domingo, 27 de fevereiro de 2022

Consumo de álcool na pandemia: qual o limite entre lazer e vício?


Entre as diversas consequências da pandemia que já perdura dois anos, o uso nocivo de álcool e drogas e seus efeitos na saúde mental têm causado muita preocupação em especialistas da área da saúde.

Diferentemente do que foi divulgado equivocadamente no início da pandemia, o álcool, especialmente o consumo excessivo, enfraquece o sistema imunológico e diminui a capacidade de o organismo combater as doenças infecciosas bacterianas e virais, como a Covid-19.

Além disso, o consumo de álcool está vinculado a mais de 230 doenças, sendo responsável pelo agravamento de problemas hepáticos, cardiovasculares, câncer, tuberculose e HIV/Aids, pelo resultado dos efeitos teratogênicos, tóxicos e imunossupressores do etanol, além de aumentar os casos de violência e suicídio.

O alcoolismo, hoje, é uma das principais causas de mortalidade evitável no mundo, responsável por 3 milhões de óbitos a cada ano, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde).

Na saúde mental, o impacto do consumo de álcool ocorre tanto em curto como em longo prazo e está relacionado ao efeito depressor que ele causa no Sistema Nervoso Central e à ação sobre os neurotransmissores, como GABA, Glutamato, Serotonina, dopamina e outros, podendo precipitar episódios de violência e agravar quadros de depressão e ansiedade.

Com apenas algumas doses, o álcool pode produzir danos detectáveis à memória, causando episódios de amnésia, conhecidos como “branco”, no qual o indivíduo não consegue se lembrar de detalhes de um evento ou até mesmo de um evento inteiro.

A exposição repetida ao álcool pode causar, ainda, danos cerebrais e tolerância, levando ao consumo de quantidades cada vez maiores, até que a dependência química se instala. Em longo prazo, o uso excessivo pode causar doenças irreversíveis, como cirrose hepática e demências, como a Síndrome de Wenicke-Korsakoff, um distúrbio mental causado por uma deficiência de tiamina, encontrada principalmente em alcoólatras e pessoas desnutridas.

Para tentar aliviar o estresse e preocupações cotidianas, sobretudo devido ao isolamento social imposto pela pandemia, muitas pessoas recorreram ao álcool no ambiente domiciliar. Estudos realizados pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em 2020, confirmam que esta preocupação tem sentido: cerca de 52% dos entrevistados citaram pelo menos um dos sintomas emocionais, como ansiedade, nervosismo, insônia, preocupação, medo, irritabilidade e dificuldade para relaxar, para justificar o aumento no consumo de álcool. No Brasil, uma pesquisa realizada pela plataforma “Compre & Confie” indica que a venda online de bebidas alcoólicas subiu 93,9% no período entre fevereiro e maio de 2020, em comparação ao ano anterior.

A busca pelo uso de álcool em situações de estresse ocorre pela impressão de relaxamento que ele causa na fase inicial do uso. Porém, este efeito, chamado de depressor do sistema nervoso central, traz diversas consequências negativas.

Em crianças e adolescentes, ainda serão necessários alguns anos para identificarmos os prejuízos decorrentes da convivência com adultos que aumentaram o consumo de bebida alcoólica durante a pandemia, mas acredita-se que a exposição exacerbada esteja associada à iniciação precoce, pela facilidade do acesso, percepção de aceitação social do consumo e mudança negativa no padrão normativo destes jovens, fazendo com que eles passem a interpretar o beber como algo cotidiano.

A história mostra que o abuso de álcool tende a crescer substancialmente após catástrofes globais, como guerras, exposição a ataques terroristas, situações de luto e crises sanitárias.

Portanto, é possível imaginar que os padrões de consumo de álcool serão aumentados nos próximos anos, com implicações à mortalidade e morbidade associadas. Sendo assim, devemos prestar especial atenção aos métodos adaptativos que escolhemos implementar em nosso estilo de vida neste “novo normal”, para garantir não somente a nossa saúde física, mas sobretudo a saúde mental pelos próximos anos.

 



Dra. Aline Sabino - psiquiatra da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo


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