A necessidade de adaptar o mercado de trabalho às restrições impostas pela pandemia do coronavírus fez com que muitas pessoas começassem a trabalhar em regime de home office ou teletrabalho. Com essa tendência, muitas empresas aderiram a determinadas ferramentas que permitem certo controle sobre as atividades dos funcionários que estão longe dos olhos atentos de seus supervisores.
Há ferramentas disponíveis que conseguem elaborar
relatórios contendo as tarefas desempenhadas ao longo da jornada de trabalho,
como a quantidade de e-mails enviados, o tempo em que permaneceu em determinada
página ou documento, ou mesmo o tempo total que esteve à frente do computador,
entre outras estatísticas. Os meios para obter informações sobre a atividade do
funcionário podem consistir em capturas esporádicas da tela, monitoramento da
quantidade de cliques e acionamento de teclas e visualização dos sites e
aplicativos acessados. É o “BBB corporativo”.
Há uma grande discussão sobre a possibilidade desse
tipo de monitoramento e seus limites. Por um lado, há o reconhecimento do
interesse do empregador de que o home office não seja utilizado como uma forma
de escapar ao trabalho e que, se o dispositivo a ser monitorado for
disponibilizado pela própria empresa, deve ser utilizado apenas para as
finalidades funcionais; por outro lado, há a privacidade desse empregado e a
compreensão de que a produtividade do trabalho não é garantida pela total
proibição de intervalos de distração.
Além de eventuais discussões jurídicas concernentes
ao direito do trabalho, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também ingressa
no debate, e seus princípios podem trazer não a preponderância de um interesse
em detrimento do outro (interesse da empresa X privacidade do empregado), mas uma
solução de equilíbrio.
Isso porque a LGPD dispõe que as atividades de
tratamento de dados (como o monitoramento das atividades do funcionário) devem
ter uma finalidade específica, lícita e legítima, e os meios para alcançá-los
devem ser necessários e adequados para tal objetivo.
Dessa forma, mesmo que seja reconhecido como lícito
o controle das atividades dos funcionários pela perspectiva da empresa, que
teria um legítimo interesse para tanto, ainda é preciso refletir se a forma de
atingimento dessa finalidade é a mais adequada, considerando que também é
necessário resguardar a privacidade do funcionário, bem como sua dignidade.
Assim, por exemplo, se o objetivo é evitar a possibilidade de que a pessoa se
distraia com redes sociais ou determinados sites que podem comprometer a
segurança da rede, seria muito mais adequado que a ferramenta implementada
impedisse o acesso e a conexão a certos sites pré-selecionados, do que capturar
a tela a cada intervalo de tempo ou emitir relatório com os endereços acessados
e o conteúdo ali visualizado. É uma solução menos invasiva à privacidade desse
usuário, e o objetivo atingido é o mesmo.
Esse tipo de reflexão é essencial para as empresas,
que devem tomar nota de que há diversos meios para se atingir a mesma
finalidade que envolva dados pessoais, assim como é uma obrigação e uma
responsabilidade legal dos empregadores buscarem por meios que sejam mais
adequados e menos invasivos à privacidade do usuário, ainda que a finalidade
seja legítima.
Natália Marques - integrante
do escritório Dosso Toledo Advogados. Graduada na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo (FDRP-USP), foi pesquisadora da FAPESP (Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e é mestranda em direito comercial
na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP – Largo São
Francisco), é especialista em direito comercial e empresarial e especialista em
Lei Geral de Proteção de Dados. Possui diversos prêmios em reconhecimento pela
sua atividade acadêmica na área jurídica. https://www.dossotoledo.com.br/equipe/
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