A megadiversidade de peixes da Amazônia em uma gota d'água (imagem: David de Santana e Douglas Bastos)
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Publicado na
revista Scientific Reports, o estudo também abordou as
limitações atuais da técnica para o estudo de ambientes altamente diversos,
como o amazônico.
“Precisamos
continuar capturando e identificando os animais pelos métodos tradicionais para
criar bibliotecas de material genético. Elas servirão de referência para
comparar com o que for encontrado nas amostras de água. Com os avanços da
técnica, é possível que em alguns anos possamos saber todos os peixes presentes
num lugar sem capturá-los”, diz Carlos David de Santana, pesquisador associado
do Museu Nacional de História Natural da Smithsonian Institution, nos Estados
Unidos, e primeiro autor do estudo.
O trabalho integra o projeto “Diversidade e evolução de Gymnotiformes”,
apoiado pela FAPESP e coordenado por Naércio Menezes, professor do Museu
de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP). “A extração do DNA de
amostras de água cria uma expectativa extremamente favorável à preservação do
meio ambiente, pois os meios usuais de coleta de amostras de animais que vivem
no ambiente aquático incluem uso de redes e outros apetrechos de pesca, que
acabam causando impactos”, explica Menezes, coautor do artigo.
Durante 18
dias, o grupo de pesquisadores percorreu toda a bacia do rio Javari. Em três
dos 46 pontos onde ocorreram as coletas de peixes foram colhidas amostras
de água. No total, a coleta resultou no surpreendente número de 443 espécies
capturadas, sendo mais de 60 delas novas para a ciência.
Nos pontos
em que o DNA ambiental foi coletado, 201 espécies foram capturadas pelos
métodos tradicionais. A análise do DNA ambiental, porém, só deu conta de
identificar com precisão (em nível de espécie) 58 (26%) das amostras.
“Uma das explicações para isso é a
falta de material genético de referência em bancos de dados que possa servir de
comparação. Nessa localidade em particular, porém, havia ainda o fato de muitas
espécies serem completamente novas, desconhecidas mesmo pelos métodos
tradicionais de identificação”, explica Gislene Torrente-Vilara, professora
do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Santos,
outra coautora do estudo.
A pesquisadora liderou a expedição
como parte do projeto Amazon
Fish, apoiado pela FAPESP, que
resultou numa nova compreensão da distribuição das espécies de peixes da
Amazônia (leia mais em: agencia.fapesp.br/31621).
DNA em 100 mililitros de água
Para
sequenciar o DNA ambiental, os pesquisadores primeiro coletaram amostras de 100
mililitros de água em cada um dos três pontos predeterminados. A água passou
por um filtro através de uma seringa e, então, foi misturada a uma solução que
impede que o DNA se degrade.
Atualmente,
para identificar espécies de peixe presentes no DNA ambiental, o marcador
genético mais utilizado no mundo é um fragmento do DNA mitocondrial conhecido
como 12S. Para encontrar essa pequena parte do código genético na água, os
pesquisadores utilizaram kits de extração de DNA tanto para sangue quanto para
tecidos. Excrementos ou qualquer parte do animal que estiverem na água podem
ser “capturados” pela técnica.
O 12S, no
entanto, é um trecho do código genético com uma evolução lenta. Por isso, possivelmente,
não dará conta de identificar todos os peixes no nível de espécie, uma vez que
na Amazônia muitas divergiram em mais de uma poucos milhões de anos atrás, o
que é considerado recente em termos evolutivos.
Também por
esse motivo, o DNA ambiental foi capaz de fazer um retrato preciso apenas das
ordens de peixes presentes nas amostras. Além disso, foi possível diferenciar
as comunidades presentes em rios daquelas que habitam os igarapés, riachos que
adentram a mata.
Com a
maior diversidade desses animais de água doce no mundo, a Amazônia contabiliza
18 ordens, subdivididas em 60 famílias. São mais de 500 gêneros e um número
superior a 2.700 espécies.
“Mesmo com uma biblioteca adequada
será muito difícil conseguir identificar tudo ao nível de espécie com apenas
esse marcador. Dois poraquês que divergiram recentemente, por exemplo, Electrophorus voltai e E. electricus, poderão aparecer como uma única
espécie”, conta Santana (leia mais sobre as espécies de
poraquê em: agencia.fapesp.br/31422).
Nos
próximos anos, contudo, espera-se que a técnica tenha avançado a ponto de
ser possível sequenciar mais de um trecho de DNA simultaneamente e então
definir com precisão as espécies. Até lá, é preciso criar as bibliotecas
genéticas de referência. Santana acrescenta que pretende catalogar material
genético de pelo menos todas as famílias de peixes amazônicos e da maior parte
dos gêneros.
Nesse
contexto, os autores ressaltam que os museus de história natural são as
instituições ideais para criar as bibliotecas genéticas de referência e
armazenar amostras do ambiente. À medida que as tecnologias avançarem, o
material depositado poderá ser sequenciado com precisão cada vez maior.
“Os museus buscam preservar amostras
da biodiversidade por longuíssimos horizontes temporais, disponibilizando-as
para serem estudadas por gerações futuras. Para manter material genético viável
por tão longo tempo, porém, essas instituições precisam implantar ou expandir
significativamente suas crioinstalações, com readequações de seus espaços
físicos e aquisição maciça de equipamentos como ultra freezers e tanques de
nitrogênio líquido”, conclui Aléssio Datovo, coautor do estudo e
curador de peixes do MZ-USP. A instituição foi a primeira no Brasil a depositar
amostras de DNA ambiental.
A técnica tem ainda potencial para
realização de monitoramento ambiental e mesmo para engajar escolas e
comunidades ribeirinhas na conservação do meio ambiente, por meio de programas
de ciência cidadã (leia mais em: agencia.fapesp.br/36745).
O artigo The critical role of natural history museums in advancing eDNA for
biodiversity studies: a case study with Amazonian fishes pode
ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-021-97128-3.
André Julião
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/tecnica-devera-permitir-explorar-a-biodiversidade-de-peixes-da-amazonia-sem-capturar-animais/36980/
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