O Brasil possui cerca de 30 milhões de consumidores superendividados, segundo dados do Idec. Isso significa que grande parte da população possui mais dívidas – seja em financiamentos, empréstimos, via fundos empresariais ou de simples parcelamentos de cartões – do que pode arcar. Visando minimizar esse problema, a nova Lei do Superendividamento foi criada com uma tese aparentemente positiva, com foco no estímulo à disciplina voltada ao crédito responsável. Contudo, a aplicação de suas determinações pode não trazer o resultado esperado, mas sim consequências severas para a economia nacional à longo prazo.
O principal objetivo dessa nova lei é estabelecer
uma diretriz de cuidado na concessão de crédito, verificando o verdadeiro
balanço entre a renda do cidadão com sua quantidade de dívidas. Em um primeiro
olhar, aparenta ser uma ação válida, mas na verdade, não foi pensada de forma
adequada à realidade do momento de tomada de crédito pelos consumidores,
especialmente em momentos de crise econômica.
Um de seus principais problemas é a incapacidade de
ter uma completa confiança na declaração do devedor, que é um dos novos
requisitos da lei. O consumidor fará uma declaração de capacidade de pagamento
no momento em que pedir o crédito. Mas, diante da dificuldade jurídica no
acesso aos dados protegidos por sigilo bancário e outras informações
financeiras, havendo somente os cadastros insuficientes na nova mecânica da
Lei, como SPC/SERASA. Para piorar, muitos desses dados não estão em uma rede
atrelada ao sistema bancário oficial, mas sim em outros créditos de lojistas,
que não estão compartilhados com os demais atores da concessão de créditos, o
que pode infirmar a decisão de concessão.
Em segundo lugar, devemos levar em consideração que
muitos devedores não possuem apenas um tipo de dívida, mas sim um conjunto
proveniente de diversas fontes que agravam sua situação. Um bom exemplo são os
empreendedores que, em muitos casos, tem dívidas na pessoa jurídica muito
maiores do que na pessoa física. E, num determinado momento, poderá haver
comunicação das dívidas da pessoa jurídica à pessoa física.
Segundo suas normativas, somente os credores com
dívidas em âmbito de consumo poderiam ser solicitados para a negociação com os
ritos da Lei, o que deveria atingir apenas uma porção das mais variadas formas
de crédito. Porém, diante de variadas fontes de dívidas, o que podemos esperar
é, na verdade, uma brecha para o encarecimento e maior resistência na concessão
do crédito, dado que os créditos, independentes de sua natureza, são sempre
encarados em um sistema coeso. Serão exigidas garantias mais robustas, que
poucos consumidores têm a oferecer, o que pode gerar um efeito cascata na
redução do consumo em âmbito nacional.
Toda concessão de crédito impacta não apenas a
instituição financeira de cada consumidor, mas principalmente o próprio Banco
Central. Ainda, em casos de procedimentos que abrangem contratos antigos, os
impactos serão sentidos em todo o país. Com um crédito mais caro – mesmo que
discreto e pouco perceptível – haverá uma maior dificuldade de acesso, o que
gerará diminuição da capacidade de consumo da população, diminuindo a demanda e
forçando a redução da produção.
Mesmo diante de uma proposta aparentemente viável,
ainda estamos lidando com uma lei muito nova e que foi criada em meio à uma
série de outros projetos mais relevantes, o que fez com que ela perdesse
visibilidade para o debate necessário, tanto antes de sua publicação, como
agora enquanto já vigente. É claro observar que foi pouco refletida, pois não
levou em consideração a situação real de endividamento já presente e, que será
fator de influência na eficácia da lei.
Ainda não sentimos seus reais efeitos no curto
prazo, mas com certeza, podem ser devastadores. Podendo, inclusive, criar
inadimplentes em um efeito contrário ao que pretendia – a tomada irresponsável
de crédito, sabendo o devedor que conta com um benefício para eventual alívio
de pressão financeira caso venha a se superendividar.
Jayme Petra de Mello Neto - advogado
do escritório Marcos Martins Advogados e especialista em Direito cível e
societário.
https://www.marcosmartins.adv.br/pt/
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