quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Na Pinacoteca, obras de Alvim Corrêa dialogam com a arte contemporânea para refletir sobre colonialismo, guerra, violência, medo e desej

Além das obras de Alvim Corrêa, brasileiro que ganhou notoriedade ao ilustrar o clássico Guerra dos Mundos no início do século 20, trabalhos de outros 10 artistas contemporâneos integram a mostra

 


O ápice da trajetória de Alvim Corrêa foram as ilustrações da famosa edição em francês, de 1906, do livro A Guerra dos Mundos, de Herbert George Wells, que narra uma invasão de marcianos na terra.

 

A Pinacoteca de São Paulo, museu da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, inaugura a exposição Ninguém teria acreditado: Alvim Corrêa e 10 artistas contemporâneos. A mostra explora temáticas comuns às obras de ficção científica, como invasão alienígena, ao exibir as ilustrações de Corrêa para o célebre livro A Guerra dos Mundos, de Herbert George Wells, que influenciou radicalmente a imaginação de todos em relação à figura do extraterrestre e da guerra entre humanos e alienígenas. A seleção dos trabalhos propõe um paralelo entre as visões fantásticas e sombrias de Corrêa e o imaginário da arte contemporânea, e amplia a discussão para aspectos que atravessam a história, como colonialismo, guerra, violência, preconceito, medo e desejo.

A curadoria é de Fernanda Pitta e Laurens Dhaenens, um desdobramento da parceria da Pinacoteca com a Netwerk Aalst, da Bélgica. A seleção de 43 obras de Alvim Corrêa, Alex Cerveny, Cabelo, Denilson Baniwa, Fernando Gutiérrez Huanchaco, Guerreiro do Divino Amor, Ilê Sartuzi, Luiz Roque, Rivane Neuenschwander, Runo Lagomarsino e Wendy Morris evidencia a complexa relação entre humanidade, novas tecnologias e natureza. Importante ressaltar que a obra sem título (2012), do artista Cabelo, feita de neon e veludo, que está na mostra é uma das 16 aquisições realizadas pela Pinacoteca de São Paulo, em novembro deste ano, por meio do Programa de Patronos.

Alvim Corrêa (Rio de Janeiro, 1876 - Bruxelas, 1910) teve uma carreira breve, morreu jovem e a maior parte dos seus trabalhos se perdeu em um naufrágio. O ápice de sua trajetória foram as ilustrações da famosa edição em francês, de 1906, do livro A Guerra dos Mundos, de Herbert George Wells, que narra uma invasão de marcianos na terra. Não se sabe ao certo como Alvim Corrêa conheceu a obra, mas segundo relatos do próprio Wells, Alvim, fascinado pela história, realizou uma série de ilustrações e foi até a Inglaterra visitá-lo para mostrar os desenhos. A iniciativa do brasileiro deu certo e resultou numa edição de luxo de 500 exemplares com 32 ilustrações em papel couché amarelo e 105 ilustrações, 42 delas publicadas como gravuras destacáveis no livro. Na mostra, o visitante poderá conferir um exemplar dessa publicação em francês, edições brasileiras recentes, de 2016 e 2017, além de uma projeção das gravuras que explicita o seu caráter precursor de um imaginário cinematográfico.

Também serão expostos raros estudos do artista, pertencentes à coleção Alexandre Eulálio, do CEDAE Unicamp, crítico literário e grande responsável pela divulgação do trabalho do artista no Brasil, juntamente com José Roberto Teixeira Leite e Pietro Maria Bardi. Convites de mostras organizadas por Eulálio e por Bardi, um cartaz do anúncio do livro A Guerra dos Mundos, além de fotos de Corrêa completam a seleção documental. A reunião dos trabalhos inclui também 11 desenhos eróticos da série Visions Érotiques que Corrêa publicou no início do século 20 sob o pseudônimo Henri Lemort.

Na mostra, a visão dos dez artistas contemporâneos é colocada em diálogo com os desenhos, pinturas e ilustrações de Alvim Corrêa. As obras de Corrêa levam a reflexão sobre a exploração e as lutas, sobre o medo e o desejo para o campo do ficcional e do fantástico, de seres humanos contra os marcianos ou contra seres monstruosos advindos de nossa própria imaginação. Os trabalhos contemporâneos também exploram por meio de diferentes abordagens da ficção, da fantasia e da imaginação, questões que estão no pano de fundo da história de Wells.

Sartuzi, Neuenschwander e Lagomarsino, por exemplo, apresentam em seus trabalhos figuras incomuns com o objetivo de explorar o sentimento humano de repulsa e atração pelo diferente, além da violência, medo e preconceito. Cabelo, por sua vez, apresenta desenhos e um neon onde trabalha narrativas e imagens de seres fantásticos que povoam a sua imaginação. Cerveny também explora seres imaginários e os astros siderais, em ilustrações feitas para poemas do livro Vejam como eu sei escrever, de José Paulo Paes, pertencentes ao acervo da Pinacoteca. Cópias da Bíblia Manual para falar com Deus (2018-2021), que se acredita ter sido transmitida por seres-extraterrestres aos latino-americanos, transcrita e ilustrada pelo artista peruano Fernando Gutierrez Huanchaco, estarão disponíveis para o público na exposição.

A exposição ainda traz o vídeo Zero (2019), de Luiz Roque, que apresenta uma distopia em um roteiro que considera a extinção e um mundo pós-humano. Faz parte também da curadoria o trabalho da artista Wendy Morris, natural da Namíbia, que apresenta uma instalação inédita realizada a partir de sua pesquisa sobre a relação entre colonialismo, escravização, feminismo e resistência. A curadoria também inclui dois trabalhos em vídeo inéditos: Kopheneue (2021), de Denilson Baniwa, e Estudo para um diagrama superficcional: Suíça vs Amazônia, uma guerra supernutricional (2021), de Guerreiro do Divino Amor. As produções trazem visões sobre uma guerra total e apocalíptica mais do que presente, o da destruição do meio-ambiente e das culturas tradicionais que o preservam.


Catálogo

A exposição Ninguém teria acreditado: Alvim Corrêa e 10 artistas contemporâneos conta com catálogo ricamente ilustrado, com texto dos curadores Fernanda Pitta e Laurens Dhaenens, um ensaio de Dhaenens e textos dos artistas contemporâneos Denilson Baniwa e Wendy Morris, que também possuem trabalhos na mostra. A publicação possui 80 páginas e estará disponível na loja física e online do museu.


Lais Myrrha

Ainda na mesma data, 04.12.2021. a instalação O condensador de futuros, da artista Lais Myrrha (Belo Horizonte, 1974), será inaugurada. A obra é construída a partir da redução da cúpula do Senado Federal, que vai aparecer como se estivesse "presa" no octógono, a 1,30m de altura. A intervenção terá um significado indefinido entre abrigo/esconderijo e armadilha; e o público, se assim desejar, poderá atravessar ou adentrar o espaço. O trabalho de Lais Myrrha é marcado por reflexões sobre os territórios, a história, a memória e a política.

 

Curadoria: Fernanda Pitta e Laurens Dhaenens
Artistas: Alvim Corrêa , Alex Cerveny, Cabelo, Denilson Baniwa, Fernando Gutiérrez Huanchaco, Guerreiro do Divino Amor, Ilê Sartuzi, Luiz Roque, Rivane Neuenschwander, Runo Lagomarsino e Wendy Morris.



Edifício Pina Luz

Praça da Luz 2, São Paulo, SP

Período: 04.12.2021 a 11.04.2022

De quarta a segunda, das 10h às 18h
Ingressos com horário marcado e vendas pelo site da Pinacoteca
Aos sábados, a entrada é gratuita mas deve ser reservada com antecedência pelo site


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