O que você considera o repertório de um
executivo? As empresas pelas quais ele passou, cursos, certificações e alguns
marcos alcançados na carreira? Isso seria o normal. Raramente vemos, sob essa
perspectiva, os livros lidos, o interesse pela cultura, os shows frequentados e
o que determinada pessoa faz quando ela não está sendo "ela do
trabalho". Afinal, todo profissional vem com uma pessoa junto. E, sim, ela
precisa ter interesses além do conhecimento técnico, das planilhas, números e
cases do negócio. A compreensão do repertório cultural e de como ele influencia
no dia a dia dos executivos de alto escalão deve ser incluída como uma real
skill: nem soft, nem hard, como diz Seth Godin.
Comumente testemunhamos agendas de
C-levels lotadas e outras lideranças da empresa ausentes. Ainda há, no
imaginário corporativo, a ideia de que estar com agenda cheia é o mesmo que
entregar muito. O que pode tornar a gestão desse tempo mais eficiente é justamente
realizar atividades que são relegadas ao segundo plano: a leitura, a pintura, o
teatro, o cinema, enfim, as mais diferentes expressões artísticas que contam a
história, trazem reflexões sobre o antigo e o contemporâneo, a filosofia e o
tecnológico. Uma pesquisa realizada na Flórida (EUA), mostrou que alunos que
leem ficção se tornam mais autoconscientes e reflexivos, o que facilita o
desenvolvimento de novas competências.
De acordo com a pesquisa da Talenses
Group realizada com 530 executivos, chamada “O Repertório da Liderança”, 91,7%
deles consideram importante ler livros de história para entender de onde
viemos, mas 23% não liam nenhum gênero de negócios, 38% não liam biografias,
56% não liam, ao menos, ficção. Indo para um lado de entretenimento, 60,2%
assinam entre dois a três canais de streamings, mas apenas 37,7% assistiam a
quatro filmes ou mais de ficção ou documentários. Apesar do fascínio pelas
artes e o hábito da leitura ser comum em todo o mundo, mesmo no Brasil
corporativo, estamos distantes desse universo.
Muitos conteúdos têm sido consumidos
por eles através de plataformas de streamings, música ou esportes - e isso não
é um problema. O real problema é que muitos deles destroem a criatividade ao
reproduzir pensamentos genéricos. Ao apreciar uma obra de arte ou fazer uma
leitura, determinadas partes do nosso cérebro entram em ação, permitindo que
você desenvolva suas próprias reflexões, o que facilita tomadas de decisão e
amplia a capacidade analítica (apenas para citar algumas competências).
Nesse cenário, é impossível não lembrar
de uma jovem geração hiperconectada, que começa a entrar no mercado de trabalho
e no papel fundamental que a educação e a cultura sempre terão na nossa
sociedade. Na Agenda 2030, da ONU, o 4º dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável preconiza justamente isso: garantir o acesso à educação inclusiva,
de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da
vida para todos. Especificamente o 4.4 prega que é necessário aumentar substancialmente
o número de jovens e adultos que tenham habilidades relevantes, inclusive
competências técnicas e profissionais, para emprego, trabalho decente e
empreendedorismo. As real skills nunca foram tão reais.
Alguns exercícios são muito simples e
fáceis de serem feitos. Um bom começo é justamente com a leitura, nem que sejam
apenas 10 minutos por dia; promover debates acerca de uma obra, fazendo esta
ação junto ao time de colaboradores da empresa, por meia hora; ou até mesmo
convidar um profissional e palestrante para auxiliar nesse trabalho; premiar
colaboradores com livros ou ingressos para museus, teatros e cinemas, entre
diversas outras ações. Cabe ao Brasil resgatar esse conceito para dentro da sua
educação básica, e, aos CEOs e lideranças, fazer o mesmo exercício para
alcançar voos maiores rumo ao desenvolvimento.
Temos muitos talentos, só nos falta a
inspiração.
Gabrielle
Teco é CEO da Qura, hub especializada em curadoria de conteúdos para empresas e
executivos.
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