Mais
de um ano de isolamento social, sem grandes perspectivas de uma volta à
normalidade e com uma terceira onda de contágio pela Covid-19 a caminho.
Imagine como está a cabeça das nossas crianças e adolescentes, que deveriam
estar levando uma vida mais livre, de convivência com os amigos, da proximidade
tão natural à infância, de descobertas e no auge de seus questionamentos em
grupo.
A
fase que engloba o desenvolvimento dos 5 aos 17 anos é delicada, e a
adolescência é ainda mais complexa, pois é quando os pequenos – quase grandes –
passam a não se identificar mais com o universo infantil, mas também ainda não
são adultos, e precisam da coletividade, da troca, para buscar suas referências
no sentido de definir a própria identidade. Com o isolamento, esse processo
está interrompido ou, no mínimo, dificultado. A falta de interação e o
consequente sentimento de solidão são fatores de risco importantes para a
depressão.
Uma
pesquisa recém publicada pelo Instituto de Psiquiatria da USP, mostrou que, num
universo de quase 7 mil crianças e adolescentes (com idade entre 5 e 17 anos),
26% apresentam sintomas clínicos de ansiedade e depressão, ou seja, há uma
necessidade premente de atenção a esta situação e a consideração, por parte de
familiares e educadores, por buscar atendimento especializado. Os resultados
prévios do trabalho, que teve início em meio à pandemia, em junho do ano
passado, indicaram que 13% dos jovens se sentem solitários, 23% dormem depois
da uma hora da manhã, 48% não se exercitam e 37% estão sem uma rotina definida.
Segundo
a OPAS/OMS (Organização Pan-Americana de Saúde, braço da OMS na região), as
condições de saúde mental são responsáveis por 16% da carga global de doenças e
lesões em pessoas com idade entre 10 e 19 anos. Além disso, os dados apontam
que metade de todas as condições que refletem na saúde mental começam aos 14
anos de idade, mas a maioria dos casos não é detectada nem tratada.
A
OMS aponta ainda que, em todo o mundo, a depressão é uma das principais causas
de doença e incapacidade entre adolescentes, sendo o suicídio a terceira
principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos.
É
necessário, assim, um esforço da sociedade, juntamente com uma parceria
família-escola, para promover um trabalho com foco na saúde mental dos
adolescentes para ajudá-los a superar o período de pandemia e garantir uma vida
saudável, produtiva e que seja próspera. Estamos falando do futuro da
humanidade, então não dá para ignorarmos este fato e não ajudarmos nossas
crianças agora.
Um
fator importante a ser considerado, além do estado de pandemia, é que os
problemas relacionados à depressão e ansiedade em adolescentes não é de hoje.
Outro estudo, realizado pelo Instituto Ayrton Senna e que ouviu, em novembro de
2019 – antes da pandemia, portanto, 110 mil estudantes, do 5º e do 9º ano do
ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio, revelou que 29,72% dos alunos
disseram ter sofrido zombarias, intimidações ou humilhações nos 30 dias que
antecederam o estudo. Isso reforça que um trabalho de atenção socioemocional a
indivíduos nessa faixa etária exige também um planejamento das escolas no
sentido de promover a aceitação, inclusão e capacidades socioemocionais nas
crianças, sempre em parceria com a sociedade e a família.
Sabemos
que muitas questões afetam esse grupo de diferentes maneiras, que
economicamente falando não se trata de um grupo homogêneo, então é importante
levarmos em consideração as vivências e realidades de cada criança. Algumas
perderam familiares, ou mesmo o pai ou a mãe. Outras passam por dificuldades
financeiras. O adolescente oriundo de família de baixa renda, por exemplo, com
certeza não teve o direito ao isolamento e muitos estão assumindo a
responsabilidade de ajudar no sustento da família ou na casa. Qual é o impacto
disso a longo prazo? Infelizmente, para muitos jovens, adolescer significa se
tornar responsável pelos irmãos menores. Por isso, olhar individualmente para
cada um deles faz toda a diferença neste momento.
Por
outro lado, posso afirmar que um ponto todos têm em comum: o impacto da falta
de socialização nesta fase crucial de desenvolvimento na formação da
identidade. Todos vão sair desse período de pandemia com dificuldades maiores
do que teriam normalmente. A vida em si já é um desafio, mas o que
testemunhamos agora não tem precedentes. Todas as questões de autonomia e
desenvolvimento do senso de si serão prejudicadas. E nosso papel, como
profissionais da saúde, pais e responsáveis, é de estarmos alertas e agirmos de
forma rápida se necessário.
Sei
que não é um momento fácil para ninguém. Todos estamos muito ansiosos com o
futuro e temos as nossas próprias questões a resolver. Mas é fundamental
olharmos de verdade para os nossos filhos e criarmos espaços de diálogo.
Antes que seja tarde demais.
Ana Cristina Ribeiro Zollner - bioeticista, pediatra e professora do curso de Medicina da
Universidade Santo Amaro – Unisa
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