terça-feira, 29 de março de 2022

O labirinto de quem convive com a neuromielite óptica

 

Certa vez me perguntaram: “como é ter uma doença autoimune como a sua?”. Confesso que um filme passou pela minha cabeça. Os sentimentos se misturavam e muitas emoções surgiram. As lembranças vieram por meio de várias cenas: os primeiros sintomas, as dores, muitos e muitos exames, o diagnóstico, os medos, as sequelas, as dificuldades da adaptação, os possíveis tratamentos, o desconhecido. Agora eu tinha um novo “normal”. E uma simples pergunta abriu um labirinto na minha mente com inúmeros corredores que, muitas vezes, davam em caminhos sem saída.

Quem já se aventurou em um labirinto sabe da ansiedade inicial que toma conta. Um misto de animação com a vontade de vencer e de não se dar por vencido. À medida que percorremos o caminho aparecem as dificuldades. A mente dá um nó e você se confunde se questionando se já passou ou não por aquele corredor. A angústia vem. A fragilidade também. A dúvida faz a gente parar e avaliar as possíveis rotas. Qual o melhor lado? Para onde ir agora? O que fazer? A intuição e a coragem aparecem com respostas rápidas e você pensa: “não dá pra voltar porque eu nem sei o caminho de volta. É preciso seguir”.

E foi assim que eu respondi como é ter uma doença autoimune rara: “é difícil, tem dias bons e ruins, mas principalmente é cansativo pelas lutas que precisamos travar”. Penso que essas lutas são de uma vida toda, pois a cada momento algo diferente nos pega e nos revira. É preciso ter calma e perseverar. Enfim, se a ideia é viver bem e com saúde, a luta vai com a gente até o fim. É assim com todos os inúmeros corredores desse labirinto chamado vida, mas para quem tem uma doença autoimune o labirinto apresenta outras emoções.

O labirinto de uma pessoa com Neuromielite Óptica tem nuances que mudam com o tempo. As paredes (ou dificuldades) não são estáticas, elas se moldam, apresentam novos desafios e a gente precisa se adaptar muitas vezes. Como se o labirinto tivesse vida própria e essa se torna uma boa explicação para uma doença autoimune. É como se você estivesse caminhando, seguindo bem sua vida, com os altos e baixos que ela tem, mas aí algo novo surge abrindo mil corredores novos para você passar. Alguns são escuros, outros estreitos, outros que você não consegue avistar o fim. A realidade de uma pessoa que convive com doença autoimune é assim. Nós não sabemos o que virá no dia seguinte. As crises ou surtos, como são chamadas as manifestações da NMO, vem de repente, de surpresa mesmo, mudando todo o curso do caminho que estávamos fazendo.

Quando penso nos corredores sem saída, me vem à mente um corredor que talvez seja um dos mais sofridos: o de um paciente sem acesso ao tratamento. É como conviver com um problema sem solução, sem perspectiva. É viver a angústia de não saber se irá melhorar ou piorar. Nós vivemos um momento em que nunca se valorizou tanto estudos e evidências científicas, nunca na história foi colocado tanto a prova como as medicações são necessárias e fazem a diferença.

No caso das doenças raras faltam medicações específicas, estudos e apoio governamental. Hoje, no nosso país, ainda não temos um Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para NMO. Isso significa que a maioria dos pacientes tem acesso às medicações por meio de “mentiras”. Os médicos precisam dizer que temos esclerose múltipla ou outra doença para nos enquadrar no sistema e termos acesso ao pouco de tratamento disponibilizado. A sensação que temos é que não existimos. Falta alguém que nos enxergue em nossa totalidade. O direito a um PCDT é apenas o início da nossa luta. Um papel timbrado, assinado e publicado que diga o caminho a seguir nesse labirinto escuro da vida de uma pessoa com NMO. Afinal, ter um tratamento para uma doença é a chance de viver com mais possibilidades e poder, assim, caminhar com mais segurança e dignidade.

  

Marcela Borges Mustefaga


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