O
caso do menino Henry Borel, de 4 anos, vítima de violência intrafamiliar
retrata uma narrativa triste e violenta que ocorre todos os dias com muitas
crianças no País.
Números divulgados na imprensa
sobre agressão contra crianças destacou os altos números sobre a violência, mostrando
uma realidade extremamente preocupante. Nos últimos 10 anos, 2.083 crianças de
até 4 anos morreram vítimas de agressão.
Segundo a Sociedade Brasileira de
Pediatria (SBP), com apoio da equipe
da 360° CI, considerando crianças e adolescentes entre o nascimento e 19 anos,
esse número chega a pelo menos 103.149. O levantamento feito em 2019 mostra que, todos os dias, foram notificados, em
média, 233 agressões de diferentes tipos (física, psicológica e tortura) contra
crianças e adolescentes.
Os dados extraídos pela Sociedade Brasileira de
Pediatria do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), mantido pelo
Ministério da Saúde (MS) constataram que, em grande parte dessas situações, a
violência ocorre no ambiente doméstico ou têm como autores pessoas do círculo
familiar e de convivência das vítimas.
Na publicação feita na quarta-feira (14), no site
da SBP, a presidente, Luciana Rodrigues Silva, destacou a exposição das
crianças a uma maior incidência de violência doméstica e, consequentemente,
aumento do número de casos letais diante da necessidade de distanciamento
social, incluindo o fechamento de escolas, para conter a pandemia do novo
coronavírus.
Ao acompanhar a história de Henry, é possível
entender que o menino deu alguns sinais de que algo estava errado, teve
mudanças de comportamento e até chegou a comentar com a babá sobre as
agressões. Neste sentindo, escola também tem um papel fundamental, muitas vezes
são os professores e profissionais da educação que notam comportamentos,
hematomas ou outros sinais de violência e levam a denúncia ao conselho tutelar.
No atual cenário, onde se tem discutido 'homeschooling'
na Câmara do Deputados, o caso de Henry evidencia que a proteção e os cuidados
com a criança e o adolescente não podem ficar restritos apenas aos pais. A
participação do Estado é fundamental para garantir a proteção e os direitos,
como assegura o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Constituição
Brasileira, no artigo 227 .
Violência deve ser discutida na escola
Educar para prevenir é a principal discussão
apontada pelo 'Eu Me Projeto' , um projeto criado para que as crianças com e sem deficiência
aprendam que seus corpos pertencem a elas e devem ser respeitados. Através de
uma cartilha, as ensinam a reconhecer e se proteger de abusos e agressões com
linguagem simples e ilustrações de fácil compreensão.
O Projeto incentiva que esse assunto seja
discutido na sala de aula, desde a pré-escola. Assim, não só as famílias, mas
também os educadores podem conversar e ensinar às crianças sobre o que fazer em
caso de violência. A cartilha ensina a criança a conhecer o seu corpo, entender
que ele deve ser cuidado e protegido, e que ninguém pode tocá-lo de uma forma
que ela não goste, que a machuque ou a deixe com vergonha.
Crianças com deficiência
O Eu Me Protejo evidencia uma realidade ainda
mais complexa, a de crianças com deficiência que acabam sendo vítimas ainda
mais fáceis de agressão e abuso, como explica a jornalista e mestre em Estudos
da Deficiência, Patricia Almeida, coautora do projeto Eu Me Protejo.
"Infelizmente a criança com deficiência é a
vítima ideal. São muitas vulnerabilidades juntas - ninguém se preocupa em
educá-la para se proteger contra a violência de uma maneira que ela consiga
entender. Se ela não fala, não consegue relatar a agressão e quando consegue,
as pessoas não acreditam porque não é uma "testemunha confiável".
Além do mais, como muitas vezes ela requer apoio de alguém para ir ao banheiro,
por exemplo, é difícil perceber o que é cuidado e o que é abuso. Muitas vezes,
ela nem sabe que está sendo abusada. É necessário ensinar que a violência está
errada, muitas crianças são criadas nesse meio e acham que isso é normal, aí
entra o papel fundamental da escola, explica Patricia.
A violência doméstica é a primeira maior causa de
violência cometida contra crianças no Brasil, como explica a psicóloga Neusa
Maria, fundadora do projeto Renascer contra a violência doméstica e coautora do
Projeto Eu Me Protejo. E, se tratando de crianças com deficiência, ela se
potencializa.
"Até mesmo pela invisibilidade social e
marcadores que estigmatizam, elas estão sujeitas a todos os tipos de violência,
física, sexual, psicológica, verbal, maus tratos como privação de higiene e de
alimentação. Ser uma criança com deficiência intelectual já é um fator de risco
para a violência doméstica e outras violências. Por isso, falar sobre violência
e deficiência é muito importante, precisamos correlacionar, pensar de forma
interseccional. Essa articulação precisa ser priorizada com urgência para que
as crianças com deficiência, que sofrem cinco vezes mais violência, possam ter
acesso aos seus direitos, esclarece Neusa.
A profissional reforça ainda que, o momento atual
de pandemia é um fator de risco, e essas crianças ficam ainda mais vulneráveis.
Junto com outros fatores, como as redes de apoio, creches, escolas e
instituições fechadas, mais tempo dentro de casa, situações estressantes dos
pais e cuidadores, conflitos familiares, questões psicológicas, dificuldade de
lidar com as crianças e com outros afazeres, irritação, agressividade,
ansiedade e falta de paciência inserem essa criança em um contexto de risco
ainda maior, gerando uma explosão de violência, onde a condição da criança
também é um limitador para que ela possa ter acesso à ajuda.
"Nós, a sociedade precisamos entender que
essa é uma responsabilidade nossa, lutar por uma intervenção e integração dos
serviços através de uma ação coletiva e efetiva, que seja articulada com todos
os outros setores, assegurando a essas crianças proteção ao invés do contexto
de agressão que elas estão inseridas. Por isso, precisamos que elas tenham
acesso ao atendimento integral e os seus direitos fundamentais devem ser
garantidos e instituídos, só assim, conseguiremos diminuir o ciclo de violência
e não silenciar essas crianças", reforça Neusa.
Sinais que a criança apresenta
A psicóloga explica que os danos
psicológicos são inúmeros e os principais sinais que a criança começa a dar são
relacionados à mudança comportamental. Ela fica agressiva, nervosa, aumenta o
tom de voz para falar, bate nos objetos, tende a ficar introspectiva, chora,
não consegue dormir, tem medos frequentes, cai o rendimento na escola, perde ou
aumenta o apetite e há casos em que a criança perde muito peso. A
criança passa a ter um atraso no comportamento e começa a apresentar
dificuldade para ações, atividades cotidianas e básicas.
Cabe a nós, adultos, a responsabilidade de falar
com as crianças sobre o assunto e utilizar materiais didáticos, como a cartilha
do Projeto Eu Me Protejo, levar e propor a discussão no ambiente escolar desde
a pré-escola e, assim, ensinar a criança como se proteger e denunciar uma
possível agressão ou abuso.
Thaissa Alvarenga - fundadora da ONG Nosso Olhar e comanda o blog Chico e suas Marias
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