Constatação foi feita por pesquisadores da Unifesp e colaboradores em células sanguíneas de trabalhadores da indústria de baterias automotivas. Impactos à saúde ainda são desconhecidos (Marilia Araújo conduz análises no laboratório da Unifesp durante seu doutorado; foto: acervo dos pesquisadores)
Estudo publicado na revista Frontiers in Genetics sugere que a exposição ao chumbo – mesmo em concentrações consideradas seguras – pode causar modificações no DNA cujos impactos à saúde ainda são desconhecidos.
As
alterações foram detectadas em células do sangue de trabalhadores da indústria
de baterias automotivas, que tem o metal como uma de suas principais
matérias-primas. A concentração de chumbo nas amostras dos 85 voluntários – em
média 20 microgramas por decilitro de sangue (20 µg/dl) – estava abaixo do que
a legislação brasileira define como máximo tolerável (60 µg/dl). Estudos realizados
na China mostraram concentrações na faixa de 40 µg/dl no sangue de
trabalhadores daquele país.
“O que os estudos vêm sugerindo,
ainda que de forma incipiente, é que baixas exposições ao chumbo podem ter
relação com eventos moleculares que precedem problemas neurológicos e
hematológicos”, explica Gustavo Rafael Mazzaron Barcelos,
professor do Instituto de Saúde e Sociedade (ISS) da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp), em Santos.
O trabalho integra um projeto financiado pela FAPESP
e envolveu também pesquisadores das universidades de São Paulo (USP), Federal
do ABC (UFABC), Anhembi Morumbi e Nova de Lisboa (Portugal).
Ainda que
as baixas doses de chumbo não estejam diretamente relacionadas com problemas de
saúde, Barcelos alerta que o fato de causarem alterações no DNA devem acender
um alerta. “Não dá para chamar essas concentrações de seguras. Seria ótimo ter
o mínimo de exposição ao chumbo, mas também existe um sistema industrial que
depende da produção do metal. É preciso ter boas políticas públicas para
minimizar a exposição”, avalia.
No país,
explica o pesquisador, quando a concentração de chumbo ultrapassa os 60 µg/dl,
o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Previdência Social precisam ser notificados.
Alteração bioquímica
O estudo
conduzido na Unifesp investigou um tipo de modificação bioquímica no DNA
conhecido como metilação, que ocorre quando a molécula recebe a adição de um
radical metil (CH3) e isso muda a forma como os genes se expressam. Não se
trata de uma alteração genética (mutação) e sim epigenética (mudança no padrão
de expressão gênica induzida por fatores ambientais, como a exposição ao
chumbo).
“Avaliamos a metilação do DNA, que é
uma das modificações epigenéticas que ocorrem principalmente nas chamadas
regiões promotoras, que controlam a função dos genes. Quando a metilação dessas
regiões sofre tais alterações, a síntese das proteínas pode também estar desregulada,
o que pode ser um problema. Há evidências de que a exposição ao chumbo é capaz
de inibir uma enzima chamada DMNT1, responsável justamente pelo controle da
metilação do DNA. Nas amostras analisadas, encontramos em abundância o microRNA
miR-148a, que tem como alvo justamente o gene da DMNT1”, conta Marilia Ladeira de Araújo,
primeira autora do artigo, produzido durante seu doutorado no ISS-Unifesp.
Parte das análises foi feita durante estágio de pesquisa na
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal.
Como
explicam os autores, microRNAs são pequenas moléculas de RNA que não contêm
informações para a síntese de proteínas, mas que são capazes de se ligar a
genes codificadores e modular sua expressão. O miR-148, por exemplo,
aparentemente se liga ao gene que codifica a proteína DMNT1 e impede que ela
seja produzida. Sem essa enzima o controle da metilação do DNA fica alterado.
Detecção
Em um trabalho anterior, o grupo
havia detectado a diminuição global da metilação do DNA na mesma população de
trabalhadores, cujas amostras foram colhidas em fábricas no Estado do Paraná.
O artigo foi
parte do mestrado de Paula Pícoli Devóz na
Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP), com bolsa da FAPESP.
Os
pesquisadores então queriam saber se haveria algum biomarcador que indicasse a
diminuição na metilação do material genético e elencaram uma série de microRNAs
que poderiam estar associados com esse evento. Foi observado um aumento
significativo do miR-148a, conhecido na literatura científica por várias
funções. Entre elas, sua ocorrência pode estar associada a danos ao DNA, a
processos inflamatórios e ao estresse oxidativo, eventos relacionados com o
desenvolvimento de diversas patologias multifatoriais, como doenças
neurodegenerativas e câncer, por exemplo.
“A
vantagem de usar o miR-148a como um biomarcador associado a distúrbios
epigenéticos induzidos pela exposição ao chumbo é que estas alterações em sua
expressão podem preceder diversos distúrbios celulares, tais como estresse
oxidativo e morte celular, por exemplo. Não sabemos dizer ainda se a diminuição
da metilação do DNA terá impactos negativos, uma vez que analisamos o status
global desse parâmetro ao longo de todo o DNA. Porém, sabemos agora que ele é
um potencial biomarcador desse estado”, afirma Barcelos.
Uma das ideias
do pesquisador para o prosseguimento da pesquisa – assim que a pandemia de
COVID-19 permitir – é coletar novas amostras da mesma população ao longo
dos anos. O objetivo é verificar se os efeitos da exposição em baixas
concentrações são persistentes e como o organismo pode se adaptar a ela.
O artigo Association Between miR-148a and DNA Methylation Profile in
Individuals Exposed to Lead (Pb) pode ser lido em: www.frontiersin.org/articles/10.3389/fgene.2021.620744.
André Julião
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/exposicao-ao-chumbo-pode-causar-modificacoes-no-dna-mesmo-em-baixas-concentracoes/36933/
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