinamento onde a plateia sistematicamente desvia sua atenção para o celular em curto período de tempo, deixando de prestar a atenção. Este ato nada mais é que o cérebro “implorando” por algo mais dinâmico e de seu interesse, apesar da importância do assunto debatido na reunião. E, como consequência destas distrações, a retenção e memorização do que foi dito ficarão prejudicadas.

Para um arquivamento de informações no cérebro é preciso que a entrada dessas informações seja “limpa”, sem outras informações concorrendo com as que é preciso armazenar. Quando o indivíduo desvia sua atenção para um celular ou para seus pensamentos não está mais permitindo o arquivamento das informações com a qualidade necessária. Em outras palavras, muitos problemas que se apresentam no trabalho como ações diferentes das propostas, metas não atingidas, necessidade de repetir ordens sobre as condutas a serem tomadas, abstração de detalhes importantes, perda de prazos, trabalhos incompletos, procrastinação, esquecimentos, desmotivação, incapacidade de ver alternativas mais viáveis ou diferentes, ações ou falas impensadas, entre outras condutas, são reflexo da perda das habilidades das Funções Executivas.

Se deixar de usar um celular ou computador é impraticável, para melhorar a própria performance e, consequentemente, a produtividade é preciso compensar os danos causados por estes aparelhos exercitando principalmente a atenção e a memória.

Em um passado recente, a vida diária nos fazia treinar essas habilidades mesmo sem querer. Hoje é necessário ações direcionadas a estes objetivos. O exercício e consequente melhoria da atenção, memória, planejamento, organização e autorregulação das emoções incluindo frustrações serão o melhor investimento que o empregado fará e que trará maior contribuição para seu crescimento profissional.

A própria tecnologia nos oferece treinos com este propósito como jogos on-line que trabalham estas habilidades. Muitos deles são uma releitura de jogos que fizeram parte da infância de muitas pessoas como jogo da memória, Genius, Jogo dos 7 Erros, Quebra Cabeça e Onde está Wally, entre outros.

Estes exercícios precisam ser diários e intencionais, aumentando a dificuldade ao longo do tempo. É necessário que a pessoa entenda os prejuízos que está tendo nestas habilidades e busque melhorá-las a todo momento. Aliadas a melhoria das Funções Executivas, as outras ações com o propósito de crescimento profissional, como cursos de capacitação ou pós-graduação, serão beneficiadas já que não é possível ter aprendizado sem atenção e memória. São essas ações que trarão a produtividade almejada pela empresa e a evolução do profissional diante da qualidade da prestação de seus serviços.

  

KEILA CHICRALLA - Neuropsicopedagoda, Keila Cricralla é pós-graduada em Neurociências Pedagógicas e em Educação Especial. Especialista em Funções Executivas, também possui doutourado em Direito;

@keilachicrallaoficial


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