Porque não há outra coisa mais importante a fazer do que dividir com crianças e jovens ideias e ferramentas de construção de uma utopia de país melhor. E é na escola - o espaço de construção e de formação dos hábitos da cidadania - o melhor lugar e tempo para fazer isso. O professor, como lembrava a filósofa Hannah Arendt, é o adulto responsável por apresentar o mundo às crianças e aos jovens, e por dizer o que é importante manter e o que é interessante mudar. Dizer não no sentido de ordenar, doutrinar, como gostam de falar hoje em dia.
Dizer para que as crianças ouçam alguém que já está
aqui há bastante tempo dando um testemunho de sua experiência no mundo. Esse é,
aliás, o sentido que Hannah Arendt dá ao termo responsabilidade. Para ela,
muito adulto se faz professor achando que precisa apenas transmitir conteúdos e
não testemunhos; que basta repetir o que a humanidade produziu nos últimos
séculos, mas não tomar posição em relação a isso, como se as crianças fossem
capazes de aprender como uma tábua rasa, sem referência ou sem o compromisso
dos que estão aqui. Não. O papel do professor é, antes de tudo, ser o adulto
que insere os novos na nave chamada mundo, apontando os instrumentos de
navegação, os cursos possíveis e os riscos inerentes, além das limitações da
máquina e suas virtudes incomparáveis. Também cabe ao professor navegar na
frente dos alunos, mostrar que tudo o que ensina ele também aprendeu e que, se
hoje tem proficiência, houve tempo em que sua mão também tremia e ele também
cometia erros, mas, por sorte, teve um professor, um adulto responsável que
mostrou a ele o que deveria fazer e o que poderia inventar depois de saber o
que deveria fazer. E só assim, respeitando o que existe e sabendo que tudo pode
ser mudado - e até fundado de novo, reinaugurado sob nova direção - é possível
ter confiança em um mundo melhor. Confiança é diferente de esperança.
Com esperança, torcemos que algo aconteça e então
esperamos, cheios de medo, que é o sentimento de que algo pode ocorrer como não
desejamos. Na confiança - laço construído entre as pessoas - dividimos a fé de
que, não importa o que aconteça, continuaremos firmes no nosso propósito de
viver melhor.
Ser professor é compreender essas tarefas e
exercê-las como quem veste uma segunda pele. Não como sacrifício ou como
missão, como é comum dizer, equivocadamente. O sacrifício é uma negação do
desejo, e ser professor é uma das coisas mais prazerosas que existem; a missão
é uma tarefa auto imposta, como o pagamento de algo ou por algo que se espera receber
em troca. Não. Ser professor é um ato político, no sentido grego do termo: um
encontro entre pessoas iguais em direitos, em um espaço de liberdade com
responsabilidade - no qual a voz é o guia e a garantia da não violência -, a
memória das experiências vividas, o menu de ações conjuntas e a confiança em um
mundo melhor - cuidando do que é bom e mudando o que pode ser melhor - o
propósito mais importante.
Tudo isso pode estar distante da realidade
brasileira, que é sempre um retrato do momento. Como uma nuvem no céu. Ser
professor é ter a capacidade de soprar, dando vida a propósitos desejados. Não
negar essa possibilidade e não fugir dessa responsabilidade parece ser o que
melhor nos define.
Daniel Medeiros - doutor em Educação Histórica e professor no Curso
Positivo.
daniemedeiros.articulista@gmail.com
@profdanielmedeiros
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