O crescente número de ataques cibernéticos registrado nos últimos anos tem gerado prejuízos e preocupações em todo o mundo. Mas, há uma outra questão relacionada a crimes virtuais e que vai muito além do roubo e vazamento de dados, podendo trazer prejuízos incalculáveis para a sociedade e para as pessoas envolvidas: o abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes praticados na Internet. O assunto é delicado, complexo e, para a maior parte das pessoas, difícil de ser discutido, o que é compreensível. Afinal, não é tão simples aceitar que existam situações como essas acontecendo a todo momento.
Porém, falar sobre isso e até sobre a pornografia infantil é um tabu que
precisa ser encarado. Atualmente, as crianças têm maior capacidade de aprender
e se familiarizar com o mundo digital, tornando necessárias conversas, alertas
e ações mais efetivas e recorrentes por parte de toda a sociedade. Especialmente
neste período de pandemia em que as pessoas, inclusive jovens e crianças, têm
consumido ainda mais conteúdos online - segundo dados da Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), o uso da internet no Brasil durante a quarentena
cresceu 40%, e 24 milhões de crianças e adolescentes entre 9 a 17 anos são
usuárias, de acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil.
Como especialista que atua colaborando com diversas organizações em muitos
países para combater este tipo de crime, posso afirmar que lidar com essas
investigações é algo muito difícil e, mesmo com os anos de experiência,
capturar esses criminosos nos traz um sentimento de vitória, mas também uma
sensação de fracasso. Mesmo conseguindo identificar quadrilhas, o que resulta
na prisão dos autores desses abusos, os danos pós acontecimentos são, muitas
vezes, irreparáveis, tanto para as vítimas, quanto para seus familiares.
Muitas pessoas não sabem, mas o cyber grooming é um método amplamente utilizado
por pedófilos para iniciar conversas e contatos nas redes com meninos, meninas
e adolescentes e consiste em chantagens em troca de imagens e vídeos de
conteúdo sexual. Esse material não é exposto apenas na Deep Web, onde mais de
4% dos sites são pornográficos. Existem outros links com materiais de teor
violento e sexual. Para se ter uma ideia, o CEO da Apple, Tim Cook, afirmou que
não deixa seu sobrinho entrar nas redes sociais. Bill Gates proibiu o uso de
celulares até a adolescência dos filhos. Já Steve Jobs, co-fundador da Apple,
não permitia o uso de iPads. Quando várias das principais referências de uma
indústria se recusam a dar aos próprios filhos o produto que fabricam, nossos
alarmes devem soar bem alto.
Não estou dizendo que a atitude por parte dos pais deve seguir esse caminho
mais rígido da proibição, mas, como o acesso à Internet por crianças e
adolescentes é predominantemente domiciliar, ainda de acordo com dados da TIC
Kids Online Brasil, a mediação de pais e responsáveis deveria ser obrigatória,
diária e minuciosa. Normalmente ensinamos nossos filhos a não falar ou aceitar
nada de estranhos. Mas, na internet, essa regra é muito mais importante, devido
à facilidade que existe para assumir identidades falsas. Esses criminosos são
adultos que assumem uma identidade infantil ou adolescente com o objetivo de
abusar ou extorquir. É importante saber que eles aliciam as crianças por meses,
até conquistar a confiança e conseguir fotos e vídeos de conotação sexual. Na
"vida online", as pessoas se permitem ser mais agressivas do que no
mundo real. Com isso, os riscos de serem intimidados ou agredidos aumentam
consideravelmente.
Antes de deixarmos as crianças se moverem sozinhas, devemos prepará-las
adequadamente. Por isso, é na prevenção que precisamos atuar. Eu sei que
indicar a instalação de sistemas de segurança nos aparelhos móveis dos menores
de idade é algo incabível e financeiramente inacessível para muitas famílias.
Mas, há atitudes mais simples que podem, e devem, ser tomadas.
É preciso averiguar os perfis nas redes sociais, checar com quem estão
conversando e, se necessário, restringir acessos e limitar o tempo de consumo
diário. Acompanhe a rotina das crianças, repare nas mudanças de comportamento,
elas devem estar cientes dos riscos e compreender que sua privacidade pessoal é
um direito fundamental. Alerte sobre comportamentos inadequados e deixe um
canal aberto para que comuniquem aos pais e responsáveis sobre qualquer
ocorrência. Volto a afirmar que abuso e exploração sexual infantil deixam
marcas irreparáveis e, em tempos de Internet, eles podem ocorrer em qualquer
lugar, a qualquer hora, basta estar conectado.
Augusto Schmoisman - especialista em defesa cibernética corporativa,
militar, aeroespacial e CEO da Citadel Brasil.
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