Grupo da Unicamp usou o mapeamento de proteínas para demonstrar como níveis anormais do neurotransmissor glutamato comprometem o funcionamento de células nervosas. Pesquisa pode orientar tratamentos mais eficazes (imagem: Gerry Shaw/Wikimedia Commons)
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Pesquisadores da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) fizeram um mapeamento de proteínas cerebrais com
o objetivo de desvendar as bases moleculares da esquizofrenia. Os resultados do
estudo, divulgado no European Archives of Psychiatry and Clinical Neuroscience,
poderão orientar a busca de tratamentos mais específicos e eficazes contra a
doença. Os medicamentos atualmente disponíveis no mercado agem de forma
genérica no cérebro e podem causar graves efeitos colaterais.
O trabalho foi liderado pela equipe
do Laboratório de Neuroproteômica do Instituto de Biologia (IB-Unicamp), que
usou amostras de tecido cerebral de pacientes com a doença coletadas pós-morte.
Dois tipos de células nervosas – neurônios e oligodendrócitos – foram tratados
em cultura com MK-801, um medicamento que altera a função neurotransmissora do
glutamato e mimetiza in vitro o que
ocorre em portadores de esquizofrenia. Desse modo, o grupo conseguiu estudar os
processos biológicos associados ao transtorno que são específicos de cada tipo
celular.
Os
neurônios tratados com a substância apresentaram estresse oxidativo (um dos
fatores que podem levar à degeneração do cérebro) e apoptose (um tipo de morte
celular programada). Já os oligodendrócitos, células responsáveis pela formação
e manutenção da bainha de mielina (capa de gordura que facilita a transmissão
dos impulsos nervosos), apresentaram diferenças associadas à síntese proteica e
à organização da membrana.
“Cultivamos em laboratório
oligodendrócitos e neurônios e tratamos com MK-801. Depois analisamos as
proteínas do cérebro e de cada uma das células, cruzando os dados. Pudemos,
assim, destrinchar quais diferenças são específicas dos neurônios, quais estão
ligadas aos oligodendrócitos e as comuns a ambos os tipos celulares”, explica o
professor Daniel Martins-de-Souza,
orientador do trabalho e coordenador do laboratório, financiado pela FAPESP.
A doutoranda Giuliana da Silva Zuccoli,
primeira autora do artigo, destaca que a potencial falta de mielina ou
disfunção na formação da bainha podem estar relacionadas à disfunção cognitiva
ou de memória na doença.
A mielina
"encapa" o axônio – parte do neurônio, semelhante a um braço, que se liga
a outro neurônio em uma sinapse. Com isso, impede a perda de energia na
transmissão de impulsos de um neurônio a outro.
No ano passado, outra pesquisa
conduzida no Laboratório de Neuroproteômica, com apoio da
FAPESP, já havia relacionado a esquizofrenia ao distúrbio de oligodendrócitos,
que acabam produzindo bainha de mielina com debilidades.
Pesquisas
anteriores descreveram que cérebros de pacientes com esquizofrenia apresentam
níveis anormais do neurotransmissor glutamato. Apontaram também ligação da
disfunção da neurotransmissão glutamatérgica com a hipofunção do receptor NMDA
(NMDAr, que é ativado pelo glutamato). A neurotransmissão glutamatérgica é
essencial para cognição, aprendizagem e memória do ser humano.
“O
tratamento de células neurais com MK-801 revelou que neurônios,
oligodendrócitos e astrócitos são afetados, mas apresentam respostas diferentes
em uma hipofunção NMDAr. A ativação de NMDAr em oligodendrócitos está envolvida
com sua maturação, modulação metabólica e mielinização em torno dos axônios.
Assim, compreender os efeitos da desregulação glutamatérgica em neurônios e
oligodendrócitos é crucial para entender o papel dessas contrapartes celulares
na esquizofrenia, especialmente no contexto hipocampal”, escrevem os
pesquisadores no artigo.
E
concluem: “Pudemos encontrar assinaturas proteômicas em comum entre o hipocampo
e os neurônios tratados com MK-801, bem como entre o hipocampo e os
oligodendrócitos tratados com MK-801”. Esses dados serão importantes para o
desenvolvimento de tratamentos mais direcionados aos diferentes processos
biológicos disfuncionais nas diversas células cerebrais.
O estudo foi conduzido em colaboração
com o grupo do professor Helder Nakaya,
da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP).
O apoio da FAPESP se deu por meio de seis projetos (18/14666-4, 17/25588-1, 19/00098-7, 17/50137-3, 12/19278-6 e 13/08216-2).
Casos
Considerada
um transtorno mental grave e debilitante, a esquizofrenia afeta em torno de 23
milhões de pessoas no mundo, sendo 1,5 milhão de brasileiros, de acordo com a
Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).
É
caracterizada por pensamentos ou experiências que parecem não ter contato com a
realidade, fala ou comportamento desorganizado e participação reduzida nas
atividades cotidianas. O tratamento envolve uma combinação de medicamentos,
psicoterapia e cuidados especializados. Para detectar a esquizofrenia é
realizada uma avaliação clínica.
Uma metodologia desenvolvida por
pesquisadores brasileiros no ano passado se mostrou promissora na criação de um
exame de sangue capaz de diagnosticar a doença. O método foi desenvolvido por
grupos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Unicamp e é o
primeiro capaz de diferenciar o transtorno por meio da análise de alterações
bioquímicas e moleculares envolvidas nas patologias (leia mais
em: agencia.fapesp.br/33824/).
O artigo Linking proteomic alterations in schizophrenia hippocampus to
NMDAr hypofunction in human neurons and oligodendrocytes, dos
autores Giuliana S. Zuccoli, Guilherme Reis-de-Oliveira, Bruna Garbes, Peter
Falkai, Andrea Schmitt, Helder I. Nakaya e Daniel Martins-de-Souza, pode ser
lido em https://link.springer.com/article/10.1007/s00406-021-01248-w.
Luciana
Constantino
Agência
FAPESP
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